Por Andrea Anciaes
A quarentena pode significar risco para muitas mulheres: com parceiros agressivos, elas são vítimas de diversas formas de violência doméstica quando estão isoladas em casa.
Por conta disso, o período de quarentena devido à pandemia da Covid-19 é sinônimo de risco. Ficar em casa nesse momento deveria significar proteção e bem-estar, mas essa não é a realidade de muitas mulheres, infelizmente.
A Lei Maria da Penha sancionada em 2006 foi uma conquista histórica do movimento de mulheres ao garantir uma série de medidas de combate à violência doméstica e familiar. Os números anuais já são extremamente assustadores, mas os relatos de violência contra a mulher cresceram ainda mais desde a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil.
Vítimas tendem a não conseguir confiar em outras pessoas, principalmente homens, depois das agressões
Neste contexto de epidemia, muitas vezes, as vítimas podem ficar sem o poder de clamar por socorro e ter atendida suas prerrogativas de direito.
Apesar do aumento exponencial as denúncias por redes sociais, o número de medidas protetivas cai drasticamente na “quarentena”, haja vista a dificuldade destas mulheres de se deslocarem até outro lugar, ainda mais diante do recesso físico de atendimento do Poder Judiciário, Ministério Público, bem como das delegacias de bairro.
Apesar de estarmos vivendo ainda o período da quarentena, onde não sabemos quando irá acabar, temos números altos e muito preocupantes. Além de tudo, muitos casos não são denunciados tornando-se com isso uma cifra oculta.
Muitos podem ser os fatores que contribuem para o aumento dos casos de violência, dentre eles podemos destacar o crescimento de desempregados, o consumo de álcool e drogas e o comportamento controlador do companheiro.
A América Latina é o lugar mais perigoso do mundo para se ser mulher e registra taxas recordes de violência de gênero, verdadeira barbárie
Diante de tantos dados tristes, é lógico concluir que o aumento da tensão provocado por este momento inédito, aliado ao comportamento violento masculino que se sustenta pelo passar dos anos, cria um ambiente ainda mais perigoso para as mulheres. Uma arma eficaz para combater as agressões e mudar esse cenário é a denúncia. Isso porque, diferente de outros crimes, tantas vezes escancarados, a violência doméstica pode não ser notada por quem está de fora, o que contribui para a escalada de casos. É preciso que as autoridades saibam o que está acontecendo. O silêncio pode ser fatal.
O aumento de números de casos no Estado de São Paulo nesse período foi de pelo menos 44,9% de acordo com o levantamento de pesquisas, o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817 na comparação entre março de 2019 e março de 2020, isso sem contar os números de feminicídios motivados por violência doméstica ou discriminação de gênero.
O Brasil apresentou algumas medidas para tentar conter os índices, antecipou a ampliação de seus serviços da delegacia eletrônica e estas disponibilizaram o registro online de boletins de ocorrências de violência doméstica.
Os principais canais de denúncia são o 190 (Policia Militar) e o 180 (Central de Atendimento à Mulher).
Mesmo diante de medidas sanitárias excepcionais (e, particularmente, no caso da violência doméstica), o Estado deve se organizar para o atendimento de urgências sociais. Não há dúvidas de que a prioridade deve ser a de salvar vidas, mas não apenas aquelas ameaçadas pelos efeitos diretos da contaminação, como também as das potenciais vítimas dos seus efeitos colaterais.
Não tenha medo, a culpa não é sua, denuncie!
Em caso de violência, denuncie!
Psicóloga fala sobre dicas importantes
A psicóloga clinica Daniela Cristina Coelho da cidade de Rio Claro –SP, fala ao Diário de Votuporanga sobre o tema
“O isolamento social gera vários fatores que colaboram para o aumento da violência doméstica: aumento do estresse e da tensão pelo maior tempo do agressor dentro de casa, abuso de álcool e drogas, maior dificuldade das vítimas em buscar redes de apoio para denunciar, etc.
Mas é importante ressaltar que o agressor já era violento antes da pandemia, e o isolamento apenas intensifica o comportamento que já é preexistente.
O termo violência pode ser compreendido como ato de violação, invasão de um limite ou intrusão agressiva no espaço físico ou psicológico de uma pessoa. Está associada a uma descarga de impulsos agressivos destrutivos.
A Violência Doméstica é aquela que ocorre no lar, é crônica e se repete no cotidiano, e pode ser física, psicológica, sexual, moral e até econômica.
Na esfera conjugal, geralmente acontece dentro de um ciclo vicioso que começa com um aumento de tensão, que leva a atos de agressão ou explosão, e posteriormente pode haver o perdão da vítima e consequente reconciliação. Muitas vezes o ciclo recomeça pela tendência da vítima a negar a gravidade do problema, pela fragilidade desta ao acreditar no agressor que se mostra arrependido e promete mudar.
Outros fatores que prendem a vítima a essa situação abusiva podem ser dependência afetiva, carência, insegurança, crença que os filhos terão a família destruída, culpa, medo, situação financeira, baixa autoestima, dificuldade de buscar ajuda ou até mesmo de reconhecer o problema. Muitas vezes é a única vida que conhecem, sempre foi assim e nem sabem que existe outra forma de vida e de relação.
A criança que vive no ambiente familiar de violência doméstica, pode sofrer várias sequelas emocionais e carregar marcas psíquicas que irão afetar sua vida. Podem crescer inseguras, medrosas, agitadas, agressivas, ansiosas, deprimidas, com problemas escolares e sociais, etc. Podem acabar se tornando futuros agressores, assimilando o comportamento do agressor, ou vítimas em futuras relações afetivas. Inclusive, é comum que a violência doméstica seja um padrão de repetição transgeracional, que se reproduz nas próximas gerações, através de escolhas amorosas inconscientes que trazem a dor conhecida para ser revivida.
Os dados mostram que a violência doméstica está fortemente associada a violência de gênero, pois as mulheres compõem a grande maioria das vítimas, no entanto isso não significa que apenas os homens são agressores e as mulheres as vítimas. Mas é importante lembrar que o feminicídio muitas vezes tem relação com a violência doméstica, e que continua se propagando. O Brasil é o quinto no mundo em feminicidios e as violências geralmente ocorrem dentro de casa e por parceiros e familiares.
Por isso é importante que as vítimas de violência doméstica se encorajem para buscar ajuda, ainda que seja contando para um amigo ou familiar.
Precisamos investir mais em políticas públicas para prevenção da violência doméstica, bem como para intervenções efetivas que possam amparar e dar suporte eficaz para as vítimas.
As vítimas devem se encorajar a buscarem as redes de apoio, e estas devem oferecer real auxilio para se sentirem protegidas, amparadas, fortalecidas para buscar independência, buscar um trabalho, uma forma de sustento. É comum o medo pelo sustento dos filhos.
Apenas alguns tipos de agressores também podem se tratar se forem capazes de reconhecerem o problema. Muitos não reconhecem e apresentam transtornos de conduta que infelizmente não são tratáveis.
O acompanhamento psicológico deve oferecer uma escuta com empatia e sem julgamento, e é fundamental para que a pessoa desenvolva coragem, autonomia e confiança em acreditar que irá conseguir viver de outra forma, bem como reconhecer e tratar uma possível dependência emocional e os mecanismos inconscientes que a coloca nessa situação abusiva.
Muitas vezes é preciso que um terceiro reconheça para a vítima que o que ela vivencia é uma violência doméstica, e um tratamento psicológico pode ajudá-la a nomear o sofrimento como violência e não como ‘uma coisa normal’ de casal, e assim possibilitar um resgate da capacidade de amor próprio”.