Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Nos recreios de hoje, as Fake News correm mais rápido que as crianças, cruzam o pátio, escalam o escorregador e chegam à sala de aula cheias de “verdades” tortas. Entre um lanche e outro, o professor descobre que, além de alfabetizar, precisa ensinar a duvidar, missão heroica num mundo que acredita em qualquer coisa com um bom filtro digital.
Dizem que Fake News é coisa de adulto, grupo da família, corrente no WhatsApp, político desesperado por voto. Mas basta passar um recreio com uma turma de 8 anos para perceber que a desinformação já aprendeu a escorregar no escorregador, disputar a bola no campinho e até pedir um lanche na cantina. Outro dia, ouvi um aluno anunciar com a segurança de um especialista da internet que se beber água depois de comer manga, a pessoa explode. Pronto, lá estava eu, professor, disputando com gerações de memes, lendas urbanas e tutoriais aleatórios de “como virar lobisomem com 8 passos simples”.
Há um mito insistente de que “Fake News na escola” é só quando alguém inventa que a professora vai reprovar metade da turma ou que a merenda acabou porque o diretor comeu tudo, mas é muito mais profundo. É o modo como as crianças interpretam o mundo quando crescem cercadas por telas que piscam mais rápido do que nossas perguntas.
Afinal, como competir com o Google, que responde antes mesmo da pergunta ser formulada? O aluno mal levanta a mão e já anuncia: “Prof, eu pesquisei aqui e você explicou errado.” Eu, que passei anos estudando, me vejo refém do algoritmo que, aliás, às vezes erra feio, mas erra com confiança.
O impacto das tecnologias digitais chegou à sala de aula como um vendaval, arrasta livros, embaralha certezas, e vira tudo do avesso como quem mexe na gaveta da cozinha. As crianças deslizam o dedo na página do livro achando que vai ampliar, elas querem a verdade em forma de notificação, uma explicação em 30 segundos e o mundo ao alcance do polegar, e nós, professores, seguimos tentando ensinar que a realidade não tem botão de “atualizar agora”.
O mais curioso é que, mesmo diante desse cenário, ainda se espera que o professor dê conta sozinho de ensinar pensamento crítico, leitura, análise, empatia, cidadania digital… tudo isso sem formação adequada, sem políticas públicas consistentes e, às vezes, sem sequer um wi-fi que preste.
A escola virou um campo de batalha onde guerreiro vai de caneta na mão e armadura improvisada, enfrentando dragões invisíveis disfarçados de desinformação, viralização e superficialidade.
Confesso às vezes bate aquela sensação amarga de estar construindo castelo de areia enquanto a maré das Fake News avança, parece que todo mundo tem uma opinião pronta, um vídeo “prova definitiva”, uma frase feita. As crianças chegam com as certezas emprestadas dos adultos, dos youtubers, dos comentários que elas nem deveriam ter idade para ler, e nós estamos lá, respirando fundo, explicando pela quinta vez que nem tudo o que aparece na internet é verdade e que se alguém “viu num vídeo” não significa que o mundo vai acabar amanhã.
Ensinar profundidade num oceano raso cansa, as s vezes até dói, quase sempre dá a sensação de remar contra uma correnteza que não sabemos de onde vem.
Mas, existem as pequenas vitórias, sempre existem. Como o dia em que uma aluna disse, com brilho nos olhos:
— Professor, antes de acreditar, eu resolvi pesquisar em três lugares diferentes, como você ensinou!
Ou quando outro me chamou no cantinho do recreio e confessou que tinha dúvidas sobre um “vídeo importante” que recebeu e que preferiu conversar antes de compartilhar, esses detalhes que sustentam o professor. Não é reconhecimento público, nem um “tapinha nas costas” da coordenação, nem o salário (embora esse último sempre ajude, ainda mais quanto se paga o justo). É essa centelha discreta de entendimento que acende no olhar de uma criança quando ela percebe que pensar dá trabalho, mas vale a pena.
Ensinar sobre Fake News aos pequenos não é só combater mentiras, é alfabetizar para a vida e mostrar que a verdade não se entrega pronta e que a leitura é uma bússola. Onde perguntar é melhor do que repetir, duvidar é sinal de inteligência não de fraqueza. Resumindo, é resistir, todos os dias, com paciência de quem planta árvore em terreno árido.
No fim de cada aula, quando fecho a porta e recolho os cadernos espalhados, me pergunto se estou fazendo diferença ou apenas enxugando gelo. Mas aí lembro que a educação sempre foi assim, uma obra lenta, quase teimosa, que insiste em florescer mesmo quando o mundo parece preferir o atalho.
E talvez a grande pergunta para mim, para você e para quem ainda acredita na escola seja esta: Quem vai ensinar nossos pequenos a duvidar do que parece tão fácil acreditar?





