ESTRANHAS COTOVELADAS – Cineasta rio-pretense finaliza filme com jeito caipira do interior paulista

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O cineasta rio-pretense Reinaldo Volpato cuida dos últimos detalhes para o lançamento de seu novo longa-metragem, ‘Estranhas Cotoveladas’, cujo projeto teve início há cerca de dez anos

 

Reinaldo Volpato durante as gravações de ‘Estranhas Cotoveladas’, seu novo longa

Por Harlem Felix

Desde quando se formou em Cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), em 1975, o cineasta rio-pretense Reinaldo Volpato, 68 anos, sempre conduziu sua carreira com os olhos voltados para o interior paulista, retratando o universo do caipira em suas obras. “Mas não é o caipira Jeca Tatu, destacado como indolente por Monteiro Lobato, nem o caipira malandro de [Amácio] Mazzaropi. Falo desse povo da terra que produz o PIB brasileiro com muito conhecimento e tecnologia”, sinaliza ele, que está cuidando dos últimos detalhes para o lançamento de seu novo longa-metragem, “Estranhas Cotoveladas”, cujo projeto foi iniciado em 2010.

Filme que apresenta um triângulo amoroso ambientado no cenário rural, “Estranhas Cotoveladas” deverá ser lançado no início do próximo ano. Assim como produzir, lançar uma produção cinematográfica não é algo simples no Brasil. “Custa dinheiro e boas relações”, sinaliza Volpato, que atualmente está focado em conseguir o registro da sua obra na Ancine (Agência Nacional do Cinema), bem como a sua classificação indicativa, legendas em inglês e em braile e outros detalhes que são importantes para o seu efetivo lançamento.

Segundo o cineasta rio-pretense, convencer distribuidores é algo tão difícil quanto gravar e editar um filme. “O mercado brasileiro não é favorável ao cinema brasileiro. Estamos em contato com uma produtora, mas, para realizarmos o lançamento, precisamos afinar esses últimos detalhes”, comenta. E o diretor também pretende colocar sua produção no circuito de festivais.

Enquanto que em “Abrasasas” (1982), seu primeiro longa, Volpato apresentava a juventude do interior paulista – com 90% de seu elenco formado por pessoas de Rio Preto e região -, em “Estranhas Cotoveladas” essa juventude acaba de deixar a universidade e começa a assumir as rédeas dos negócios da família. “Agora, essa juventude está entrando na fase adulta.”

Escrito pelo próprio cineasta, o roteiro de “Estranhas Cotoveladas” conquistou, há cerca de quatro anos, prêmio do Programa de Fomento do Cinema Paulista, da Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa. “O roteiro foi um dos quatro contemplados, e os recursos permitiram a realização das filmagens”, conta.

Na história de “Estranhas Cotoveladas”, Volpato apresenta um triângulo amoroso clássico, formado pela filha de um usineiro, que acaba de iniciar sua residência médica; seu namorado, que acaba de assumir as empresas da família no ramo do agronegócio; e por um engenheiro agrônomo que investe na agricultura orgânica em uma pequena gleba. Eles moram na pequena comunidade de Torre de Pedra, lugar habitado por personagens como o benzedeiro Seu Zé da Veia, o índio Jerry Adriani e o aeromodelista Tato Cariola.

O cineasta rio-pretense destaca que um dos objetivos da produção é oferecer ao povo do interior paulista um filme dinâmico sobre a sua história, seus valores e sua cultura. Busca também dar relevância para questões como a solidariedade, a fraternidade, o amor e as relações humanas saudáveis, provocando, por meio do cinema, uma possibilidade de entretenimento transformador e inteligente.

Compartilhamentos

Como sempre faz em suas produções para o cinema, Volpato vem compartilhando o projeto de “Estranhas Cotoveladas” em encontros públicos desde a criação do roteiro que dá vida à história. Somente com o roteiro, o cineasta rio-pretense realizou quatro leituras públicas, em Rio Preto, Botucatu, São Carlos e São Paulo.

“As leituras e exibições públicas são boas para divulgar o filme. Também faz parte da contrapartida do projeto de produção, pois, nos encontros abordo a morfologia dos contos populares e as diferenças entre uma produção cinematográfica feita no interior paulista e uma feita pela grande indústria internacional do cinema”, destaca. “Quando tinha a primeira versão do filme, com cerca de três horas de duração, fiz uma exibição para o elenco e pessoas da família. É uma forma de discutir a produção democraticamente com as outras pessoas e, se necessário, fazer alguns ajustes antes do lançamento.”

A última exibição foi feita na semana passada, em Irapuã, na residência de Márcio José Marques, que viveu sua primeira experiência como ator de cinema interpretando o índio Jerry Adriani em “Estranhas Cotoveladas”. “O Márcio não é ator de cinema, mas fez um trabalho muito bom no filme. Tanto que seu personagem acabou ganhando mais destaque ao longo da produção. Ele queria muito poder compartilhar o filme com a sua comunidade, e, por isso, realizamos uma sessão especial em Irapuã”, comenta.

Márcio Marques caracterizado como o índio Jerry Adriani

Boa parte do elenco de “Estranhas Cotoveladas” é formada por gente do interior paulista, e essa é uma das marcas de Reinaldo Volpato como diretor. Em suas produções, ele desenvolve o conceito do “personagem sujeito”, em que a pessoa em cena interpreta praticamente a si mesmo. “Considero uma outra forma de interpretação, que tem mais ligação com o teatro amador, mas o amador do sentido de amar aquilo que faz.”

Entre aqueles que viveram pela primeira vez a experiência de atuar diante das câmeras está Márcio José Marques, de Irapuã, que interpreta o índio Jerry Adriani no filme. “Eu já havia atuado na minha juventude. Fiz muitos comerciais de televisão. Mas cinema foi a primeira vez. Foi uma experiência emocionante e gratificante”, comenta.

Um dos aspectos que colaborou no peso emocional do trabalho é que a família de Marques tem descendência indígena. “O filme também traz consigo uma mensagem sobre as problemáticas que predominam na sociedade atual, principalmente no que se refere ao impacto do processo de industrialização no meio ambiente. A natureza anda sendo muito maltratada.”

Já o triângulo que protagoniza “Estranhas Cotoveladas” conta com gente que já tem experiência no ramo das artes dramáticas, como o ator Domingos Meira, e que está fazendo estreia no cinema, como a atriz Eliandra Caon Marcolino. “É o primeiro filme de sua carreira. Ela tem um perfil muito próximo ao da personagem principal. Ficou excelente.”