Entre tecidos: a gordura que dói

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Prevalente em cerca de 12,3% das mulheres brasileiras, o lipedema é frequentemente confundido com outras condições; embora raro, pode atingir homens. (imagem reprodução)

Lipedema é uma condição crônica ainda subdiagnosticada que afeta milhões de mulheres. A esteta Ana Luisa Saura Stefanin explica os impactos da doença e como os avanços estéticos têm contribuído para aliviar sintomas e ampliar a qualidade de vida

Ana Luisa Saura Stefanin é esteta especializada em saúde integrativa e estética avançada, com 25 anos de atuação na área. (foto arquivo pessoal)

 

@caroline_leidine

Descrito pela primeira vez em 1940, pelos médicos Edgar Van Nuys Allen e Edgar Alphonso Hines Jr., o lipedema permaneceu, por décadas, como um diagnóstico periférico na medicina. Somente em 2019 a Organização Mundial da Saúde passou a reconhecê-lo oficialmente como uma doença distinta e, em 2022, a condição foi incorporada à 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), marco que consolidou sua legitimidade clínica e evidenciou a necessidade de cuidados específicos.

No Brasil, a Associação Brasileira de Lipedema destaca que, em pesquisa realizada com uma amostra representativa de mulheres brasileiras, a prevalência estimada chegou a 12,3%, número compatível com estimativas internacionais que variam entre 10% e 11% da população feminina adulta. O levantamento também aponta que o lipedema segue amplamente subdiagnosticado e frequentemente confundido com obesidade ou linfedema, o que contribui para a provável subestimação dos índices reais. Embora extremamente raro, o lipedema também pode se manifestar em homens.

Para a esteta especializada em saúde integrativa e estética avançada, Ana Luisa Saura Stefanin — que atua há 25 anos na área — esse cenário exige um olhar estético que ultrapasse a noção tradicional de contorno corporal.

“O lipedema é uma doença crônica, inflamatória e progressiva, caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura em pernas, quadris e, em alguns casos, braços. A condição tende a piorar de acordo com os ciclos hormonais, inclusive na menopausa”, explica.

Ela reforça que essa gordura alterada não responde a estratégias clássicas de emagrecimento.

“É uma gordura inflamatória crônica que apresenta dor ao toque, sensibilidade aumentada, hematomas frequentes, fibrose, edema que piora ao longo do dia, dificuldade de perda de volume mesmo com dieta e exercício, e uma desproporção corporal evidente”, diz.

Muitas mulheres que se dedicam a treinos e dietas enfrentam um corpo que não “cede” e, em determinados casos, isso não tem relação com esforço, mas sim com alteração estrutural do tecido adiposo. No consultório estético, Stefanin observa que as queixas mais frequentes reúnem questões visuais e funcionais: aumento de volume sem causa aparente, sensação de peso ou queimação, celulite nodular, pernas volumosas com tornozelos finos, dificuldade de mobilidade, marcas profundas de roupas e inchaço ao fim do dia.

“São sinais estéticos que levam mulheres ao consultório e indicam que talvez não seja apenas gordura, mas um sinal de que o tecido está alterado”, afirma.

Para ela, a avaliação estética precisa ter função investigativa e sensível. “Observo a distribuição da gordura, a textura do tecido — se macio, nodular ou fibrótico —, verifico dor à palpação, grau de edema, histórico familiar, desproporção corporal e uso fotobiometrias de comparação. Com todos esses elementos conseguimos sugerir o grau clínico, entender a progressão da doença e montar protocolos individualizados”, detalha.

Essa leitura faz a estética avançar do “volume que incomoda” para o “volume que comunica”, considerando que o corpo expressa sinais de inflamação, alterações circulatórias e mudanças na qualidade do tecido.

“Muitas pacientes dizem que treinam, se alimentam bem, mas a perna não muda — e, ao mesmo tempo, convivem com dor, hematomas e um tecido que parece diferente. Esse conjunto de fatores precisa ser ouvido com atenção”, reforça.

Segundo ela, o aumento de volume é simultaneamente visual e funcional. “O volume aumentou, a celulite acentuou-se, a pele está irregular, há fibrose palpável. Mas também há dor e limitação. A estética precisa reconhecer essa dualidade”, afirma.

Quando fala sobre estilo de vida, Stefanin é assertiva: embora alimentação e exercícios não curem o lipedema, são essenciais para reduzir inflamação e melhorar o conforto corporal. Ela recomenda alimentação anti-inflamatória, exercícios de baixo impacto adaptados ao caso, hidratação regular, drenagem linfática específica, sono adequado e controle do estresse.

Na clínica, Stefanin associa diferentes recursos ao cuidado: drenagem linfática específica, pressoterapia, ultrassom terapêutico não cavitacional, laser infravermelho/fotobiomodulação, massagem desinflamante leve, endermoterapia suave, terapias manuais descongestivas e produtos tópicos com ativos anti-inflamatórios. Entre as técnicas, destaca o protocolo “crosslipe”, que combina pressurização com ativos anti-inflamatórios e exercícios específicos para o lipedema.

“Esses tratamentos auxiliam no alívio dos sintomas e no manejo do volume corporal, mas não substituem o acompanhamento médico e terapêutico”, observa.

Tecnologias complementares também ampliam o cuidado: a radiofrequência estimula o colágeno e reduz dor e rigidez; o laser/LED atenua a inflamação e favorece a oxigenação dos tecidos; e a pressoterapia impulsiona a drenagem linfática, trazendo alívio para a sensação de peso.

“Essas tecnologias não substituem o tratamento principal, mas potencializam os resultados da drenagem manual especializada”, acentua ela.

Antes de qualquer protocolo, a esteta reforça a necessidade de cautela: casos com suspeita de trombose, varizes importantes, infecções de pele, doenças circulatórias ou autoimunes descompensadas, hipersensibilidade severa e gestação exigem avaliação rigorosa.

“Drenagem para lipedema não pode deixar roxo e superdolorido. É uma drenagem mais tranquila, com pontos específicos. Evito calor excessivo — mantas térmicas ou saunas podem agravar o quadro — e respeito a dor da paciente”, orienta.

Além do tratamento em consultório, a rotina domiciliar sustenta os resultados: hidratação, automassagem leve, mobilização diária, uso de meias compressivas e alimentação anti-inflamatória ajudam a estabilizar o tecido.

“Quando a paciente adere à rotina domiciliar, os tratamentos em clínica têm muito mais sentido, os resultados se mantêm”, observa.

Ao tratar das expectativas, Ana Luisa enfatiza que o lipedema exige continuidade. “O lipedema é uma condição crônica e progressiva. O objetivo do tratamento estético é reduzir dor, controlar edema, melhorar qualidade do tecido, diminuir desconfortos e modelar suavemente o contorno corporal. Reforço que não existe cura, mas existe tratamento com grande melhora funcional e visual. O uso das tecnologias é eficaz, mas não se trata de milagre, o progresso se constrói”, afirma.

O avanço científico tem ampliado o entendimento sobre a doença, demonstrando seu forte componente genético e hormonal, a presença de inflamação crônica de baixo grau e alterações no tecido conectivo e na matriz extracelular. Esse reconhecimento permite que cada vez mais mulheres compreendam que não se trata de falta de esforço, mas de uma condição crônica que exige cuidado contínuo.

A estética especializada, nesse processo, contribui para aliviar sintomas, melhorar a qualidade do tecido e promover bem-estar, mas o diagnóstico e o acompanhamento médico permanecem essenciais para orientar o tratamento adequado. À medida que a informação se difunde, abre-se caminho para um cuidado mais preciso e humanizado.

“O corpo fala através do tecido. A estética, quando humana e atenta, sabe ouvir”, conclui Ana Luisa Saura Stefanin.