Gisele Sanglard -doutora em História das Ciências e Pesquisadora em Saúde Pública da Fiocruz (RJ)-, falou ao Diário tudo o que sabe sobre o novo coronavírus.
Da Redação
A pesquisadora disse que se trata uma doença nova que surgiu na China no final do passado, mas que os chineses demoraram a divulgar e fez com que ela se espalhasse pelo mundo. Ela contou que a rápida propagação foi a grande circulação de pessoas ao redor do mundo por aviões e em terra pelos automóveis. “A gente acaba, sem querer levando esse passageiro clandestino de um lugar para o outro, sem saber, às vezes”.
Sanglard explica que muito se fala que é uma doença criada em laboratório, mas garante que a maior parte da comunidade científica sabe que é uma doença que passou a ter o homem como hospedeiro. “Não foi o único coronavírus que já apareceu no mundo e esse tem a haver com os hábitos alimentares dos chineses, num típico animal especifico”.
“Toda pandemia que se preze só é uma epidemia mundial quando segue um ritual, uma forma de agir. Primeiro ela atinge um número de pessoas, aí achamos que ela acabou e ela volta. Normalmente a segunda onda tende a ser mais violenta porque as pessoas já relaxaram, acham que não é nada demais, então ele recrudesce de novo e vem a terceira onda. Esse é um ritual que todas as epidemias em qualquer época do mundo vai passar. Então a gente sabe que tem uma primeira onda que vem com uma segunda; Quanto tempo vai demorar? É uma pergunta que ninguém sabe responder, porque pouco se conhece dessa doença em si. Os cientistas estão estudando a doença conforme ela apareceu. Seria como trocar a roda do carro com ele andando, então isso faz com que a situação fique mais difícil porque é preciso agir”.
“Toda epidemia também tem na quarentena (isolamento social), fechamento das cidades e diminuição da circulação interna, a medida mais eficaz de controle, ou seja, na hora você teve o vírus, você trancou as pessoas, mas quando elas voltam a circular, esse vírus volta a andar também, não tem jeito! O vírus só tem uma maneira de você controlar; ou todo mudo pega a doença para ele não circular mais, ou cria-se uma vacina. Este é um vírus de RNA que se adapta muito fácil e que se modifica na mesma proporção. Em estudo recente descobriu-se que foi mais de uma centena de cepas que entraram no Brasil, mas foram três delas as que mais conseguiram se reproduzir e se adequarem as nossas características.”
“Todo cientista que estuda uma doença viral espera uma segunda onda. Isto tem sido falado diversas vezes. O governo americano já há muito tempo disse que uma volta à normalidade somente em 2022, ou seja, este ano e o próximo, estariam perdidos em termos de circulação. Isso vai acontecer? Ninguém sabe, é uma projeção, mas a volta do vírus na China já obrigou a fechar novamente vários segmentos em Hong Kong e agora de fato assumiram a segunda onda. Se pensarmos que na China tudo começou entre dezembro e janeiro e que seis meses depois aconteceu o retorno da doença; daqui a pouco também irá acontecer na Europa. A França, por exemplo, abriu as escolas e uma semana depois fechou 70 delas, porque houve casos positivos de coronavírus que os obrigou a fechar. Temos que entender que faz parte de uma dinâmica de qualquer epidemia que é importante para o cidadão não ficar dizendo que é culpa do governo, que se tratam de ineficácias nas esferas federal, estaduais ou municipais. O fato é, essa onda virá!”
O que tem que ser feito? Qual é a questão?
“Nós ainda não chegamos ao pico da curva e a epidemia nem vai passar perto. O risco é que teremos que conviver por muito tempo com essa doença se o isolamento não for feito e de fato, não diminuir a capacidade de contágio do vírus, o que faz com que o Brasil ainda vai conviver muito tempo com o vírus, o que será muito ruim do ponto de vista social e econômico para o país, mas isso faz parte das decisões governamentais”.
“Os estados e municípios fizerem bem em realizar o isolamento social, mas por pressões políticas e econômicas começaram a relaxar antes da hora.”
“Enfim, o isolamento é a única forma de evitar que o vírus circule. É uma doença de alto contágio, por exemplo, em março cada pessoa transmitia para outras três e assim íamos ficando em escala geométrica com o contágio. Para diminuir o contágio tem que ser menos de um, ainda não conseguimos e estamos em 1,3 e não conseguimos descer disso. Isso é extremamente preocupante.”
“É bom também deixar claro que não é o isolamento social que afeta a economia. O isolamento social é uma necessidade de controle de uma epidemia, logo, ela é que é a desarticuladora da sociedade e da economia.”
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