A dinâmica não é nova: lembra o tempo em que o Brasil era uma colônia portuguesa. A diferença é que, após a abolição, quem cozinhava, limpava e cuidava da casa de alguém passou da condição de escravizado a de empregado. Uma rede complexa de relações sociais mantém essa realidade quase inalterada no país o que é lamentável.
Avanços e retrocessos no trabalho doméstico espelham o quanto o país progride ou regride. A sociedade brasileira é muito dependente das domésticas. Tem gente que nunca lavou um banheiro na vida. É costume, virou praticamente um artigo de luxo barato. Ter uma doméstica em casa é algo que muitos ostentam, e muitas vezes não se paga o valor correto de um trabalho que possui uma responsabilidade enorme além do desgaste físico. Muitos têm orgulho de falar que têm empregada!
Milhões de faxineiras, babás, cozinheiras e passadeiras, que garantem o bem-estar das “casas de família”, são tratadas como “quase” da família…mulheres são ainda hoje associadas ao trabalho de cuidado, seja da casa ou de pessoas, como se fosse uma habilidade natural.
Domésticas cozinham, limpam e cuidam das crianças dos patrões (e às vezes, de seus idosos) em troca muitas vezes de um salário abaixo do piso previsto em lei para essa classe ou de apenas moradia e alimentação, o que é muito pouco para exercer uma jornada de trabalho além de exaustiva de imensa responsabilidade e confiança.
Vale ressaltar que em época de pandemia do novo coronavírus, muitas trabalhadoras estão sendo dispensadas sem receber sequer seus salários.
O Diário de Votuporanga conversou com Maria de Fátima Batista Sivieri e Juliana Cristina de Carvalho Ferreira que puderam falar um pouco mais sobre o trabalho das domésticas:
DV: Como vocês enxergam nos dias atuais e com tantas evoluções no mundo o trabalho das domésticas?
Fátima: “Na minha opinião a empregada doméstica nem sempre tem o valor que deveria ter, graças a Deus não é o meu caso. Trabalho em uma residência já faze 11 anos e sou muito grata pelo emprego que tenho e por ter patroas que são seres humanos maravilhosos. Mas por outro lado existem pessoas que exercem a mesma profissão, é comum por diversas vezes escutar reclamações devido à várias situações, por exemplo: falta de compreensão das patroas com funcionárias quem têm uma criança pequena. Muitas de nós não tem planos de saúde, só temos o \SUS e lá nem sempre tem o horário que precisamos levar nossos filhos para atendimentos. Da mesma forma que existem inúmeras complicações para o patrão, em nossas vidas também existem. Tudo deveria ser conversado e compreendido, afinal a vida não é fácil para ambas as partes. Deixamos diariamente a nossa residência para cuidar de uma outra família, um trabalho feitocom amor, carinho e muita dedicação além de muitas responsabilidades.”
2 – Vocês acham que existem diferenças entre outros serviços e o trabalho de domésticas?
Fátima: “Particularmente eu não acho que existam diferenças entre profissões, porque todo trabalho é digno e em todos temos que ter comprometimento e muita competência.”
Juliana: ” Não me sinto diferente de ninguém por ser doméstica, me enxergo com olhar de igualdade em relação à qualquer outra profissão, somos todos pessoas iguais, afinal todo serviço é exaustivo e digno. ”
3 – A jornada de trabalho no caso de vocês de 9 a 10hrs de trabalho é justa? Sob o olhar de vocês o que seria o correto nesse caso?
Fátima: “Acho justo porque não é uma jornada de trabalho abusiva, está dentro da lei. Precisamos trabalhar 44 horas semanais, então acho correto até porque muitas de nós não trabalham aos sábados, então quanto a jornada de trabalho acho que nenhuma doméstica que trabalha dentro da lei pode reclamar.”Juliana: “No meu caso acho justo porque eu não trabalho aos sábados e domingos, então os horários de jornada trabalhadas são justos e dentro da lei.”
4 – Muitas famílias consideram uma doméstica como ” membro da família”, vocês acreditam que exista alguma vantagem nesse tipo de relação?
Fátima: “No meu caso não tenho nada a reclamar. Trabalho em uma casa de família e sou muito considerada, todos têm imenso carinho por mim e o meu sentimento por toda à família é recíproco. Mas existem casos em que a funcionária recebe pequenos agrados dos patrões e com isso muitos se aproveitam da situação. Acredito que ninguém trabalhe por hobbie e sim por necessidade financeira, então nesses casos acho incorreto trocar “pequenos agrados” pelo pagamento de um salário justo.”
Juliana: ” Eu não acho correto trocar trabalho por “presentes ou agrados”, primeiramente porque existe como em qualquer outro serviço ética profissional. Quando uma doméstica se sujeita a trocar salário justo por “presentes” acaba desvalorizando e desmerecendo o trabalho de toda classe. Tenham responsabilidade com seus trabalhos para poderem receber seus salários de forma correta de acordo com as leis trabalhistas.”5 – Em relação ao seguro desemprego hoje das domésticas comparado à outros trabalhos, vocês acham justo?
Fátima: “Na minha opinião acho muito injusto com as domésticas ter somente 3 parcelas do seguro desemprego, sem falar que não pagam nem o piso salarial da classe, apenas um salário mínimo quando o correto seria ter direitos iguais à qualquer trabalhador.”
“Queria acrescentar que seria justo às domésticas terem os mesmos direitos de uma pessoa que trabalha, por exemplo, em uma indústria, o desgaste é o mesmo, só muda o endereço. Acho que o trabalho doméstico precisa ser valorizado porque qualquer trabalho é digno, independente de ser uma empregada doméstica ou trabalhar em qualquer outro tipo de serviço. Diante de qualquer coisa, eu só tenho à agradecer pelo meu trabalho. Tenho muito amor pelo serviço que realizo e me orgulho da minha profissão. Admiro, gosto e considero minhas patroas, espero que muitas de nós (domésticas) possam dizer o mesmo que eu. Deixo aqui o meu pedido: você que tem uma secretária do lar saiba valorizar sua funcionária, porque nós domésticas merecemos. Desejo para todas as domésticas do mundo tudo de melhor e vamos continuar na luta. Parabéns para nós domésticas!”Juliana: “Acho injusto nós domésticas não recebermos como outros trabalhadores por 5 meses o seguro desemprego. Qual seria à diferença de trabalho de uma doméstica em relação à um trabalhador de indústria, comércio, supermercados, etc? Por que então nos dias atuais com tantas conquistas e evoluções não recebermos um seguro desemprego por 5 meses e com o piso salarial da classe doméstica?
(Andrea Anciaes)