Seleção brasileira planeja ter mais privacidade no Catar do que teve na Rússia.
Tite está sereno. Seis anos depois de ter assumido o comando da seleção brasileira – e alguns meses antes de deixar o cargo, decisão que afirma ser irrevogável – o treinador encara sua segunda Copa do Mundo com mais maturidade e tranquilidade do que a primeira, em 2018.
No dia seguinte ao sorteio dos grupos do Mundial do Catar, que colocou Suíça, Sérvia e Camarões no no grupo do Brasil, Tite recebeu o ge no hotel em que hospedou em Doha para a seguinte entrevista:
Faz doze horas que o Brasil conheceu seus rivais na primeira fase da Copa. Conseguiu dormir?
Dormi. Eu não consegui curtir ainda a vitória contra a Bolívia [quatro dias atrás]. Nós saímos de lá na expectativa de vir ao sorteio. Aí eu falo comigo mesmo: Calma, Adenor. Agora tu vais preparar a equipe, ver qual é a prioridade, ver os amistosos, ver os treinamentos e buscar a melhor preparação. Por que? Porque na Copa do Mundo não tem nenhuma facilidade.
O que mudou do Tite de dezembro de 2017, do sorteio da Copa da Rússia, para o de abril de 2022.
Estou um pouco mais sereno. Por não ter mais aquela sensação “como vai ser a Copa?”. Hoje eu tenho a experiência. Eu queria fazer um ciclo [de quatro anos] completo. Mas tenho que ser coerente, o fato de ter feito o outro ciclo pela metade e de ter feito a Copa do Mundo me dá a experiência de saber como é a pressão, a expectativa exagerada e poder passar para os atletas.
A seleção agora é mais jovem.
Sim, tem uma geração nova chegando, com muita qualidade, que [me] dão muita opção, que competem [entre eles] e elevam a performance da seleção. Então você tem Vini Jr, Raphinha, Antony, Martinelli, Bruno Guimarães, Militão, Paquetá, Arana, Matheus Cunha, uma geração nova que está se consolidando.
Como Matheus Cunha, em pouco tempo com vocês, deixou uma impressão tão boa?
Essa tua pergunta me dá o gancho para dizer: muito pouco tempo conosco, mas muito tempo com [Guilherme] Dalla Dea [ex-técnico da seleção sub-17], com [André] Jardine [técnico da seleção olímpica, sub-23]. Técnicos que trabalham no mesmo departamento com quem estamos o tempo todo conversando. Eles sabem qual jogador tem tal perfil, quem está mais maduro, quem faz isso ou aquilo. Esse intercâmbio que nós temos foi extremamente importante para que o atleta saia da seleção olímpica e venha com naturalidade jogar conosco. Essa sintonia é fundamental.
Se a estreia na Copa fosse hoje ou amanhã, o time titular estaria escalado na tua cabeça?
Não.
E o grupo de 26 convocados?
Não.
Por que não?
Porque eu não quero fechar a casinha. Às vezes me vejo nessa armadilha: jogou bem assim, jogou bem com dois atacantes de lado, agora jogou bem com dois flutuadores por dentro, agora jogou bem sem um 9 fixo, agora jogou bem com Neymar por dentro e Paquetá pela esquerda. Aí eu digo assim: Adenor, não estabelece, não fixa situações, tenha versatilidade. Deixa o time falar, o campo falar. Tenho que dar as variações, mas deixar a equipe se mostrar também.
O que gostaria de ter feito nesse ciclo que não conseguiu?
Jogar mais contra europeus.
O presidente da Uefa afirmou que os técnicos das grandes seleções europeias também reclamam de não jogar contra sul-americanos. Isso não pode ser um problema para o outro lado também?
Não gosto de usar o clichê, a frase feita, mas… pau que bate em Chico bate em Francisco. É mão dupla. Todo mundo pensa “Ah, o Brasil, a Argentina”. Eles vão ver o Equador. Eu falei com o [Gustavo] Alfaro [técnico do Equador] sobre a qualidade que ele tem. Deixaram a Colômbia de fora, o Chile, o Paraguai. Eles se mantêm como terceira força da América do Sul. Ele falou: “Tenho uma geração de qualidade técnica e física muito boa. Talvez falte experiência, mas os empates contra Brasil e Argentina ajudaram”. Então que as pessoas se surpreendam, que essa via de mão dupla se confirme.
O que acha de jogar uma Copa sem ter que viajar dentro do país?
É bom. Enche o saco estar fazendo mala a toda hora, vem para cá, vai para lá, perde tempo, perde energia. Quando a logística está ajustada, se fica mais perto da excelência.
Em 2018 a seleção manteve os familiares dos jogadores próximos da concentração. Como vai ser aqui no Catar?
Esse é um planejamento que estou fazendo com o Juninho, que pode ajudar a responder.
Juninho: A gente está planejando isso. Pelo que a gente viu, até pela experiência de outras Copas, o jogador tem que estar focado no trabalho.
Mais isolado?
Juninho: Não diria isolado. Mas é ter o espaço no momento certo. Para que isso não atrapalhe em nenhum momento a preparação.
Quantas vezes já reviu o jogo contra a Bélgica?
Cinco, seis, sete vezes… Isso é o esporte, um jogo de altíssimo nível. Se nós tivéssemos vencido, teria sido perfeitamente normal. O Diego Costa disse que foi o melhor jogo da Copa do Mundo. Enfim, é difícil entender por que perdemos. Mas eu também fui campeão mundial com grande atuação do goleiro, o Cássio, tal qual o Courtois.
Estar no cargo há tanto tempo também não gera mais pressão, mais impaciência. Se sente obrigado a ganhar a Copa?
Eu sei que isso existe, mas é do cargo e não da pessoa. Poderia estar aqui o Zezinho ou o Grande Mestre Zagallo, o maior de todos, a grande história da nossa classe. Eu, como torcedor, sabe o que eu queria? Queria que o técnico da seleção escalasse o meu a minha seleção, e que a minha seleção arrebentasse. Então eu tenho que compreender esse aspecto. E saber que, numa Copa do Mundo, ou num clube, o ideal é o trabalho com início, meio e fim, para termos base de comparação e cobrança.
A decisão de deixar a seleção após a Copa é irreversível?
Irreversível, fruto de maturidade, de entender que existem ciclos profissionais e que isso não vai acabar com a pressão. Porque eu vou para outro local de trabalho e a pressão vai ser igual. Imagina a energia que gastaria querendo continuar depois da Copa. “Eu preciso ficar, eu quero que me convidem para ficar…”Isso iria me tirar energia de fazer o melhor agora. Então eu tenho noção exata da finitude. É uma característica da maturidade que talvez eu tenha conseguido.
Em algum momento, durante esses seis anos, pensou em desistir, em deixar a seleção?
Logo depois da Copa do Mundo [de 2018]. Eu pensei uma, duas, três, quatro, cinco…
E por que não desistiu?
Para ter a chance de fazer o ciclo completo. E, fundamental, pelo apoio da família, que sabe que vamos estar extremamente expostos, às vezes de forma maldosa, a pessoas que não compreendem a nossa atividade profissional, que passam dos limites. Mas, como eu tenho essa fortaleza da família, o respaldo de uma comissão técnica do car****, e a chance de fazer o ciclo inteiro, eu quis continuar.
*Informações/ge