Todo excesso pode revelar uma angústia

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O dr. Naime, psiquiatra há 35 anos, afirma que as mulheres têm mais propensão para vícios em compras e compulsão alimentar, já os homens têm maior disposição para drogas ilícitas, cigarros, álcool e pornografia. (foto arquivo pessoal)

Para o psiquiatra dr. José Rubens Naime, o vício se inscreve na categoria da angústia e da falta de algo, que nunca é preenchida e que repete infinitamente. Na busca da dissolução dessa questão, se fixar no uso deliberado de alguma substância é a saída resultante do descontrole psicossocial e financeiro do viciado

@leidiane_vicente (Diário de Votuporanga)

O que leva, por vezes, uma pessoa a determinado vício é o alívio imediato de uma ou várias angústias. Mais tarde, o vício descomedido se torna o causador maior de sofrimentos – físicos e psicológicos –, perdas e desestabilizador de uma vida minimamente social.

Conforme o psiquiatra dr. José Rubens Naime, que já atua na área há 35 anos, “o vício é um comportamento impulsivo e compulsivo, incoercível, na busca por algum tipo de prazer ou resolução da angústia vivencial”.

Em um mundo com tantas ofertas de bebidas alcóolicas atraentes, drogas ilícitas que prometem felicidades e prazeres imaginários, cigarros de sabores diversos, cigarros eletrônicos estilizados, alimentos para a alegria e saciedade imediatas, energéticos para revitalizar, pornografia muito além do deleite do sexo, redes sociais com múltiplas telas e jogos de azar via smartphone que garantem dinheiro fácil; como viver sem nenhum vício?

“Não é possível, porque ninguém é perfeito. No mínimo a pessoa é workaholic, ou seja, viciada no trabalho. A angústia existencial existe em todas as pessoas e cada uma vai lidar de um jeito. Seja fanatizando politicamente, seja fanatizando religiosamente, seja através do alimento”, explica o dr. Naime a respeito de alguém se declarar livre de vícios.

Atualmente, no Brasil, o vício mais alarmante é a epidemia do crack. Uma multidão de pessoas coexistindo nas ruas em meio a miséria, em múltiplos aspectos, de mais um dinheiro trocado para conseguir a tão desejada droga.

Mesmo que a dependência não seja algo com propensão destrutiva rápida, como a do crack, cada vício pode levar a um tipo de “fundo do poço” se não for tratado devidamente antes que problemas maiores possam agravar a situação.

Alguns por dívidas exorbitantes com traficantes, perca da dignidade social por estar sempre alcoolizado, perca parcial ou completa pelo interesse na relação sexual tangível e, ainda outros, vão delapidando o patrimônio financeiro e amoroso, com parceiro e filhos, até se verem completamente sozinhos em meio ao caos.

De acordo com o psiquiatra, por ser uma doença crônica, não se fala em cura. “Tem controle, desde que a pessoa se torne abstinente e procure ajuda médica e psicológica para se buscar as causas da angústia que leva ao vício”, revela dr. Naime.

O diagnóstico de um determinado vício só advém quando o próprio dependente, família ou amigos vão em busca de um profissional, mas isso, na maioria das vezes, acontece quando a situação é das piores.

“Sendo algo que causa muita vergonha, julgamentos, críticas, prejuízos econômicos e relacionais, o diagnóstico é feito quando a família procura ajuda, ou quando a pessoa é descoberta, ou quando o próprio indivíduo não suporta mais a pressão compulsiva e começa a ter sintomas, por exemplo dívidas graves, insônia, irritabilidade, crises agressivas, ansiedade, angústia de morte com ideação suicida e tentativa de suicídio”, declara o psiquiatra sobre a dificuldade que o viciado tem em procurar ajuda.

Só então é possível conhecer a dimensão do problema e iniciar o tratamento adequado para aquela situação, com medicamentos que inibirão o desejo pela dependência e a terapia individual ou em grupo. Portanto, é de suma importância que o viciado fale sobre como se sente em relação ao vício e o sofrimento da abstinência, de modo que ele consiga se desenvolver socialmente e viver um dia de cada vez.

No entanto, existem casos em que o próprio dependente não acredita em seu problema e não aceita buscar nenhum tipo de ajuda. A questão começa a ficar insustentável para todos que o cercam. Nesse momento, é preciso que alguém da família intervenha no caso.

“A internação compulsória é necessária quando o viciado começa a dar sinais de que perdeu o controle sobre o vício, quando não consegue mais trabalhar, quando não consegue honrar suas dívidas, quando começa a gastar todo o dinheiro da família e começa a roubar”, descreve o psiquiatra sobre o momento de solicitar intervenção.

Apesar das muitas dificuldades que uma pessoa viciada pode enfrentar para reorganizar sua vida, tanto social quanto financeira, o tratamento é a única saída de emergência.

“Primeiro, a pessoa precisa estar consciente do seu vício, segundo aceitar a ajuda de profissionais éticos, terceiro o suporte da família, quarto o reconhecimento da sociedade em seu empenho e quinto que a conscientização sobre os prejuízos dos vícios seja feita pela família ou responsáveis”, narra o dr. Naime sobre alguns passos para se ter um tratamento de sucesso.