Por Zeca Pontes –
Querido diário, estou aqui tentando ver filmes nesta quarentena de solidão, mas não consigo ver um filme inteiro, de uma única vez. Normalmente desisto lá pelo meio. Já vi muitos filmes e posso garantir que gostava de ver, mas agora, não sei o que deu. Na verdade, o cinema parece que sempre quis pregar peças em mim. Uma vez, em São Paulo, num desses cinemas que têm várias salas, uma ao lado da outra, entrei pra ver um filme que me fora indicado, mas entrei em sala errada. Era outro filme. Adorei. Foi um dos melhores filmes que vi na vida.
Sou um pouco desastrado, você sabe, meu amigo e querido diário, mas acontece muita coisa comigo, sem o meu comando. Certa vez, também em São Paulo, tive uma amiga cinéfila e íamos ao cinema três ou quatro vezes por semana. Ela assistia o mesmo filme várias vezes. Vi muitos filmes e gostei de todos. Não sei se por causa das histórias ou pela companhia. Constatei também que companhias merecem filmes corretos. Certa vez convidei uma menina para ver o filme Flauta Mágica, eu estava com segundas (ou terceiras) intenções. Mas dormi e só acordei no final com ela me chamando. Foi um vexame.
Mulher e cinema nunca dão certo, pelo menos comigo. Em Manaus, combinei com uma garota de nos encontrarmos em uma festa. Ela estava de olho em mim e eu nela. A minha ansiedade fez com que saísse de casa muito cedo. Passando em frente a um cinema, resolvi entrar. Era um filme do Costa Gavras, muito triste, muito forte. Os brancos soltavam negros na floresta e saiam à caça. Fiquei muito chocado. Terminado o filme não consegui ir para a festa. Fui para casa. A garota não quis mais conversar comigo. Nem mesmo com meus fortes argumentos.
Mas acho que o que me fez afastar das salas de cinema foi quando tinha um Niva, aquele jipinho russo que só quem está fora das suas capacidades mentais tem coragem de comprar. Pois eu comprei. E um dia, sem ter o que fazer, resolvi ir ao cinema. Fui no Riopreto Shopping quando ainda não havia acontecido aquela série de ampliações. O estacionamento era cercado de alambrado com um grande portão. Entrei, estacionei o carro e fui ver o filme.
Não me lembro qual era o filme. Isto também pouco importa. Só sei que quando saí, havia uma multidão na porta do shopping. Perguntei o que havia acontecido e alguém me explicou:
– Um idiota estacionou o carro no meio da rua.
Havia uma rua praticamente sem movimento, entre o estacionamento e o shopping. Concordei prontamente:
– O que não falta neste mundo é idiota.
Resolvi deixar os curiosos amontoados e me dirigi até o meu carro. Quando atravesso a porta, olho na rua e penso:
– Nossa é um Niva igual ao meu.
Não era igual, era o próprio. Olhei rapidamente para trás, peguei a chave no bolso, entrei no carro e parti. Eu não havia puxado o freio de mão corretamente e ele deslizou no cimento do estacionamento, passou milagrosamente pelo portão e se acomodou no meio da rua. Sorte que não houve vítimas.
Pensando bem aqui, meu querido diário, acho que algo me avisa constantemente que devo partir para outros temas, outras maneiras de passar o dia, outras formas de me instruir. Pra mim, acho que ler é mais seguro.