O psiquiatra argentino Juan David Nasio avalia o impacto emocional gerado pela crise sanitária nos laços sociais e familiares
A psicóloga carioca Simone Freitas)
O argentino Juan David Nasio é considerado um dos maiores especialistas em psicanálise lacaniana. Ainda muito jovem, teve a oportunidade de trabalhar com o próprio Jacques Lacan em Paris. Como resultado de suas observações e do estudo de vários pacientes, ele percebeu que a pandemia de coronavírus trouxe consigo uma nova forma de depressão, chamada de “depressão Covid-19”.
“A tristeza de Covid-19 não é uma tristeza comum”, diz Nasio.
Em sua perspectiva, esse transtorno derivado da pandemia é caracterizado por três fatores: tristeza ansiosa, muita raiva e cansaço. Ele também explica que as pessoas com essa condição demonstram medo do contágio e desesperança sobre o que virá depois. Um estado que os leva ao extremo desespero.
Embora nem todas as pessoas desenvolvam algum tipo de transtorno mental decorrente da pandemia, Nasio afirma que seu impacto emocional é inevitável e produz efeitos na família e, principalmente, nos laços de um casal.
Nasio também identifica consequências na atitude dos jovens em relação ao futuro. Ele acredita que a confusão afeta principalmente os estudantes, embora “crianças e adolescentes tenham uma capacidade melhor de se adaptar às adversidades do que os adultos”.
Nasio estudou em sua terra natal, mas ainda jovem partiu para Paris para enriquecer sua formação em psicologia. Graças a uma bolsa de estudos, teve a oportunidade de se estabelecer na França e lá conheceu o teórico Jacques Lacan.
Trabalhou ao lado de Lacan por vários anos, tornando-se chefe de um de seus famosos seminários. Ainda na França, Nasio atuou por uma década como professor na Universidade da Sorbonne.
O Jornal Diário de Votuporanga conversou com a psicóloga do Rio de Janeiro Simone Silva Freitas, ela é Mestre em Psicologia Social, Professora da Universidade Estácio de Sá e Coordenadora do 8º período do Curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá- campus CITTÁ e ela falou sobre à “depressão Covid 19”.
DV: Qual é a sua visão em relação à “depressão Covid 19”?
“Embora nem todas as pessoas desenvolvam algum tipo de transtorno mental decorrente da pandemia, todas sofrem algum tipo de impacto biopsicossocial. Os dados apresentados na pesquisa “ConVid Comportamentos” teve resultados preocupantes. Foi realizada via web, em parceria pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre 24 de abril e 24 de maio de 2020 e avaliou 45.161 brasileiros, de todas as unidades da Federação, 11.863 do Estado de São Paulo. Entre os fumantes, quase 23% aumentou cerca de 10 cigarros ao dia e 18% relatou aumento no uso de bebidas alcóolicas durante a pandemia e o maior aumento (25%) ocorreu na faixa entre 30-39 anos de idade. O aumento de álcool foi associado à frequência de sentir-se triste e deprimido- quanto maior a frequência desses sentimentos maior o aumento de bebida alcóolica, alcançando 24% entre as pessoas que tem se sentido sempre tristes ou deprimidas durante a pandemia.
Esses dados podem revelar que a situação de pandemia levou à mudanças significativas e abruptas de vida e, consequentemente ao aumento de incertezas, insegurança, ansiedade e outras emoções negativas. Alguns possíveis gatilhos para um abalo na estrutura psicológica são: necessidade de adaptações súbitas na rotina individual e familiar, a sobrecarga nas mulheres e impactos do isolamento social.
A necessidade de adaptações súbitas na rotina levou à uma reelaboração das relações familiares. Foi colocada em questão a limitação das vontades individuais e a necessidade de ajuda mútua para própria sobrevivência, não só física, como psicológica, ocupacional, social. Muitas vezes, as famílias passaram a ter uma convivência forçada e essa expôs situações díspares de visão de mundo, conflitos e até violência doméstica.
As circunstâncias atuais também colocam em evidência o “trabalho invisível” das mulheres. Uma pesquisa global da Ipsos com a ONU Mulheres aponta que a pandemia aumentou o abismo na divisão de tarefas não remuneradas, no Brasil e nos outros 16 países pesquisados. Cerca de 43% das mulheres entrevistadas em Maio de 2020 concordaram fortemente com a frase: “Tive que assumir muito mais responsabilidade pelas tarefas domésticas e cuidados com crianças e família durante esta pandemia”.
Em Junho de 2020 a revista Research, Society and Development publicou uma revisão de estudos prévios (revisão integrativa) que pesquisou os impactos do isolamento social em famílias. Essa concluiu que a maioria dos estudos revisados reportava efeitos psicológicos negativos, como sintomas de estresse, medo, pânico, ansiedade, culpa e tristeza que podem ocasionar o surgimento de Transtornos de ansiedade, Transtorno do Estresse pós-traumático e Transtorno Depressivo. Os fatores de estresse incluíam além do isolamento social, o medo da infecção, frustração, tédio, informação inadequada (“Fake News”), perdas financeiras, entre outros.
Um estudo publicado em Novembro de 2020 na “The Lancet” com 69 milhões de pessoas nos EUA (62.000 pessoas diagnosticadas com COVID- 19) revelou que 18.1% de pacientes com COVID-19 desenvolveram um problema de saúde mental, como depressão, ansiedade ou demência, dentro de 3 meses a partir do diagnóstico. Dentre esses, 5.8% tiveram o primeiro diagnóstico psiquiátrico.
Os pesquisadores estão tentando entender como o novo coronavírus impacta não só a mente como a função cerebral “A COVID-19 pode gerar questões psicológicas relacionadas tanto ao estresse da pandemia como também aos efeitos fisiológicos da doença.” Brittany LeMonda, PhD, Neuropsicóloga Sênior no Lenox Hill Hospital in New York City.
Podemos refletir que a pandemia, sem sombra de dúvida, é um gerador de estresse contínuo. Além dos sentimentos próprios acerca da situação dramática, temos que lidar com sentimentos de pessoas da família ou a perda dessas, o trabalho exaustivo ou a perda de atividade, a necessidade de distanciamento social, dentre outros fatores estressores. Portanto, seria desejável ações imediatas no sentido de prevenção primária e tratamento de todas essas condições.”
- Simone Silva Freitas – Psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Social, Professora da Universidade Estácio de Sá e Coordenadora do oitavo período do Curso de Medicina da Universidade Estácio de Sá- campus CITTÁ
(Andrea Anciaes)