A Coroa da Menina, de Rosalie Gallo

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Em entrevista concedida a Revista Vida&Arte publicada em encarte no Diário da Região de Rio Preto neste final de semana, a conhecida professora Rosalie Gallo Y Sanches, que por muitos anos atuou em Votuporanga,  falou a Patrícia Reis Buzzini sobre seu novo livro “A Coroa da Menina”, obra que idealizou em parceria com a artista plástica Maria Helena Curti

   Por Patrícia Reis Buzzini

Fotografia: Johnny Torres 31/7/2019

 

Cada vez mais, os avós assumem diferentes atribuições na configuração familiar. Há aqueles que são cuidadores integrais dos netos, os que se responsabilizam por apenas um período do dia, os que veem os netos nos finais de semana e aqueles que os encontram eventualmente. Em todos os casos, é indiscutível que os avós habitam as melhores memórias da infância de muita gente. Na literatura infantil, encontramos algumas representações de avós carinhosas e excepcionalmente disponíveis para os netos. Quem não se lembra de Dona Benta, personagem central de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato? Ou de Clarisse Rinaldi, a rígida e manipuladora avó de O diário da princesa de Meg Cabot? Victor Hugo, um dos maiores escritores e poetas franceses de todos os tempos, escreveu vários poemas inspirados no convívio com seus netos, na infância e nas brincadeiras, publicados em A arte de ser avô (1877). Enfim, o fato é que muitas pessoas se sentem mais preparadas para a experiência da maternidade quando se tornam avós… Embebida por esse sentimento de amor e devoção, a conceituada escritora Rosalie Gallo – membro da Academia Rio-Pretense de Letras e Cultura (ARLEC) – em parceria com a artista plástica Maria Helena Curti, acaba de publicar o livro A coroa da Menina, dedicado à sua neta caçula, Maria Paula Sanches Ismael. A narrativa, escrita em linguagem lúdica e poética, aborda temas ligados à rotina da protagonista, uma “menina espoleta” que adora piscina, sorvete e andar de bicicleta. Ao falar sobre o presente que recebeu da avó, Maria Paula destaca que alguns desenhos realmente se parecem com ela e que a leitura sempre fez parte de sua rotina familiar: “Quando eu durmo na casa de minha avó eu leio histórias da biblioteca que ela criou para a gente (eu e minha irmã Luísa). Quando eu não leio, ela lê para nós ou até inventa. É bem divertido!” Segundo Maria Helena, participar desse projeto foi uma experiência nova e apaixonante: “Tenho dois netos já homens que acompanharam e estimularam minha trajetória no mundo da aquarela. Graças ao incentivo deles, continuei trilhando esse caminho”. Em entrevista especial para a Revista Vida & Arte, Rosalie fala mais sobre o lançamento do livro e sua relação com as netas.

A professora Rosalie Gallo Y Sanches que por muitos anos atuou em Votuporanga

Vida&Arte – Há alguma relação entre o período de quarentena e a publicação do livro? Como surgiu a ideia e a parceria com a artista plástica Maria Helena Curti?

 

Rosalie Gallo – Na verdade, a finalização da impressão do livro aconteceu durante o período da quarentena, porém, sua criação foi anterior. Maria Helena e eu somos amigas há muito tempo e temos muita afinidade, entre elas, a cultural. Falei a ela sobre o projeto e ela se entusiasmou. Demandava então um processo de criação conjunta em que eu, como escritora, dependia muito das ilustrações que Maria Helena pretendia fazer a partir do texto que lhe apresentei a fim de que tivesse total liberdade de criar as aquarelas. O motivo principal dessa criação foi presentear a neta caçula com um livro porque, quando ela me visita e vem para dormir em casa, fazemos noitadas de leitura e contação de histórias. Inventar histórias e ler com efeitos sonoros faz parte de meu ofício de avó (risos). Dramatizo, faço vozes diferentes, entonações adequadas ao enredo, mostro as ilustrações que acompanham a história e por causa disso ganhei um dos maiores elogios dela, há muitos anos quando, ao final de uma história engraçada que eu lia para ela, me disse: “Vovó, você é tão engraçada! Parece um palhaço!” Quer maior reconhecimento que esse?

 

Vida&Arte – No livro, você escreve que reconhece em sua neta muitos traços físicos e psicológicos de sua família italiana. Como você descreve a experiência de ser avó e como ela se difere da maternidade?

 

Rosalie – Na maternidade a responsabilidade de educar é diferente. Nossos filhos nascem quando somos adultos em franca atividade profissional, o que nos deixa pouco tempo para tarefas mais agradáveis que o acompanhamento de tarefas escolares e a correção de pequenos deslizes comportamentais. Já na condição de avó, tenho mais tempo para dedicar às netas e, em particular a Maria Paula, com quem costumo jogar frescobol à beira da piscina, cuidar de gatinhos de rua que procuram comida em minha casa, ver programas de televisão, ouvir músicas de CDs, dançar com ela pelas dependências da casa ou ver desenhos animados em DVDs que trago da Itália para fazê-las mergulhar em outra cultura. Juntas já construímos brinquedos, já pintamos e bordamos, literalmente. Adoro fazer brodo para tomarmos à mesa da cozinha ou fazer pizzas e crepes de nutella, que ela devora com muito prazer!

 

Vida&Arte – Você cita muitas brincadeiras infantis e hábitos que envolvem a relação com a natureza e com os animais, a criatividade, a alegria e a imaginação. Qual é a importância de se resgatar valores da infância no momento atual, em que as crianças estão cada vez mais dependentes de equipamentos eletrônicos?

 

Rosalie – Tomei como regra não proibir o uso de eletrônicos por não ser tarefa de avó (risos), mas procuro oferecer alternativas mais interessantes para que o eletrônico fique em segundo plano. Dançamos (é incrível mas ela gosta de Ray Conniff!), nos divertimos na banheira com espuma, cantamos, brincamos de pega-pega até quando minha respiração me permite, ajudo a subir em árvores, tiro fotos e registro o que posso, conto histórias de minha família para que ela se lembre de minha parte nas suas origens. Mostro fotos feitas principalmente na Itália, minha outra pátria, e faço comentários que tornem a foto significativa e nosso momento inesquecível… Tudo depende, na minha opinião, de oferecer algo diferente, novo e interessante para substituir o tempo que a criança gastaria com qualquer eletrônico que costume usar. No momento em que estimulamos a imaginação da criança, ela adere ao novo projeto sem resistência. O que não podemos é proibir sem nada oferecer em troca para preencher o tempo esvaziado.

 

Vida&Arte – Na história, a protagonista escolhe tocar bateria ao invés de piano, que seria o sonho de sua avó. É verdade?

 

Rosalie – (risos) Sim, é verdade. Ela começou a estudar piano e ia muito bem. Tem um ouvido musical apurado e bastante talento para tocar. Mas é muito agitada, não sabe ficar parada por muito tempo. Como o pai tem uma bateria, ela com certeza se deixou atrair por sua companhia que aprecia muito e pelo som agitado que a bateria oferece. Minha neta mais velha, Luísa, irmã de Maria Paula, começou bem antes dela a estudar piano; está bem adiantada e toca muito bem. Talvez tenha sido também uma das razões pelas quais Maria Paula procurou a bateria: ali ela não será comparada à irmã. Sabemos que a competitividade familiar gera certo desconforto em alguma fase da vida da criança.

 

Vida&Arte – Há um parágrafo em que você menciona os riscos dessa fase em que as crianças estão constantemente testando e experimentando os seus limites. Como avó, é mais fácil lidar com isso?

 

“Aprendeu muito depressa

 

A andar de patinete

 

Mas sei que uma hora dessa

 

Vai engolir o seu chiclete!”

 

Rosalie – Provavelmente essa quadrinha tem mais direcionamento para minha geração do que para a dela. Eu andei de patinete; ela tem um. Mas tem também esse moderno o Hoverboard. Ambos são usados igualmente, embora eu considere este muito perigoso por não ter apoio nas mãos. Minha infância, dada a distância temporal que nos separa, me proporcionou brinquedos diferentes. Fui criada com alguns tabus alimentares como “chupar manga e tomar leite faz mal” ou ainda esse de que se engolisse um chiclete seria perigoso “grudar nas tripas”… Alguns tabus foram derrubados e a vida infantil passou a ter mais alegria e mais liberdade. Isso não impede, entretanto, de nos depararmos com situações de real perigo aos quais devemos ter toda a atenção, como um dedinho na tomada de eletricidade; copos e outros materiais cortantes muito ao alcance. Fogo e água também são preocupantes. Árvores também. Tudo tem que ter um adulto a acompanhar, a supervisionar, a brincar junto: criança aceita bem um adulto para brincar, não para fiscalizar! Hoje nós compramos fantasias de super heróis para a meninada. No meu tempo de criança eu também me vesti de super herói com roupas que minha mãe costurava. Eram outros, é verdade, mas não menos empolgante. A condição de avó apenas me atualizou!

 

Vida&Arte – Qual é a simbologia das “borboletas que coroam o sono da menininha espoleta”?

 

Rosalie – Maria Paula não gosta muito de insetos. Na verdade, de nada que voe! Prefere animais de maior porte; tem em casa uma cachorra Golden Retriever e duas gatas. Deleita-se com filhotes de gatos, quando tem alguma cria aqui em casa. Talvez por sua resistência a voadores eu tenha escolhido para sua coroa a figura das borboletas, símbolo da evolução da lagarta encasulada. Espero que ela compreenda e aceite a metáfora da efemeridade e da transformação contínua da Vida para a Liberdade, para o Belo, para o Delicado, para a Arte de voar, para o Crescimento, para a evolução, enfim! Espero principalmente que, com essa compreensão, sua aversão a insetos seja superada.

 

Vida&Arte – Você pretende publicar mais livros destinados ao público infantil? Tem novos projetos?

 

Rosalie – Sim, tenho novos projetos para histórias infantis. Contar histórias para Maria Paula e Luísa me fez redescobrir a mãe apressada que agora, como avó, pude burilar e retomar alguns temas. Tenho já finalizadas duas histórias. Uma, relacionada com uma família de sacis que morava em um bambuzal na chácara onde atualmente moro e outra, sobre um par de sapatinhos de uma menina rica que, por não lhe servir mais, acaba nos pés da filha da funcionária da casa. A partir daí, começam suas aventuras. Estão já com o editor que lindamente criou este livro e a quem agradeço pela delicadeza com que cuidou de todos os detalhes. Agradeço também a minha querida amiga Maria Helena Curti. Aquarelista de fama internacional dedicou-se generosamente a este trabalho, reconhecendo em mim a intenção de presentear minha neta. Nada poderia ser mais lindo e honroso que ter neste livro suas aquarelas para ilustrar minhas singelas quadrinhas, próprias para serem decoradas e declamadas…

 

“Os netos são coroa de honra para os avós; os pais são o orgulho de seus filhos.” (Provérbios 17:6)