Eu e o Rádio

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Antoninho Rapassi


Eu e o Rádio somos uma coisa séria! Não consigo viver sem ele. O Rádio com suas músicas apropriadas nos mais diversos horários dos dias, seus noticiários, as vozes bonitas dos locutores, as propagandas faladas e os jingles inteligentes, tudo isso e muito mais, funcionam para o meu espírito como o oxigênio para os pulmões.
Ouço o Rádio desde a tenra idade dele e da minha própria. Já aos dez anos de idade, em 1951, meu pai encomendou ao Zacarias, um técnico votuporanguense que mantinha uma oficina barulhenta para montagens dos aparelhos de rádio, na Praça da Matriz, e assim o sintonizador que trazia o nome “Zenith” gravado na caixa e alimentado por uma enorme pilha chegou à nossa casa.
Aos domingos a Rádio Nacional do Rio de Janeiro apresentava um programa vesperal de auditório com César de Alencar e nos divertíamos quando as ondas curtas e médias da poderosa emissora estatal traziam da Cidade Maravilhosa a divertida Hora do Pato, com os calouros sendo invariavelmente colocados numa saia justa pelo apresentador que acionava o som onomatopaico da graciosa ave doméstica, que emprestava seu nome para interromper a apresentação mambembe do desditoso candidato. Quantos programas memoráveis alegraram a vida da nossa gente. O humor no Rádio foi inaugurado pela dupla caipira Jararaca e Ratinho, sucedidos pelo Silvino Neto em parceria com Paulo Gracindo quando interpretaram o risível quadro dos primos pobre e rico no “Balança, mas Não Cai” das noites de Sexta-Feira, precedendo à rádio novela “O Crime Não Compensa”, recordista de audiência igualmente à apaixonante novela “O Direito de Nascer” que “santificou” o Dr. Albertinho Limonta, o sofrido personagem central da lamuriosa trama mexicana.
Voltando a falar de humor, eu não poderia deixar de mencionar os fabulosos e insuperáveis comediantes Lauro Borges e Castro Barbosa, que atingiram o ápice do humorismo no Brasil, através do programa PRK – 30 (como se esta fosse uma estação de rádio) quando os 2 gozadores versáteis conseguiram sustentar durante duas décadas um humor limpo com perfeita imitação de vozes de inúmeros personagens, tão ao agrado do nosso padrão de divertimento que clamava por risos e gargalhadas, no que éramos perfeitamente atendidos por eles e continuado com o do universo cômico dos inesquecíveis personagens de Chico Anísio, Jô Soares, Ronald Golias e do anedoticamente libertino Costinha, entre tantos outros que enfocaram as diversidades do humor no Rádio, no Teatro e na Televisão brasileiros.
Nos jogos futebolísticos da Copa do Mundo de 1958 na Suécia, a Rádio Bandeirantes, com Edson Leite, Pedro Luiz e Mário Moraes capitanearam a multidão dos apaixonados torcedores brasileiros pela Seleção Canarinho, que sofriam de terríveis angústias pelos desaparecimentos momentâneos dos sons radiofônicos que não traziam as vozes dos que falavam da longínqua Europa. Mas, em contraposição explodiam as alegrias proporcionadas por Pelé & companhia. E que companhia, pois havia prodigiosos jogadores sob o comando do chefe da delegação, Dr. Paulo Machado de Carvalho. Nesta época, para se ouvir uma locução radiofônica era preciso grudar o ouvido no lugar por onde saia o som, a fim de não perder as narrações envolvidas por alto teor de palavras hiperbólicas, coadjuvadas por jogadores que praticavam o futebol-arte com disciplina e talento para mandar a bola estufar impiedosamente as redes adversárias. E assim o Brasil conquistou o seu retumbante primeiro campeonato mundial de futebol, cujas gravações de voz e imagens podem e devem ser ouvidas e vistas pela Internet.
O Rádio bem programado é aquele que leva ao ar, tanto um cast de músicas adequadas pelo seu gênero no horário certo, como também a voz agradável e afinada dos locutores. Por exemplo, no amanhecer de um novo dia é estimulante ouvir o magnífico repertório das músicas caipiras brasileiras, tendo como apresentador um radialista oriundo do sertão, um conhecedor dos inefáveis mistérios envolvendo os amores caboclos, suas desilusões e também seus encantamentos como a vida marcada pela brejeirice rural. Rolando Boldrin é o mais perfeito exemplo desse tipo de locutor.
Renomadas emissoras, muitas que já não mais existem, ainda são sintonizadas com o providencial recurso do youtube. Assisto continuadamente as programações da Scala 99 que foram ao ar a partir dos anos 80 e do ar saíram em meados dos anos 90. Uma delícia escutar as músicas de alto padrão anunciadas por aquelas vozes tudo bem calibrado, de um jeito que cativava o coração. Após o bimbalhar sonoro dos carrilhões do Mosteiro de São Bento, entravam festivamente no ar os chorinhos magistralmente executados por verdadeiros deuses do nosso Olimpo musical, tais como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Altamiro Carrilho, Carlos Poyares, Jacob do Bandolim, Dilermando Reis, Pedrinho Mattar e tantos outros instrumentistas como também os nossos cantores. Nada de xenofobia, muito pelo contrário: as variadas programações ecléticas exaltavam as músicas e os interpretes de todos os continentes. Uma cabal demonstração da refinada cultura que orientava tal emissora.
A vez e a hora do Luiz Gonzaga – o rei do baião mereceu a atenção dos programadores, que não se cansaram de divulgar as satíricas e irônicas letras de suas canções com letras que também pintaram a dura vida do nordestino no agreste e na caatinga. Isto glorificou seus dois magníficos parceiros: os compositores Zé Dantas, médico e poeta e Humberto Teixeira, advogado e emérito compositor. Ninguém foi esquecido. O cantor das multidões Orlando Silva, para os bons entendedores foi relembrado nos seus cabalísticos sete anos de ouro, que compreendeu o período de 1937 a 1943.
“Ao Cair da Tarde” era o programa terapêutico dedicado às músicas instrumentalizadas pelo piano com os seus virtuoses nacionais e estrangeiros, para que pudéssemos terminar bem o nosso dia.
Houve períodos da minha vida em que a Rádio Bandeirantes de São Paulo pontificava: de manhã, de tarde, às noites e madrugadas eu só ouvia esta emissora, atraído pela boa apresentação dos seus fantásticos locutores. Tudo começava com o “Na Beira da Tuia” com a insuperável dupla caipira do Tonico & Tinoco, depois vinha o Vicente Leporace com o “Trabuco” um audacioso programa onde o comentarista espinafrava a classe política, à moda do atual “Os Pingos Nos Is” da Rádio Jovem Pan. O elenco de radialistas da Bandeirantes era composto por feras do microfone. Fiore Gigliotti irradiou melodiosamente por décadas o nosso futebol. Moraes Sarmento era o ponto convergente do Rádio paulista assim que acabava “A Voz do Brasil” e o seu programa saudosista, sob o patrocínio da “Rivo, a gigante de São Paulo” terminava às 24:00 horas fortalecido por uma grande e fiel legião de ouvintes de todos os recantos do Brasil, como eu. A seguir iniciava o interessante “A Bandeirantes a Caminho do Sol”, um mix de comentários bem feitos pelo Antonio Carvalho, seguidos de boa música.
Quando o frio e a umidade envolviam a cidade de São Paulo em uma névoa de paixão, amor e saudades, era a hora certa para ouvirmos as vozes melancólicas dos circunspectos locutores das Rádios Eldorado e da Cultura com suas selecionadíssimas músicas neoclássicas que amainavam o espírito inquieto e estimulavam os sonhos que se acalentavam na tristeza invernal.
Em 1957, logo após o jantar eu me punha a fuçar no “dial”, este dispositivo para girar o capacitor de sintonia do rádio que só oferecia barulho vindo pelas ondas médias e curtas dos quilociclos anteriores aos megahertz. Mas, os esforços eram recompensados quando surgia a voz portenha do locutor da popular LRI – LR UNO – Rádio Belgrano de Buenos Aires: “chiquitita, pero cumplidora”. Era a glória, pois a partir deste momento eu ficava muito tempo ouvindo os cantores argentinos, suas típicas e foi assim que conheci o bandônion, espécie de acordeão quadrado, pelo qual me apaixonei. De tanto ouvir Francisco Canaro y su Típica tocar o tango instrumental “LORENZO” guardei este nome na memória e no coração.
O interessante da história, vejam só, aconteceu em 1997: foi no último domingo do mês de Agosto, com a família reunida para o almoço. Chegou a hora de sugerirmos ao casal Andréa e Gabriel (meu filho), nomes masculinos para a criança que iria nascer à época do signo de Sagitário. Foram várias as sugestões, mas aquela que alcançou a aclamação unânime dos presentes foi o nome que eu propus: Lorenzo! Lorenzo, nome da minha paixão musical. E que se tornou o nome do meu primeiro neto. Poderia acontecer mais alguma coisa que pudesse me sensibilizar? Poderia e aconteceu:
O Lorenzo nasceu em 5 de Dezembro, dia do meu aniversário, acontecimento memorável que foi o maior e melhor presente que recebi em toda a minha vida.