Pulsações do SUS 

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Ainda bebê, João Gabriel Fernandes dos Santos foi diagnosticado com seis cardiopatias congênitas raras - Foto: arquivo pessoal 

No aniversário de 35 anos do Sistema Único de Saúde, a trajetória de um menino de Votuporanga simboliza o que há de mais profundo na política pública que garante vida, acolhimento e esperança a milhões de brasileiros.


@caroline_leidiane

O Sistema Único de Saúde completa 35 anos em 2025. Três décadas e meia de um projeto coletivo que, mesmo entre desafios, se afirma como uma das maiores conquistas sociais do Brasil. Universal, gratuito e acessível, o SUS é mais do que um sistema de atendimento: é uma estrutura complexa imensa que sustenta a vida cotidiana de milhões. Do nascimento ao envelhecer, da emergência ao cuidado diário com a saúde.

Conforme dados disponibilizados pelo portal do Governo Federal, antes da criação do SUS, o acesso à saúde pública era restrito aos trabalhadores formais vinculados com a Previdência Social, cerca de 30 milhões de brasileiros. A maioria da população dependia de instituições filantrópicas, ações de caridade ou do pagamento direto pelos serviços. 

Com o SUS, o direito à saúde tornou-se universal: hoje, todos os brasileiros têm acesso ao atendimento, e 76% da população dependem diretamente do sistema. Anualmente, o SUS realiza cerca de 2,8 bilhões de atendimentos e conta com uma rede de aproximadamente 3,5 milhões de profissionais em todo o país.

Força de mãe, amparo do SUS

E é na história de um menino de cinco anos, João Gabriel Fernandes dos Santos, que o SUS encontra um retrato de sua essência: salvar vidas com dignidade, ciência cuidado e sensibilidade. 

João nasceu em Votuporanga, fruto de um parto rápido. 

“Cheguei no hospital, já fui pro centro cirúrgico e ele nasceu”, conta a mãe, Tainá, de 27 anos.  

Nos primeiros dias, nada indicava o que viria a seguir. Mas logo os médicos perceberam que algo não ia bem: o bebê estava cianótico, “bem roxo, né? Bem desconfortável pra respirar”. 

João enfrentou quatro cirurgias cardíacas de alta complexidade, a primeira durou 12 horas – Foto: arquivo pessoal

Em busca de respostas, Tainá viu o recém-nascido ser transferido para o HCM (Hospital da Criança e Maternidade) de São José do Rio Preto, onde uma equipe de especialistas, em parceria com médicos dos Estados Unidos, chegou ao diagnóstico. João tinha seis cardiopatias congênitas raras. Entre elas, hipoplasia do ventrículo direito, atresia pulmonar e dupla via de entrada de ventrículo esquerdo.

A partir daí, a luta pela vida começou. O bebê enfrentou quatro cirurgias cardíacas de alta complexidade. A primeira, chamada “Bentall modificada”, durou doze horas. 

“Corria risco de vida, né? Como qualquer cirurgia cardíaca que é extracorpórea… foi uma cirurgia de grande tempo”, relembra Tainá.

O procedimento envolveu a colocação de um tubo plástico, que poderia entupir a qualquer momento. A segunda cirurgia, a “Glenn bidirecional”, trouxe novos riscos, entre eles, AVC e paralisia do diafragma. João teve ambos. 

“Ele ficou dois meses internado. Teve covid, teve a paralisia e fez junto a plicatura do diafragma”, conta a mãe, com a calma de quem reviveu o medo muitas vezes. 

Cada intercorrência exigia resposta imediata e o SUS estava presente em todas. O transporte de UTI móvel, os leitos de UTI pediátrica, as equipes de fisioterapia e o suporte humanizado. 

“Sempre foi tudo pelo SUS. Sempre muito bem tratado. Sempre bem recebido”, afirma a mãe. 

Durante a pandemia de Covid-19, o cuidado se intensificou. O isolamento era rigoroso. 

“Eles nunca misturavam a gente com outras pessoas. Podia ser com qualquer coisa, até uma virose. Sempre muito cuidadosos”, lembra. 

A última cirurgia, chamada “Fontan”, foi a mais decisiva. Um procedimento de longa duração, mas que marcou o início de uma nova fase.  

“Foi a mais leve. Antes ele saturava sessenta e cinco, setenta. Hoje ele satura noventa e cinco. É outra vida”, reconhece Tainá. 

O pós-operatório trouxe um AVC isquêmico, mas a recuperação foi rápida. João, que antes mal podia sair de casa, hoje vai à escola, brinca e leva uma vida próxima ao normal.

Toda a jornada com cirurgias, medicamentos, fisioterapias, internações e até moradia temporária em casa de apoio foi custeada integralmente pelo Sistema Único de Saúde.

“Eu nunca precisei fazer escarcéu, nunca precisei brigar. Eles sempre entenderam os riscos e sempre me atenderam bem. Enquanto eu via crianças esperando o convênio liberar um exame, o meu filho pelo SUS conseguia tudo de forma rápida”, conta. 

Hoje, com cinco anos, João vai à escola, brinca e leva uma vida próxima ao normal. É uma criança alegre, interativa e esperta – Foto: arquivo pessoal

A fala de Tainá ecoa o sentimento de milhões de brasileiros que encontram no SUS não apenas um sistema de saúde, mas uma rede de solidariedade e pertencimento. 

“O SUS abriu muitas portas. Pra mim, foi essencial. Eu também tenho uma filha que nasceu prematura extrema, de 24 semanas, e sempre fomos muito bem recebidos. Eu não tenho nada a falar do SUS, nada”, expõe ela. 

Hoje, João segue em acompanhamento regular, faz ecocardiogramas e exames de coagulação periódicos, mas com uma vitalidade que emociona.  

“As pessoas sempre falam que sou forte, que não aguentariam passar o que eu passei. Mas ele foi minha força. Hoje, com ele bem, eu me sinto cheia de gratidão. João me ensinou a ser mãe de verdade. Ele me ensinou que o amor de uma mãe pelo filho dói, mas também cura”, declara emocionada. 

A história de João é uma entre tantas que atravessam as estatísticas e dão rosto à grandeza de um projeto coletivo. Há 35 anos, o SUS nasceu como promessa de igualdade e segue cumprindo, todos os dias, o seu papel mais nobre: garantir que viver não seja privilégio, mas direito. 

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