‘É a 1ª vez em 22 anos que coloco 10 dedos no teclado’, diz maestro João Carlos Martins sobre luva biônica.
Depois de anunciar a despedida no ano passado, pianista se reencontrou com o instrumento no ultimo sábado (25) graças a um projeto desenvolvido em Sumaré. Concerto que marcou o retorno foi em comemoração aos 466 anos de São Paulo.
(Marília Rastelli e Marcello Carvalho)
‘É a 1ª vez em 22 anos que coloco 10 dedos no teclado’, diz maestro João Carlos Martins sobre luva biônica que o fez voltar ao piano ‘É a 1ª vez em 22 anos que coloco 10 dedos no teclado’, diz maestro João Carlos Martins sobre luva biônica que o fez voltar ao piano
Prestes a completar 80 anos, o pianista e maestro João Carlos Martins, referência da música clássica no Brasil e no mundo, passou por uma das grandes emoções da carreira. Depois de anunciar em fevereiro de 2019 a despedida dos pianos por conta de uma série de problemas de saúde que limitaram a movimentação de suas mãos, ele voltou a tocar em público neste sábado (25), graças a uma luva biônica desenvolvida por um designer industrial de Sumaré (SP). O projeto permitiu que o músico voltasse a ter o movimento de todos os dedos e pudesse se reencontrar com o instrumento que o consagrou.
“É a primeira vez em 22 anos que eu coloco os dez dedos no teclado. Eu senti que o grande segredo na vida é levar o seu coração para o coração do público. Eu achei que mesmo com todas as limitações que eu tenho e com o milagre que o Bira fez nas minhas mãos, com essa luva biônica, eu ainda posso transmitir um pouco de emoção. E isso mexeu com meu coração, com meu cérebro, com tudo”, disse o maestro em entrevista a rede EPTV de Campinas.
O concerto que marcou o retorno de João Carlos Martins ao piano aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo, em comemoração aos 466 anos da maior cidade do país. A apresentação, com a Orquestra Bachiana Filarmônica do Sesi, teve no repertórios obras dos compositores alemães Ludwig van Beethoven e Johann Sebastian Bach. Ainda em êxtase por ter conseguido voltar a tocar com todos os dedos, o maestro contou que passa por um período de adaptação com a luva biônica, que já está na sexta versão.
“Eu só podia tocar com dois polegares. Agora, eu tenho que reeducar o cérebro, acho que eu posso até recuperar a velocidade no futuro. Pode demorar um ano ou cinco anos, não sei, porque é uma musculatura que nunca usou esse terceiro, o quarto e o quinto dedo. Eu acho que eu vou recuperar a velocidade em um estudo, mas não tenho coragem de fazer em público. Em público vou fazer só coisas mais lentas por enquanto”, explicou.
Maestro João Carlos Martins fala pela primeira vez sobre projeto que o fez retornar ao piano — Foto: Reprodução/EPTV
A relação do designer industrial Ubiratan Bizarro Costa, de 55 anos, com João Carlos Martins começou na metade de 2019. O fã e agora amigo contou todos os processos de criação da luva biônica. Encantado com a capacidade de invenção do que chamou de “anjo da guarda”, o maestro confessou que, na primeira versão do protótipo, ficou constrangido de dizer que a obra não daria certo, mas mesmo assim decidiu convidar o inventor para um almoço em sua casa.
“Quando ele almoçou aqui em casa, eu percebi que eu estava diante de um gênio. Aí ele fez o primeiro protótipo, fez o segundo protótipo, eu fui para Sumaré, nós corrigimos o segundo protótipo. Qualquer coisa que eu pedia, ele ficava uma madrugada inteira trabalhando para chegar ao resultado que eu queria. Então eu só posso dizer que eu ganhei um anjo da guarda antes dos meus 80 anos”, afirmou Martins.
Bira já criou seis versões de luva para o maestro João Carlos Martins — Foto: Fernando Pacífico / G1
‘Era pra ele brincar em casa’
Além de analisar imagens gravadas em concertos, Bira, como prefere ser chamado explicou que se sentiu motivado por ter desenvolvido em anos anteriores protótipos de exoesqueletos que poderiam beneficiar cadeirantes. Um dos elos, avalia, está a busca por um design minimalista, marcado pelas ideias de simples e objetivo.
As mãos que antes fechavam após movimentos, voltaram a ficar estendidas com uso do invento apelidado pelo maestro de “luvas biônicas”, mas que funcionam como molas para gerar o efeito esperado. No entanto, o inventor esperava que o projeto fosse usado apenas para o maestro “brincar em casa”.
O designer se diz fã de música clássica, principalmente pela “meticulosidade dos artistas” e porque a mãe é professora de piano. Cada par de luvas tem custo estimado de R$ 1,5 mil e, por enquanto, Bira leva uma semana para fazer artesanalmente. O desenho a mão é elaborado em 3D, passa por um software onde há análise minuciosa de “camadas” e cada luva requer pelo menos três horas de impressão.
O designer Ubiratã Bizarro Costa, com luvas criadas para o maestro João Carlos Martins — Foto: Fernando Pacífico / G1 Campinas
‘Eu vou chegar lá’
Depois de estrear a luva na apresentação no ultimo sábado, o objetivo do maestro agora é se aprimorar para conseguir tocar “coisas mais rápidas”, no concerto que fará no icônico Carnegie Hall, em Nova York, ao lado de Gal Costa, para comemorar os seus 80 anos de vida, que serão completados no dia 25 de junho deste ano.
“Eu chegava a fazer 21 notas por segundo. Agora faço a cada 21 segundos uma nota, mas eu vou chegar lá. Porque a única coisa que vale na vida é a palavra esperança. E com a esperança você sempre pode provar que Deus existe e essa é a minha meta”, contou o maestro, que chegou a fazer 24 cirurgias.