Éder Jofre, tricampeão mundial de boxe, morre aos 86 anos em São Paulo 

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Éder Jofre com o cinturão de campeão do peso galo da Associação Mundial de Boxe — Foto: Arquivo Agência Estado

Um dos maiores boxeadores da história, Jofre estava internado desde março por causa de uma pneumonia e morreu na madrugada deste domingo em razão de complicações da doença.


O “Galinho de Ouro” enfim descansou. Um dos maiores boxeadores da história, tricampeão mundial do peso-pena, o brasileiro Éder Jofre morreu neste domingo, dia 2, aos 86 anos, em São Paulo. Ele estava internado desde março por causa de uma pneumonia e morreu em razão de complicações da doença. O paulista sofria de encefalopatia traumática crônica, doença conhecida por “demência pugilística”, diagnosticada em 2015.

Jofre nasceu no dia 26 de março de 1936, na Rua do Seminário, no Centro de São Paulo e, ao deixar o esporte, tinha construído um invejável cartel de 81 lutas, 75 vitórias (52 por nocaute), quatro empates e duas derrotas. A paixão pelo boxe era algo inerente à família, que chegou a ter sete atletas na modalidade.

Desabamento traça um novo destino

Apesar da tradição familiar no boxe, a paixão pelo esporte ficou adormecida em Jofre, que desejava ser desenhista. Até que o teto do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo caiu e destruiu todo o seu material escolar. 

Desiludido e incentivado pelo pai, o argentino naturalizado brasileiro José Aristides Jofre, ou apenas Kid Jofre, o futuro tricampeão mundial de boxe iniciou seus treinamentos. Aos 14 anos, começou a nascer o Galinho de Ouro do Brasil, que ia conquistar os títulos de peso pena pelo Conselho Mundial de Boxe (WBC) e do peso galo também pela WBC e pela Associação Mundial de Boxe (WBA). 

“Comecei a treinar para lutar com 14 anos. E com 16 anos fiz o meu primeiro combate, no Campeonato do Sesi, em 1952”, contou Jofre, em entrevista à TV Globo, em 2011. 

Sob as bênçãos do pai 

Kid Jofre foi tudo na vida do filho. Dono de uma academia de boxe, onde atletas do São Paulo Futebol Clube treinavam, ele não só ensinou como esteve ao lado de Éder até morrer de câncer no pulmão, em março de 1974. 

“Me lembro da última luta em que ele esteve, já muito debilitado pela doença. Mesmo assim, fez questão de ser meu treinador no córner. E a cada intervalo ele subia e descia os degraus do ringue e fica muito cansado. Então, tentei terminar a luta o mais rápido possível só para ele não ficar cansado”, contou Jofre. 

Nariz quebrado e fim do sonho olímpico 

Aos 20 anos, um ano antes de se tornar profissional, Éder Jofre disputou aquela que seria a sua única Olimpíada, em Melbourne 1956. A fama do brasileiro que tinha um futuro promissor no boxe já percorria o mundo e ele chegou na Austrália como favorito. 

Mas, durante um treinamento, seu pai, Kid Jofre, optou por colocá-lo para praticar contra um lutador de uma categoria mais pesada. E durante a movimentação, Éder teve o nariz quebrado, mas mesmo com dificuldades para respirar decidiu continuar nos Jogos. 

Jofre não participou da primeira rodada, entrou nas oitavas-de-final, enfrentou Theinmyint, da Birmânia (atual Myammar) e avançou às quartas-de-final. Mas contra o chileno Claudio Barrientos perdeu por pontos e totalizou sua primeira derrota como amador. 

“Nas Olimpíadas, fui fazer luva com o Celestino, que era peso leve, machuquei o septo nasal e não podia respirar direito, podem até pensar que era desculpa. Mas em 1957, me tornei profissional e depois de quatro ou cinco lutas fui lutar novamente contra o Barrientos. O levei à lona por oito vezes, antes do nocaute final. Queria mostrar que nas Olimpíadas não havia perdido para ele”, afirmou Jofre. 

A chegada ao topo 

No dia 18 de novembro de 1960, Jofre se tornou o primeiro boxeador brasileiro campeão do mundo. Em uma luta no auditório Olímpico, em Los Angeles, ele nocauteou o mexicano Eloy Sanchez no sexto round e conquistou o título do peso galo pela Associação Mundial de Boxe (WBA), aos 24 anos. 

Mas, três meses antes, por pouco o triunfo não foi impedido pelo mexicano Joe Medel, naquela que é considerada a luta mais difícil da carreira de Jofre. O vencedor do combate ia disputar o cinturão, o brasileiro foi muito castigado durante o confronto e só resistiu por causa do pai. 

“Sentia o sangue escorrer do nariz para a minha boca. Ele me bateu demais e falei para o meu pai que não ia aguentar voltar para o décimo round. Mas o meu pai disse que o Medel estava morto e para eu ir com tudo. Fui e o derrubei”, lembrou Jofre. 

A conquista do título coroou a trajetória de Jofre. Antes de chegar ao topo, ele já tinha sido campeão brasileiro, sul-americano e latino-americano do peso galo. 

Jofre continuou sua trajetória vitoriosa e o próximo desafio era o de unificar os títulos do peso galo. No dia 18 de janeiro de 1962, em São Paulo, ao nocautear no décimo round o irlandês Jhon Caldwell, então campeão europeu, ele conseguiu o feito que mais tarde valeria como o título do Conselho Mundial de Boxe (WBC). 

“Ele ( Caldwell) falou demais, desfez de mim e do Brasil. Castiguei ele sem pena, porque a gente lutava para engrandecer o nome do Brasil e ele vinha e falava mal? Bati o suficiente para ele não cair. Só quando quis, o derrubei”, revelou Jofre. 

O campeão brasileiro se manteve no topo do peso galo por cinco anos. Até que o japonês Masahiko “Fighting” Harada impôs as duas únicas derrotas da carreira profissional de Jofre. 

A primeira luta aconteceu em 18 maio de 1965 quando Jofre aceitou ir a Nagoia para defender pela oitava vez o cinturão de campeão do peso galo. Após 15 rounds, em decisão dividida dos juízes, Harada foi declarado vencedor, um resultado que muitos especialistas na modalidade contestam até hoje. 

Com a derrota, Jofre pediu a revanche e foi atendido. Fez no Brasil uma luta preparatória contra Manny Elias, em que empatou, e viajou para Tóquio, onde encarou novamente Harada. 

Em um ginásio lotado por 15 mil pessoas, Jofre e Harada protagonizaram um combate de encher os olhos de qualquer amante do boxe, no dia 31 de maio de 1966. Ao fim de 15 rounds, o japonês voltou a superar o brasileiro por pontos, mas em decisão unânime dos juízes. 

“Não é uma desculpa, mas não fui o Éder Jofre naquelas lutas. Lembro que não me adaptei ao fuso, tive de tirar peso. Mas ele era um bom lutador. Ele foi campeão mundial do peso mosca, campeão japonês”, disse o brasileiro. 

A primeira aposentadoria 

Ao voltar para o Brasil, após sofrer somente a segunda derrota da carreira, Jofre decidiu se aposentar. Iniciou uma série de lutas de exibição em circos, praças e ginásios. 

Em muitos desses confrontos, era acompanhado pela tia, Olga Zumbano, que também lutava e conhecida por “Rainha do Ringue”. Ela que o levou a muitas apresentações em circos, onde realizava seus shows. 

Uma das exibições que mais chamaram a atenção foi a luta contra o cantor Nelson Gonçalves. O músico também era pugilista, chegou a ser campeão em São Paulo do peso médio, mas sucumbiu ao vício das drogas. 

Para mostrar que o amigo estava recuperado, Jofre aceitou o desafio. O confronto aconteceu, em 1967, no Ginásio do Ibirapuera, sem um vencedor declarado. Mas após cair ante o campeão mundial, Nelson se levantou e entoou versos da música “Castigo”, de Lupicínio Rodrigues: “Homem que é homem faz qual o cedro que perfuma o machado que o derrubou”. 

A volta triunfante e o adeus 

Após parar por três anos, Jofre resolveu voltar ao boxe. Já veterano, optou pelo peso pena e demonstrou que, além de estar em forma, continuava com a técnica responsável por torná-lo um lutador único no mundo. 

A nova fase foi coroada no dia 5 de maio de 1973, em Brasília, quando ele derrotou o cubano naturalizado espanhol José Legrá e se tornou o novo campeão mundial da categoria peso pena. 

Com uma carreira vitoriosa, Jofre ainda lutou por mais três anos até se despedir definitivamente do boxe. E, em São Paulo, no dia 8 de outubro de 1976, um dos dez maiores lutadores entre todas as categorias, se despediu dos ringues com uma vitória contra o mexicano Octavio Gomez. 

“Meu golpe preferido era aquele que acertava o adversário. Me sinto orgulhoso por ter subido ao ringue e defendido o meu país de maneira digna. Sou um homem completo em todos os sentidos”, ressaltou Jofre. 

Um dos maiores reconhecimentos da importância de Jofre para o boxe mundial ocorreu em 1992, quando ele foi imortalizado no Hall da Fama, que fica na cidade americana de Cannastota, em Nova York. O International Boxing Hall of Fame foi criado em 1989 e até o momento o tricampeão mundial é o único brasileiro a ter recebido a honraria. 

Em 2021, Jofre foi homenageado por um segundo Hall da Fama do boxe, da Costa Oeste dos Estados Unidos. A solenidade ocorreu em um hotel em Los Angeles, ao lado da Calçada da Fama e do cinema que abriga o Oscar. Apesar dos riscos pela pandemia de Covid-19, Jofre quis receber a honraria pessoalmente. Um desejo atendido pela família. 

A serviço da comunidade 

Após se despedir do boxe profissional, Jofre voltou a realizar lutas de exibição, foi treinador e exerceu por quatro vezes o mandato de vereador, durante 18 anos. E, um de seus orgulhos, era o fato de ter aprovado 26 leis de sua autoria. 

Duas das leis que Jofre aprovou foram a de nº 12.093/1996, que obrigou a permanência de UTIs móveis nos estádios, ginásios e locais com grande concentração de pessoas durante um evento e a de nº 11.603/1994, autorizando o uso de gás natural como combustível nas frotas de veículos oficiais e no transporte público 

A vida diante dos olhos 

Em 2018, a vida e a gloriosa trajetória de Éder Jofre foram parar nas telas de cinema, no filme “10 segundos para vencer”, da Globo Filmes. O longa, que depois virou minissérie exibida na TV Globo e está disponível na plataforma Globoplay, teve a direção de José Alvarenga Jr. e foi protagonizada pelos atores Daniel de Oliveira, que deu vida ao pugilista, e Osmar Prado, no papel de Kid Jofre, o pai do boxeador. 

Apesar de debilitado pela doença, Jofre foi ao cinema assistir ao filme. Durante o longa, se emocionou por diversas vezes ao lembrar das dificuldades que teve para chegar à gloria no boxe, sempre na companhia de seu pai, Kid Jofre.

*Com informações do ge