
Celebrado hoje (10), o Dia Universal do Palhaço destaca a força dessa arte que atravessa gerações. O criador de Vick e Salxixa, Alvaro Rovares, há 25 anos em cena, reflete sobre a palhaçaria como gesto que ilumina, aproxima e resiste
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LEG – Com seu riso fácil, ingenuidade à flor da pele e uma batalha constante contra as normas, Salxixa traduz o encanto do desajeitado. (foto arquivo pessoal)
@caroline_leidiane
Há gestos que sobrevivem às pressas do tempo. Um deles é o riso, esse estalo luminoso que atravessa gerações e insiste em abrir brechas de humanidade mesmo nos dias mais densos. Em meio ao calendário marcado por celebrações diversas, o 10 de dezembro surge como convite para olhar de perto uma arte que, embora nascida há séculos, segue inevitavelmente atual.
É nesse terreno onde a sensibilidade encontra o gesto cênico, e o improviso permeia respiros de encantamento, que o Dia Universal do Palhaço se inscreve com vigor. E é nele que artistas como Alvaro Rovares, ator e palhaço há 25 anos, reconhecem não apenas um ofício, mas uma forma de existir com autenticidade.
“Minha trajetória nas artes cênicas começou muito antes de eu perceber que esse seria o caminho da minha vida. Ainda jovem, descobri no palco um lugar onde eu podia existir com mais verdade e intensidade, um lugar onde eu podia brincar com o mundo e transformar sentimentos em movimento”, recorda.
Ele lembra que foi surpreendido pela palhaçaria em uma fase de virada, quando o próprio caminho artístico começou a se reorganizar diante dele.
“Nesse momento eu percebi que não era só sobre atuar: era sobre criar encontros, provocar o riso, tocar o sensível. A partir de então, a palhaçaria deixou de ser uma técnica e virou um modo de estar no mundo”, explica.
Dessa trajetória surgiu a palhaça Vick, criada primeiro para atuar em ambientes de cuidado e, aos poucos, convidada a circular por diferentes ocasiões públicas e privadas.
“A princípio, a Vick nasceu para as visitas hospitalares. Depois ela foi crescendo e visitando outros lugares, como, por exemplo, eventos corporativos, chás de cozinha e de bebês, chá-bar, festas de casamento e de aniversário. Ela carrega uma sensibilidade que talvez eu mesmo, como Alvaro, demorasse mais tempo para acessar”, diz.
Ele conta que Vick reúne um jeito curioso, expansivo, desajeitado e absolutamente transparente, conjunto que cria uma presença afetuosa e disponível para quem cruza o seu caminho.
“Na construção dela existem camadas de fragilidade, poesia e escuta. É como se ela colocasse uma lente de aumento nas pequenas coisas e dissesse: ‘Isso aqui importa’. Ao criar a Vick, percebi que estava revelando partes minhas que precisavam de mais voz, mais cores e mais espaço”, expõe o artista.
Celebrar o Dia Universal do Palhaço, segundo Alvaro, é reconhecer uma tradição que ultrapassa gerações.
“Para mim, essa data é uma maneira de celebrar uma arte que, por ser tão cotidiana, às vezes passa despercebida pelos olhos do público. Celebrar o Dia Universal do Palhaço é celebrar a resistência, a memória, o ofício e o afeto. Para quem vive a palhaçaria todos os dias, é um lembrete de que fazemos parte de uma linhagem de artistas que usam o riso para iluminar caminhos — mesmo em tempos difíceis”, ressalta.
Na rotina marcada por recorrentes urgências, o humor assume outra dimensão e passa a ocupar um lugar ainda mais necessário.
“O riso sempre foi potente, mas hoje ele se tornou quase um gesto de resistência. Vivemos tempos acelerados, ansiosos e muito difíceis — e o riso cria uma fresta, uma pausa no cotidiano. Ele abre espaço para o encontro genuíno, para a vulnerabilidade coletiva, para um respirar mais leve”, evidencia Alvaro.
A palhaçaria, arte da presença e do improviso, acompanha esse movimento ao convidar as pessoas a rirem de si mesmas e, nessa partilha, respirarem um pouco melhor.
Vick, com seus tropeços coreografados pela espontaneidade, dialoga diretamente com as tensões do presente.
“A Vick conversa com o nosso tempo justamente porque ela não se esconde das contradições. Ela tropeça, se desmonta, se reconstrói — e isso é profundamente contemporâneo. Ela nos lembra que não precisamos ser perfeitos o tempo todo. A Vick acolhe as tensões, transforma os ruídos em jogo, as inquietações em poesia”, detalha ele.
Ao lado dela, Salxixa — outro personagem carismático de nariz vermelho criado por Alvaro — expande o alcance dessa linguagem e reforça uma atmosfera que convida o público a resgatar percepções muitas vezes apagadas pela rotina.
“A palhaçaria tem um papel precioso: o de devolver às pessoas um espaço interno que muitas vezes fica soterrado pela correria e pelas obrigações. Ela abre a porta do encantamento — e isso, por si só, já é um gesto político. A Vick e o Salxixa, dentro desse cenário, funcionam como mediadores de sonhos. Eles convidam as pessoas a brincarem de novo, a olharem para si mesmas com mais gentileza”, ilustra.
Entre uma gargalhada e outra, a palhaçaria reafirma seu lugar como linguagem que atravessa épocas e se reinventa diante das urgências contemporâneas. Em meio a rotinas marcadas por excessos ensimesmados, o riso surge como gesto que ampara, entrelaça e devolve humanidade ao que parecia endurecido.
Ao ocupar esse espaço de afeto, encontro e presença, o palhaço lembra que a vida continua pulsando mesmo nos intervalos obscuros e que, na imperfeição compartilhada, ainda há beleza suficiente para seguir adiante.




