Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ômicron contamina cem pessoas a cada três segundos no mundo.
Estudos têm sugerido que essa linhagem do novo coronavírus é de fato menos agressiva que as anteriores, entre outros fatores, por ter uma capacidade menor de invadir o epitélio pulmonar. Por outro lado, a maior afinidade com as células das vias aéreas superiores parece ter conferido à ômicron um poder de disseminação que tem sido comparado ao do sarampo – um dos patógenos mais contagiosos já descritos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ômicron contamina cem pessoas a cada três segundos no mundo.
No Brasil isso tem se refletido em recordes sucessivos de casos diários de COVID-19. Somente no sábado (29/1), de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, foram registradas 207.316 novas infecções. A média móvel de casos nos sete dias anteriores foi de 183.896 – 165% maior do que a registrada há duas semanas.
Para especialistas ouvidos pela Agência FAPESP, o fato de o número de internações e mortes por COVID-19 não estar crescendo na mesma proporção deve-se mais à imunidade prévia da população – seja pela vacinação ou por infecções anteriores – do que às características intrínsecas do vírus.
“Nos indivíduos não vacinados a doença não é tão leve, podendo causar óbitos e lesões importantes. A questão é que esse vírus tem encontrado um hospedeiro diferente, que já não é virgem de exposição”, afirma o médico Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Esta também é a opinião de Elnara Negri, pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. “É uma variante muito parecida com as anteriores. A questão é que no Brasil a gente tem a felicidade de ter uma população com uma boa cobertura vacinal. O único paciente que precisei intubar nesta onda, até o momento, não era imunizado. E ele desenvolveu uma pneumonia por SARS-CoV-2 com trombose de microcirculação clássica. Na grande maioria dos atendidos a doença teve um curso bom e considero a vacina a grande responsável”, diz.
Em parceria com os colegas do Departamento de Patologia da FM-USP, entre eles Saldiva, Negri foi uma das primeiras pessoas no mundo a levantar a hipótese de que distúrbios de coagulação sanguínea estariam na base dos sintomas mais graves da COVID-19 – entre eles insuficiência respiratória e fibrose pulmonar (leia mais em: agencia.fapesp.br/33175/ e agencia.fapesp.br/37076/). Ela ressalta que mesmo entre pessoas vacinadas, principalmente em idosos e indivíduos com comorbidades, a ômicron pode causar coagulopatia.
“Se ao redor do sexto dia de sintomas, em vez de melhorar, o paciente começar a ter febre, dor lombar e uma piora no cansaço ou mal-estar é hora de ir ao médico e colher exames para ver se há coagulopatia”, alerta.
O infectologista Esper Kallás, da FM-USP, destaca que nos locais em que a cobertura vacinal é mais baixa o número de hospitalizados por COVID-19 tem aumentado de forma significativa. Um exemplo é o Distrito Federal, onde a taxa de ocupação dos leitos nas unidades de terapia intensiva (UTIs) atingiu novamente 100%. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do DF, 90% dos internados por COVID-19 não se vacinaram ou estão com a imunização incompleta. Em outros seis Estados – Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte – a ocupação nas UTIs está acima de 80%. No caso das UTIs pediátricas a situação já é crítica em pelo menos três Estados: Mato Grosso do Sul, Maranhão e Rio Grande do Norte.
A tendência também é de alta no número de mortes: foram 695 no sábado, totalizando 626.643 óbitos desde o início da pandemia. A média móvel de mortes aumentou 243% em relação a duas semanas atrás.
Voo às cegas
Os especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a escassez de testes para diagnóstico e o apagão de dados no Ministério da Saúde – causado por um suposto ataque hacker ocorrido no dia 10 de dezembro – têm dificultado avaliar com precisão como a onda da ômicron está evoluindo no país.
“A gente está meio perdido em relação à taxa de letalidade, por exemplo, que é uma informação importantíssima e que pode ajudar a convencer as pessoas a se vacinar”, diz Saldiva.
Segundo o pesquisador, o problema também é reflexo do baixo investimento em vigilância epidemiológica nos Estados. “No auge da pandemia, a falta de recursos humanos foi suprida aqui no Estado de São Paulo pela comunidade acadêmica, que trabalhou de forma voluntária. Mas as equipes agora se desmobilizaram”, conta.
Na semana passada, segundo pesquisadores do Imperial College London (Reino Unido), a taxa de transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil chegou a 1,78 – o maior índice desde julho de 2020. Isso significa que cada cem pessoas infectadas estão transmitindo o vírus para outras 178. O grupo britânico não calculava o índice para o Brasil desde dezembro de 2021, devido ao apagão de dados no Ministério da Saúde.
Estimativas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, apontam que o Brasil pode atingir o pico de 1,3 milhão de infectados por dia pela COVID-19 em meados de fevereiro. As projeções incluem não só casos positivos confirmados, mas também estimativas de quem se infectou e nem chegou a testar.
O que mudou
Na primeira onda da pandemia, em 2020, a perda de olfato e paladar era considerada um dos principais indícios de infecção pelo SARS-CoV-2. Negri conta que esse sintoma já não tem sido observado e, por outro lado, a dor de garganta passou a ser algo bem mais recorrente. “Febre e tosse ainda são comuns. Alguns pacientes também apresentam diarreia”, relata.
A pediatra Ana Escobar relata algo parecido entre as crianças, a maioria ainda não vacinada. “Começa em geral com uma dor de garganta, depois febre – que pode chegar a 39 oC e durar dois ou três dias –, dor de cabeça e no corpo. Lá pelo quarto dia a criança já está bem. Às vezes a tosse se mantém até o décimo dia”, conta.
Embora nessa população a apresentação da doença não tenha mudado de forma significativa, destaca a médica, a quantidade de crianças acometidas é proporcionalmente muito maior com a ômicron. “Então é normal que aumentem também as internações, principalmente entre aquelas que têm alguma patologia de base, como doenças pulmonares crônicas, reumatológicas ou câncer.”
Werther Brunow de Carvalho, coordenador das UTIs pediátricas e neonatais do Instituto da Criança, vinculado ao Hospital das Clínicas da FM-USP, ressalta que a ômicron – assim como as cepas anteriores – pode causar síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), condição caracterizada por febre persistente e inflamação em diversos órgãos, como coração, intestino e pulmão.
“O percentual de crianças que desenvolve a síndrome é menor com a ômicron, mas pode acontecer. E por isso não há dúvida de que devemos vacinar”, afirma Carvalho.
O médico conta que no Hospital Santa Catarina, onde também atua, o número de crianças atendidas com sintomas de infecção respiratória dobrou em janeiro em relação ao mês anterior. “Além do SARS-CoV-2, há casos de influenza, rinovírus, parainfluenza e vírus sincicial respiratório”, conta.
As gestantes e as puérperas seguem sendo uma das populações de maior risco para as formas graves da COVID-19, informa a obstetra Rossana Pulcineli, professora da FM-USP e integrante do Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr). Dados divulgados pelo grupo no ano passado, antes da chegada da ômicron, apontam que a chance de óbito de uma gestante não vacinada é 526% maior do que a de uma completamente imunizada.
“Entre as hospitalizadas sem vacina, 15% faleceram. O número cai para 9% entre as que receberam uma dose do imunizante e para 3% entre as com o esquema vacinal completo”, conta.
Segundo a médica, embora a ômicron cause quadros mais leves, principalmente nas gestantes imunizadas, o número de internações por síndrome gripal voltou a crescer nessa população, passando de 147 em novembro para 1.643 em janeiro, segundo os dados mais recentes do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). Entre as hospitalizadas, 43,5% têm diagnóstico confirmado de COVID-19, 4,8% de gripe (influenza H3N2) e em 51,6% a causa não foi definida, o que reflete a baixa disponibilidade de testes para diagnóstico.
“Já é sabido que gestante responde mal à influenza e não houve monitoramento nenhum quando os casos começaram a aumentar. Ficamos semanas sem dados atualizados em um momento crítico como este”, diz Pulcineli, que também ressalta a importância de as gestantes tomarem a terceira dose da vacina.
No que se refere a tratamentos com eficácia comprovada, Kallás conta que já há dois aprovados para uso no país: o antiviral remdesivir e os anticorpos monoclonais. “Mas são medicamentos caros e não tem sido feito um esforço por parte do governo para torná-los acessíveis à população”, conta.
*Informações/Governo de SP