O nosso amigo e escritor Ravel Gimenes nos cedeu gentilmente um trecho do seu livro sobre personagens que fizeram história em Votuporanga. Aprecie:
Quem observa um senhor com cabelos grisalhos andando calmamente a passos contados pela região central de Votuporanga, não imagina que Francisco Santana ou simplesmente Fifi, já foi um atleta. A origem do apelido ele não soube informar, mas a alcunha da juventude o apadrinhou para o resto da vida. Foi com passos miúdos e fala mansa, que veio me atender para este bate-papo.
Francisco Santana nasceu em Campinas, interior do estado de São Paulo, em novembro de 1936. Desde que se entende por gente teve o sonho de jogar futebol, nas palavras do ex-craque: “Eu queria era jogar bola”, repete em vários momentos, com aquele olhar fervoroso de que se não fosse a ação do tempo, estaria jogando até hoje.
Ele encontrou no Guarani Futebol Clube uma oportunidade de realizar o seu sonho, começando na categoria de base infantil, juvenil e posteriormente profissional. No auge da adolescência, a sua atenção era dividida entre o futebol e o trabalho, de menino de entrega do açougue do Sr. Mario Túlio, por ironia do destino, um fanático torcedor da Ponte Preta. Durante as entregas, aproveitava o tempo vago para treinar, treinar e treinar. Às noites de sábado dormia na casa do patrão para acordar de madrugada e fazer todas as entregas o mais rápido possível, logo pela manhã de domingo: “Porque era dia de jogo, e tinha que jogar, né?”. Ao relembrar desse momento, ele abre um pequeno sorriso já demonstrando que recebera o passe das boas memórias que divide conosco diretamente do túnel do tempo.
Fifi jogando pelo Guarani no início dos anos 50.
Após jogar nas categorias iniciais do Guarani, veio a promoção para o time principal. Posteriormente, o jovem Francisco, com apenas 17 anos à época, se tornou o primeiro jogador do bugre a ser convocado para assumir uma vaga na Seleção Brasileira, participando do Campeonato Sul-Americano de Futebol Sub-19, em 1954. A competição realizara-se na cidade de Caracas, na Venezuela e o time canarinho sagrou-se vice-campeão, tendo o Uruguai como primeiro colocado. “Nunca tinha andado de avião e devo isso ao futebol. Depois dessa época fui para o Chile e mais alguns países, depois do Guarani, fui jogar no Fluminense…”.
Recorte de jornal venezuelano em 1954, destacando o jogador da Sub-19
Nesse momento eu o interrompo para relatar o resultado de um estudo realizado pelo historiador Celso Franco, publicado em janeiro de 2018. Este organizou um levantamento sobre os maiores artilheiros do Guarani Futebol Clube de todos os tempos e, nesta pesquisa, nosso querido entrevistado é o décimo maior goleador do clube bugrino, com 84 gols marcados. Fifi não sabia dessa informação e com um sorriso no rosto, novamente diz: “Eu queria era jogar bola”, afirma o ex-jogador, cujo primeiro gol ocorrera pelo time do Guarani em 09 de maio de 1954 contra o Corinthians de Santo André, onde jogou até o ano de 1960, quando se desligou do clube campineiro.
Durante o resgate dessas lembranças, ele me contou detalhes sobre a carreira de jogador que chamou muito a atenção: antigamente, os atletas iam aos estádios a pé, “junto com as torcidas, sem violência e nem desrespeito, era uma alegria só!”, finaliza a frase, abrindo o costumeiro sorriso no rosto.
Francisco Santana no final de 1960 em mais um jogo pelo Bugre
Voltando a calorosa conversa, ainda relatou sobre os tempos do time de XV de Piracicaba e também do grande mestre Telê Santana, com quem teve contato nos tempos do Fluminense e ainda da amizade com Manoel Francisco dos Santos, conhecido popularmente como Garrincha. Fifi destaca a seriedade do então jogador Telê, durante os treinos e jogos, demonstrando seu perfil tático e temperamento diferenciado. Estas características foram levadas para a beira do campo, quando este se tornou treinador, após se aposentar como atacante.
Francisco Santana disse que na partida entre Piracicaba e Associação Atlética Votuporanguense recebeu o contive para ser atleta do time das brisas suaves. Ele conta que fez vários amigos por aqui, jogando por muitos anos pela AAV. Dessas amizades (que são muitas) iremos mencionar alguns jogadores como o Raimundinho e Moacir. Além do vasto círculo de conhecidos que fez na cidade, ele destaca uma menção especial: o Frei Arnaldo Maria de Itaporanga, pessoa lembrada com muito carinho durante nossa conversa. Sobre o religioso, Fifi diz: “O ‘Frei Jogador’ era sensacional, morei um tempo também na casa paroquial. Naquela época não existia concentração, alguns jogadores moravam no estádio, perto dele e outros ficavam com suas famílias. Nas vésperas dos jogos ficávamos em casa mesmo, não tinha a necessidade de reuniões e análises antes dos jogos”.
Fifi morou por vários anos no antigo estádio Plínio Marin, até o mesmo ser vendido em 2010 (nesse momento me pego pensando o quanto foi difícil essa mudança de ares para ele, sobre o novo estádio…). Por causa da distância, Fifi esteve somente uma vez na inauguração do estádio novo, pois agora não consegue mais acompanhar os jogos como antigamente, quando morava nos alojamentos. Hoje ele reside próximo ao centro da cidade, em uma casa escolhida pela melhor acessibilidade de ir aos locais que costuma frequentar regularmente.
Por fim, conta também que tem uma irmã em Campinas, mas que graças ao grande amor que sente por Votuporanga, prefere permanecer aqui enquanto viver.