Em Março de 2007, um jovem rapaz britânico se tornou o primeiro piloto negro a sentar num carro de Fórmula 1. Naquele ano, estreava pela McLaren, ao lado do atual bicampeão mundial Fernando Alonso, Lewis Hamilton, que, hoje, 12 anos depois e com lenha pra queimar ainda, caminha a passos largos pra se tornar o maior piloto da história.
Com a oitava vitória da Mercedes na oitava corrida do ano e com essa equipe dominando amplamente o mundial desde 2014, ano do começo da era híbrida, a disparidade do conjunto Mercedes-Hamilton vem se mostrando dominante de uma forma que nenhum outro piloto consiga acompanhar. Ainda que os conjuntos Red Bull-Vettel, Ferrari-Schumacher e Senna-McLaren tenham sido absurdamente fortes, o duo britânico-tedesco estabelece números que jamais foram vistos na história.
Proporcionalmente falando, o MP4/4 de Senna e Prost na temporada de 88 estabeleceu um absurdo recorde de 15 vitórias em 16 corridas, perdendo apenas em Monza daquele ano por capricho do destino em explodir o motor Honda de Prost e Senna colidir ao tentar ultrapassar um retardatário. Isso abriu pras Ferraris fazerem uma dobradinha em território italiano praticamente um mês depois da morte do fundador Enzo Ferrari. Além disso, o período de domínio de Schumacher com o cavalinho rampante garantiu o recorde do alemão em ter subido ao pódio em todas as corridas de 2002. Vettel, com a Red Bull, se tornaria o piloto mais jovem da história ser campeão e entraria pro clube de tetracampeões que só tinha Fangio, Schumacher e Prost até então. Porém, em todos esses períodos, você tinha pilotos e equipes que conseguiam fazer alguma frente aos dominantes.
O reinado dos anos 80 da McLaren tinha incômodos constantes nas Ferraris e Williams, enquanto que a Ferrari de Schumacher encontrou resistência nas McLarens e Williams e, mais tarde, nas Renault. A Red Bull teve alguns campeonatos complicados com ambos os pilotos disputando até o final, enquanto recebia ataques das Ferraris, McLarens e até a Lotus de Raikkonen correndo por fora. Porém, no caso dos prateados, apenas se sumíssemos com Hamilton teríamos uma chance de ter um campeonato disputado (e olhe lá): é a melhor forma de um piloto junto com a melhor forma de uma equipe. Claro que o regulamento da F1 desde 2014 deu vazão pra esse domínio (que, se acabar, será em 2021), mas, se não fosse a direção espetacular de Lewis, os números provavelmente não seriam tão elevados.
Em 2007 vimos um menino vindo do nada fazer frente ao atual bicampeão, inclusive provocando a saída de Alonso da equipe. Ainda que tenha perdido o título daquele ano pra Raikkonen, em 2008 se sagraria campeão por um ponto em cima de Felipe Massa na decisão mais emocionante da história do automobilismo. De 2009 até 2013, seja na McLaren ou na Mercedes, vimos um Lewis que extraía leite de pedra com carros não tão dominantes, ao ponto de se manter na luta pelo título até a última corrida com facilmente o que seria o terceiro melhor carro do grid em 2011, e ganhando corrida com a Mercedes em 2013 enquanto ela se estruturava pro domínio vindouro.
Lewis nunca escondeu sua admiração por Senna. No começo de sua carreira, a cor predominante em seu capacete era o amarelo justamente por conta do brasileiro e, sendo um talento acima do normal como Ayrton foi, Hamilton tem em seu estilo de pilotagem muito do que foi o estilo do tricampeão: arrojado, às vezes afobado, um maestro na chuva e um piloto extremamente rápido em voltas de classificação. Não à toa apenas Schumacher está à sua frente, tanto em títulos quanto em números de vitórias: para o britânico são cinco títulos e 79 vitórias, enquanto que o alemão são sete títulos e 91 vitórias. Em termos de pole positions, Schumacher fez 68, Senna fez 65, enquanto Hamilton já conta com o impressionante número de 79.
Ainda que relativizem os números de Schumacher, muito por conta dele ter dividido por anos a garagem com Barrichello e pela suposta falta de adversários, os de Hamilton são incontestáveis: derrotou Alonso quando dividiu a equipe na McLaren, venceu Rosberg na Mercedes (que vinha derrotando o próprio Schumacher em fim de carreira) e, quando companheiro de Button na McLaren, era constantemente o mais rápido dos dois. Nesses anos de Mercedes, a maior ameaça foi Vettel na Ferrari, mas, à parte da bagunça que a Ferrari virou depois de 2008, o tetracampeão alemão, quando tinha carro semelhante, não conseguiu bater a serenidade de Lewis e muito menos a velocidade decorrente disso.
Então, se tirarmos Schumacher da jogada e colocarmos apenas numa comparação direta entre Hamilton e Senna, é evidente que temos alguém que superou o ídolo brasileiro, ainda que doa em muitos compatriotas essa constatação (inclusive em mim, um irremediável fã de Ayrton). Claro que Lewis não tem aquela aura mítica que o tricampeão construiu ao longo de sua carreira, mas, em termos puros do esporte, a carreira de ambos foi constituída de adversários semelhantes, passaram por períodos de domínios parecidos e também tiveram momentos ruins similares. Até associação com uma marca específica é semelhante: Hamilton só correu com motores Mercedes, enquanto que a parte vitoriosa da carreira de Ayrton foi em sua maioria com motores Honda.
A F1 está chata nesse ano, é verdade, o único piloto que tem carro pra fazer frente ao britânico não tem condições de se manter no mesmo nível constantemente. O finlandês Bottas é um bom piloto, mas não pressiona Hamilton do mesmo jeito que Nico Rosberg pressionava, ao ponto de, sim, termos disputas de título, ainda que resumida apenas às duas Mercedes. Vettel e Ferrari não dão sinais de reação, pelo contrário e a Red Bull ainda está se encontrando com os motores Honda, ainda que tenha um talentosíssimo Verstappen em sua garagem.
A verdade é que Lewis reúne tanto os números escabrosos do período de domínio ferrarista com Schumacher quanto à exuberância da pilotagem de Senna e, com uma irremediável Mercedes prata nas mãos, isso, já o faz um dos maiores e, caso ainda não seja, provavelmente será o maior de todos os tempos, por mais que isso fira o orgulho brasileiro.