Pés Plantados nas Nuvens

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Opinião de Antoninho Rapassi –

Sempre tive os meus pés plantados firmemente nas nuvens, de sorte que a minha cabeça grudada no corpo, com toda a razão adjetivou-me de nefelibata. E como um assumido nefelibata a vida tinha um viés de irrealidade que passava despercebida. Nos arroubos da juventude, arroubei-me.

Tudo começou em Votuporanga, cenário perfeito da “Dolce Vita” em que vivi e tive a certeza de que “La Vita è Bela”, proporcionada por uma plataforma segura para o embarque nas ousadias usando recursos naturais, exclusivamente cerebrinos. Quero adiantar-me e dizer que nunca, jamais circulou na esfera da juventude de então qualquer tipo de droga, portanto nem pensar em estimulantes alucinógenos. Tudo era feito na raça e na criatividade de cada um do numeroso time de amigos, colegas e companheiros eventuais. Éramos sim, movidos pelo amor às garotas que protagonizavam nos filmes rodados em nossas cabeças, o papel de “mocinhas” com um enredo atrevido e faiscante, onde tudo girava em torno delas. No pensamento, àquela época de rígidos padrões morais, tudo era possível. No pensamento, repito. Porém, na realidade tudo era um sofrimento à moda das histórias novelescas de Sheakespeare. Por causa disto é que me mandei para São Paulo, como que para alforriar a minha alma tão sentimental, deixando à margem do meu destino tantas meninas que, hoje decorridos quase seis décadas, vejo como também pequei por atávico espírito de respeito. Deveria municiar-me com a coragem enjaulada no coração e estabelecer algo mais do que os olhos que percorriam corpos e os sorrisos ameigados delas, que consentiam, mas parava tudo aí. A educação familiar refreava a impetuosidade da arfante testosterona. Pra mim, o jeito foi estufar o peito com coragem, enxugar as lágrimas das despedidas, abrir os olhos e meter os peitos na nova aventura. Peguei o trem noturno da EFA e desci confiante na Estação da Luz, feliz por ter sido conduzido pelo fogoso comboio elétrico da Cia. Paulista, após a baldeação em Araraquara. E então, já na Paulicéia desvairada no amanhecer da última segunda feira do mês de Julho de 1962, as cortinas do teatro da vida se abriram para um novo espetáculo, agora sim vivendo uma vida trazida dos sonhos e das aspirações juvenis para enfrentar a “nudez forte” da realidade.

Antoninho Rapassi, Abril de 2020