Minissérie Penitenciária II de Tremembé: Palco da sentença

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 Suzane von Richthofen, Daniel e Christian Cravinhos, retratados em ‘Tremembé’, cumprem penas por um dos crimes mais chocantes do país e hoje vivem em liberdade sob diferentes regimes. (imagem divulgação)

Nova minissérie do Prime Video recria, a partir de relatos e livros, o cotidiano da Penitenciária II de Tremembé, misturando fatos reais e ficção ao retratar criminosos famosos e a repercussão de um dos presídios mais emblemáticos do país

Com cinco episódios, ‘Tremembé’, minissérie brasileira do Prime Video, leva o espectador ao presídio onde cumpriram pena nomes, como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e os irmãos Cravinhos. (imagem divulgação)

@caroline_leidiane

Na era em que a dor é conteúdo e a culpa tem audiência, o crime se torna um gênero. “Tremembé”, minissérie brasileira lançada pelo Prime Video em 31 de outubro de 2025, não é apenas mais um produto de true crime — é um espelho, incômodo e fascinante, da sociedade que consome tragédias como narrativa de entretenimento.
A trama conduz o espectador para dentro da Penitenciária Dr. José Augusto César Salgado, mais conhecida como Penitenciária II de Tremembé (SP). Ali cumpriram pena figuras que o público aprendeu a reconhecer pelos rostos e manchetes: Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Anna Carolina Jatobá, Alexandre Nardoni, os irmãos Cravinhos, entre outros.
A série, dividida em cinco episódios, parte de fatos reais e se estrutura em conteúdos originários de livros e investigações do jornalista Ulisses Campbell, autor de “Suzane: Assassina e Manipuladora” e “Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido”.
Com roteiro assinado por Campbell, Vera Egito, Juliana Rosenthal, Thays Berbe e Maria Isabel Iorio, e direção de Vera Egito e direção episódica de Daniel Lieff, a produção da Paranoid em parceria com a Amazon MGM Studios reconstrói o cotidiano do “presídio dos famosos”, mesclando realidade e ficção em um mosaico sobre poder, vaidade, culpa e redenção.

Condenados pelo assassinato de Isabella Nardoni, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, retratados em ‘Tremembé’, cumprem pena em regime aberto desde 2023. (imagem divulgação)

Entre verdade e ficção
A série parte de fatos reais, mas adota uma roupagem dramatizada. A prisão retratada é real, e muitos dos personagens existiram; contudo, a narrativa interpõe tempos, imagina relações, cria triângulos de poder e intriga dentro da cadeia, com liberdade criativa para tensão dramática.
Por exemplo, a produção explora a hipótese de interação entre detentos célebres em momentos não documentados publicamente, essa convivência é mais ficcionalizada (mesmo que respaldada por documentos e relatos). Já os crimes de base, as condenações e muitos dos processos são factuais.
É preciso lembrar que a produção adotou um esquema especial para evitar possíveis processos por parte dos criminosos retratados e de seus familiares. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, uma equipe jurídica analisou o roteiro e auxiliou os roteiristas com orientações sobre como desenvolver a narrativa sem ultrapassar limites legais ou factuais relacionados aos eventos abordados.

Entre pena e liberdade
Segue panorama resumido atualizado (novembro 2025) sobre alguns dos personagens reais retratados:
Suzane von Richthofen interpretada por Marina Ruy Barbosa – Condenada a 39 anos e 6 meses por mandar matar os próprios pais em 2002. Está em liberdade condicional desde janeiro de 2023, retomou estudos de Direito, casou-se e teve um filho em janeiro de 2024.
Elize Matsunaga interpretada por Carol Garcia – Condenada por matar e esquartejar o marido em 2012. Recebeu pena de 19 anos, 11 meses e um dia em 2016 e teve a pena reduzida para cerca de 16 anos em 2019. Está em liberdade condicional desde 2022, reside em Franca (SP) e mantém atividade discreta confeccionando roupas e acessórios para pets.
Daniel & Christian Cravinhos interpretados por Felipe Simas e Kelner Macêdo – Condenados pelo assassinato dos pais de Suzane von Richthofen. Daniel com pena de 39 anos e Christian 38 anos. Ambos já progrediram para regimes mais brandos: Daniel em regime aberto desde 2018; Christian também em aberto desde 2025.
Anna Carolina Jatobá & Alexandre Nardoni interpretados por Bianca Comparato e Lucas Oradovschi – Condenados pelo assassinato de Isabella Nardoni (2008). Alexandre pegou 31 anos, 1 mês e 10 dias – pelo agravante de ser pai de Isabella, e Anna Carolina Jatobá, a 26 anos. Segundo reportagens, cumprem pena em regime aberto desde 2023/2024.
Roger Abdelmassih interpretado por Anselmo Vasconcelos – Ex-médico condenado a pena de 181 anos, 11 meses e 12 dias de prisão por estupros de pacientes; com mais de 80 anos de idade, segue preso em regime fechado no interior de SP.

Um dos momentos mais impactantes de ‘Tremembé’ é a reencenação da entrevista concedida por Suzane von Richthofen a Gugu Liberato, em 2015. À esquerda, a cena da série; à direita, as imagens reais exibidas no “Domingo Show”, da RecordTV. (imagem divulgação)

Entre espetáculo e cenário
Um dos momentos mais marcantes da série aparece no terceiro episódio: a recriação da entrevista que Suzane von Richthofen concedeu, em 2015, ao apresentador Gugu Liberato para o programa exibido pela RecordTV “Domingo Show”.
Na ocasião, Suzane aparecia ao lado da então companheira detenta Sandra Regina Ruiz (conhecida como “Sandrão”), e falou pela primeira vez em rede nacional sobre o crime que cometeu e sua rotina no presídio.
Na série, o momento é dramatizado para evidenciar a disputa de poder e atenção dentro de Tremembé: a entrevista vira vídeo-causa, gatilho para tensão entre Suzane e Sandrão dentro da cadeia.
Um episódio que levanta questões sobre imagem, mídia e o sistema prisional como palco de espetáculo.

Entre interessados e interessantes
“Tremembé” vai além do presídio que retrata. A série desnuda um fenômeno brasileiro que é o de transformar crimes em dramaturgia, criminosos em personagens e a punição em espetáculo.
Ao revisitar casos que moldaram o imaginário recente do país, a produção questiona o papel da mídia, da justiça e, sobretudo, do público: a quem interessa que esses rostos continuem expostos, anos depois das sentenças?
Entre a necessidade de compreender o mal e a curiosidade de consumi-lo, é possível que o espectador fique cara a cara com suas próprias sombras. O presídio, na narrativa, torna-se metáfora de um sistema maior, o da opinião pública, da moral coletiva e do entretenimento que se disfarça de catarse.
No fim, “Tremembé” não fala apenas sobre os condenados que um dia ocuparam aquelas celas, mas sobretudo do desejo social de vê-los, ainda e sempre, em exibição.
Um exemplo concreto dessa curiosidade coletiva está nas próprias buscas do Google: ao digitar o nome de qualquer “personalidade criminosa”, um dos primeiros resultados sugeridos pelo algoritmo é “como está hoje?”. A pergunta, repetida milhares de vezes, revela não apenas o interesse em saber o destino dos condenados, mas a permanência deles no imaginário popular, como se o esquecimento fosse uma pena impossível de cumprir.
“Tremembé” também vai além dos crimes que encarcera. A obra expõe o paradoxo de uma sociedade que transforma a punição em espetáculo e mantém vivos, na vitrine da mídia, os mesmos rostos que diz querer esquecer.

Ficha técnica
Título: Tremembé
Plataforma: Prime Video
Estreia: 31 de outubro de 2025
Direção: Vera Egito, Daniel Lieff
Roteiro: Ulisses Campbell, Vera Egito, Juliana Rosenthal, Thays Berbe e Maria Isabel Iorio
Produção: Paranoid / Amazon MGM Studios
Elenco: Marina Ruy Barbosa, Carol Garcia, Letícia Rodrigues, Bianca Comparato, Felipe Simas, Kelner Macêdo, Anselmo Vasconcelos, Lucas Oradovschi