Quando a dor se transforma em poesia

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Inspirado em relatos reais, o espetáculo ‘Vermelho’ dá voz a mulheres que viveram diferentes formas de violência, transformando suas histórias em poesia, força e protagonismo. (foto Beaver Films)

 

Espetáculo ‘Vermelho’ da Cia. Epifaníaca nasce de relatos reais de mulheres e integra a 14ª Mostra de Teatro Deco D’Antonio, em Votuporanga

 

O processo criativo também foi inspirado em obras como ‘O Segundo Sexo’, de Simone de Beauvoir, e ‘Tudo Sobre o Amor’, de Bell Hooks, que fundamentam o olhar sensível e crítico de ‘Vermelho’ sobre o feminino e a reconstrução. (imagem divulgação)

 

@caroline_leidiane

 

No palco, seis mulheres transformam cicatrizes em arte. A cor que simboliza ferida, raiva e sangue, aqui, também se torna fogo, coragem e renascimento. “Vermelho”, espetáculo da Cia. Epifaníaca, nasce de relatos reais de mulheres que enfrentaram múltiplas formas de violência — física, psicológica, sexual, racial e simbólica — e transforma a dor em gesto, palavra e poesia.

A montagem integra a 14ª Mostra de Teatro Deco D’Antonio, e será apresentada no dia 25 de outubro, às 19h30, no Centro de Convenções “Jornalista Nelson Camargo”, com classificação indicativa de 14 anos.

 

O corpo como linguagem, a poesia como cura

Com dramaturgia e direção criadas de forma coletiva pelas atrizes Iasmin Stefanuti, Jéssica Giolo, Joyce Soares, Juliana Rocha, Luiza Nadotti e Maria Cruz, “Vermelho” foi construído a partir de escutas e pesquisas sobre violência de gênero, inspiradas em relatos, notícias e depoimentos.

“Desenvolvemos a dramaturgia e procuramos caminhos que não reproduzissem a violência, mas traduzissem o impacto emocional dessas vivências em linguagem poética e simbólica. A verdade é preservada no conteúdo, e a poesia surge na forma, como um modo de curar, não de reviver a dor”, explica Joyce Soares, atriz e colaboradora da obra.

Durante o processo criativo, o grupo também buscou inspiração em referências literárias que dialogam com a temática da peça. Leituras como “O Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir, e “Tudo Sobre o Amor”, de Bell Hooks, serviram como alicerce teórico e emocional para aprofundar as reflexões sobre feminino, opressão e a possibilidade de reconstrução. Essas obras ajudaram a moldar o olhar sensível e crítico de “Vermelho”, em que o amor e a consciência se tornam caminhos de libertação.

A escolha de não mostrar a violência de forma explícita foi um ponto de partida ético e estético.

“Sabíamos que não queríamos expor o corpo da mulher à violência novamente, nem transformar o palco em uma cena de trauma. Optamos por uma abordagem simbólica, corporal e emocional, que denuncia com força, mas também acolhe. A sutileza é a ferramenta que nos permite falar do horror sem reproduzi-lo”, explana a atriz.

 

Entre o sangue e o renascimento

Em “Vermelho”, cada personagem carrega uma história e uma pulsação própria. Iasmin Stefanuti é Melissa, Jéssica Giolo interpreta Bianca, Joyce Soares dá vida a Kahli, Juliana Rocha é Adélia, Luiza Nadotti representa Psiquê, e Maria Cruz encarna Dora.

O espetáculo tece essas narrativas como fios de uma mesma trama.

“O que une todas é a experiência de ser mulher em uma sociedade patriarcal, onde a dor é individual, mas a luta é coletiva. Cada personagem carrega uma ferida, mas também um eco de todas as outras. No final, elas se encontram nesse lugar de sororidade e pertencimento”, conta Joyce.

No palco, a cor vermelha deixa de ser a lesão e se transforma em força vital.

“O vermelho começa como sangue e ferida, mas ao longo do espetáculo se transforma em coragem, fogo e pulsação. É o vermelho da raiva, do amor, da resistência, da coragem de se afirmar mulher num mundo cheio de imposições. No final, ele deixa de ser um símbolo de violência para se tornar um símbolo de renascimento”, afirma a atriz.

 

Silêncio, escuta e transformação

Desde a estreia, em 07 de agosto de 2024, data simbólica pela Lei Maria da Penha, “Vermelho” tem provocado o público de forma profunda.

“O que mais nos marca é o silêncio carregado do público ao final das apresentações. Depois, muitas pessoas se aproximam emocionadas, principalmente as mulheres, porque é fácil se ver na cena, ou ver a história de alguém próxima. Esse diálogo pós-espetáculo tem sido uma das partes mais potentes do processo”, compartilha Joyce.

Selecionado entre as quatro produções da 14ª Mostra Deco D’Antonio, o espetáculo reafirma o compromisso da Cia. Epifaníaca com a arte como espaço de escuta e transformação.

“Esperamos que o público saia mexido e desperto, com o incômodo necessário, mas também com esperança. Que cada pessoa entenda que a violência contra a mulher não é uma pauta distante, e sim uma questão social urgente”, conclui a atriz.

“Vermelho” atravessa o ato cênico se transmutando em manifesto e espaço de reflexão e acolhimento. O espetáculo convida o público a ouvir o que por tanto tempo foi silenciado, transformando a dor em força e o silêncio em renascimento — uma pulsação que insiste em viver, mesmo quando tudo sangra.

 

14ª Mostra de Teatro Deco D’Antonio

Celebrando o legado do artista Deco D’Antonio, a mostra se firma como um dos principais espaços de fomento à cena teatral local. A programação acontece de 18 a 26 de outubro, com espetáculos da Cia Teatro de Maria, grupo do IFSP, Cia Atenas, Cia Epifaníaca, Abayomi Cia de Teatro e Cia Hecatombe, reunindo diferentes estilos e faixas etárias em um brinde à arte independente.

 

SERVIÇO

14ª Mostra de Teatro Deco D’Antonio

Espetáculo “Vermelho”
Data: 25 de outubro, às 19h30
Local: Centro de Convenções “Jornalista Nelson Camargo” Entrada gratuita

Classificação indicativa de 14 anos.