Por Antoninho Rapassi
“Primeira Parte de um longo Conto de Ficção”
Temístocles Taborda foi gerado em Portugal, mas o seu nascimento ocorreu na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, precisamente no bairro da Lapa onde viveu seus primeiros anos, sob as influências marcantes de seus pais, oriundos da região do alto Douro. Filho único, foi sempre um menino trêfego que esbanjava garrulices e da mãe recebia ostensivos mil carinhos. Seu pai, de volumoso bigode era homem criterioso e prudente, tendo logo ao aqui chegar, adquirido uma grande gleba produtora de café, no interior fluminense. Homem versado em assuntos de política granjeou simpatias e amizades, assegurando favores do regime vigente e impondo certa liderança rural.
Temístocles Taborda já moço tinha uma palidez boêmia, conservava um sorriso irresistível e sua cabeleira bem comportada pelos efeitos das perfumadas brilhantinas vindas de Paris, lembrava o poeta Castro Alves. Sua voz firme e grossa contribuía para complementar a bela imagem. Seu espirito eclético se associava mais ao de um ateniense e, fisicamente ao de um espartano.
Retribuía o carinho dos pais contando sempre aos amigos como tinham sido vividos os tempos de namoros clandestinos, um exemplo redivivo daqueles apaixonados de Verona cantado em prosa e verso por Shakespeare. A mãe de Temístocles se não fez crescer a prole dos Taborda, a culpa foi do acidente que aconteceu no final de uma tarde de domingo, estando ela grávida pela segunda vez. Passeando com o marido nos arredores da fazenda, admirando as paisagens ornadas pelos ipês floridos, em certo carreador pararam para contemplar o verdor da lavoura cafeeira. Deram gostosas gargalhadas ao se depararem e ao comentar com as repetições dos pés de melancias e de tomatinhos sempre “plantados” junto aos troncos das árvores nativas, abatidas em nome do progresso e da riqueza do ouro verde. Montada em seu cavalo preferido, repentinamente sofreu um acidente: uma cobra assustou o animal levando ao chão a amazona desprevenida. Ela não só abortou como em consequência perdeu as condições de nova gravidez. E Temístocles colheu os benefícios da condição de morgado.
Temístocles Taborda estudava medicina no Rio de Janeiro e, acima de tudo amava com requintada devoção o seu nome e particularmente a letra T. Sabia desde pequeno que esta letra era um substantivo masculino e ocupava o 19º lugar do alfabeto. Sabia tudo a respeito da letra T: em remotíssimos tempos, por exemplo, precisamente na Fenícia esta letra era representada pela junção de dois traços, o horizontal que era cortado ao meio por um na vertical, formando o sinal “mais”. Este T original servia para representar a assinatura dos que não sabiam escrever, procedimento legal que atravessou milênios e chegou até nós quando, no último quartel do século XX foi deflagrada intensa campanha governamental contra o analfabetismo. E o T para Temístocles Taborda continuou sendo venerado, nos monogramas bordados em suas camisas, nas alvas toalhas felpudas e nas impressões elegantes dos papeis de carta, obrigatoriamente em relevo americano, que ele não se cansava de namorar e de passar o dedo indicador para sentir a imponência da letra.
Frequentador da igreja católica daquela região fluminense onde se localizava a grande fazenda colonial do pai, por ocasião das celebrações religiosas da “Páscoa” do ano de 1937, veio a conhecer Clotilde Aranha uma jovem herdeira de aristocrática família, com a qual os pais de Temístocles Taborda tinham amizade e interesses políticos comuns.
Uma das irmãs de Clotilde chamava-se Eulália. A piedosa Eulália das olheiras profundas, que permutou a sua vida de regalos pela severidade da vida claustral onde podia acomodar melhor a sua pudicícia, que emoldurou a vida recatada e onde os seus olhos tristes revelavam um estranho desencanto por este mundo epicurista, de luxúria e pecado, mas cantado pelos poetas exatamente pelo delírio da carne, na exploração do amor voluptuoso e das belezas estonteantes da mulher. Enfim, tanto demonstrou seu desprezo pela vida mundana e a sua denodada paixão à pureza, à caridade e à vida nas penumbras da oração, que conseguiu permissão para entrar no Convento das Irmãs Carmelitas e lá mourejou no mais fundo desligamento da família e dos poucos amigos com quem dividiu seus recatos, suas desesperanças e sua crença religiosa bem enraizada no coração devoto.
Americana, 23 de Julho de 2021