Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Se existe alguém nesse Brasil que acorda antes do sol, prepara o café, dá um beijo apressado nos filhos (isso se tiver filhos), coloca o coração no bolso da calça e segue pra batalha, esse alguém é o professor. E não falo de qualquer batalha, não. Falo de uma guerra silenciosa, diária, travada nos corredores estreitos das escolas públicas, nas salas superlotadas, nos planejamentos esquecidos no fundo da mochila e, principalmente, dentro de si mesmo.
Ser professor no Brasil é ser malabarista, equilibrista, psicólogo, assistente social, mãe, pai, enfermeiro, conselheiro e, com sorte, educador. É vestir a capa de super-herói sem direito a folga, sem bônus, sem reconhecimento e, às vezes, sem esperança. Mas ainda assim… seguem. Seguem firmes. Seguem fortes. Seguem por amor, por vocação, por teimosia bonita. E é sobre isso que vamos conversar hoje: sobre essa gente linda, cansada, potente e sobrecarregada que carrega a educação nas costas, mesmo quando o mundo insiste em virar as costas para eles.
Falar sobre professores é falar sobre as múltiplas faces da sobrevivência escolar. Quando eu entrei pela primeira vez numa sala de aula da Educação Infantil, me senti gigante. Era como se o mundo tivesse parado para ouvir o que eu tinha a dizer. Mas bastaram dois minutos para entender que, para além da docência, eu precisava ser mágico para transformar giz em motivação, ser músico para acalmar corações, ser médico para lidar com machucados e febres emocionais, ser psicólogo para entender as ausências nos olhares e, claro, ser professor. Tudo isso com um salário que mal paga o desgaste emocional no final do dia.
Agora imagine essa realidade estendida aos anos iniciais do Ensino Fundamental. A professora que ensina a ler também é a que limpa o chão, que leva comida para um aluno que não almoçou, que compra lápis do próprio bolso, que enfrenta pais agressivos, mentirosos e direções omissas. Tudo isso com um sorriso no rosto e o coração esfarelado. Isso, meu amigo leitor, não é só sobrecarga. Isso é resistência.
Uma rotina esmagadora na verdade. Você já viu uma professora da rede pública chegando em casa depois de um dia de trabalho? Os pés inchados. A voz rouca. As olheiras que contam mais do que qualquer boletim de desempenho. A cabeça fervendo com os “tem que” que nunca acabam: tem que planejar, tem que corrigir, tem que preencher formulário, tem que registrar ocorrência, tem que ouvir a mãe do aluno que falta, que não faz a lição, que brigou na escola, tem que acalmar o aluno que apanhou, tem que sorrir, tem que não adoecer. Tem que. Sempre tem que.
E quando, entre um “tem que” e outro, a saúde mental começa a dar sinais de esgotamento, o mundo parece cochichar: “Mas você só dá aula, né?” Ah, se soubessem que as noites, os sábados e os domingos do professor são tomadas por correções, formações obrigatórias, relatórios intermináveis e, quando dá tempo, crises de ansiedade silenciosas.
Pensando assim, chego a conclusão de que a saúde mental não é luxo, é sobrevivência. Já vi colegas chorando no banheiro da escola, trancados, tentando conter o choro para não assustar os alunos. Já vi professores medicados, tentando equilibrar a sanidade com a paixão de ensinar. Já vi afastamentos por depressão aumentarem em proporções assustadoras. Já vi também o julgamento cruel de quem nunca pisou numa sala de aula, dizendo: “Mas ela é fraca, não aguenta pressão”.
Não, minha gente. Não é fraqueza. É exaustão. Exaustão de quem se doa além do corpo. De quem vive para garantir que uma criança, ainda que em meio ao caos, aprenda a ler o próprio nome e a escrever a sua história.
E o cuidado, se tornou um ato político? Falar de saúde mental para professores não é mimimi, é necessidade. Cuidar da saúde emocional dos nossos educadores é um ato político, revolucionário até. É garantir que aquele que ensina o futuro não se perca no presente. E como se faz isso?
Com apoio real, não com flores no dia do professor. Com psicólogos nas escolas, com jornadas humanizadas, com salários dignos, com formações que respeitem o tempo do professor. Com escuta e empatia. Com política pública de verdade, não com discursos prontos.
E, acima de tudo, com a compreensão de que professor saudável é sinônimo de aluno feliz. E que a sala de aula, mais do que um espaço de ensino, é um território de afetos, e ninguém sustenta afetos de pé com a alma em ruínas.
Mas nem só de dor vive o professor, pois, apesar de tudo, há uma força que não cabe em palavras. Uma luz que resiste mesmo na escuridão. Já reparou no brilho no olhar de uma professora quando um aluno diz: “Tia, eu consegui ler sozinho”? Já sentiu a vibração na pele quando uma criança levanta a mão e diz com orgulho: “Eu aprendi!”?
É nesse instante que tudo vale. É nesse instante que as dores se escondem. É por esses segundos que muitos professores seguem. É por esses olhares que renascem todos os dias.
Conheço professores que transformam papelão em brinquedo, que criam teatro com meia velha, que ensinam valores com música, que abraçam com os olhos, que mudam destinos. Gente que não tem crachá de herói, mas salva vidas todos os dias.
A coragem de não desistir vem junto no pacote de quem se forma professor. Quem olha de fora talvez nunca entenda. Mas os professores, esses seres de resistência poética, têm uma coragem que impressiona. Coragem de entrar em sala de aula mesmo sem saber se haverá merenda. Coragem de ir trabalhar mesmo com dor. Coragem de sorrir enquanto o mundo desaba por dentro. Coragem de lutar por uma educação melhor, mesmo quando ninguém mais acredita.
E essa coragem vem do amor. Mas não daquele amor romantizado que aceita tudo, afinal somente amor não paga as contas. Vem de um amor que se indigna, que grita, que protesta, que transforma.
Mas, e aí? Como equilibrar a rotina e cuidar da saúde mental nesse cenário tão adverso?
Primeiro, precisamos entender que o autocuidado não é egoísmo, é sobrevivência. O professor precisa, sim, dizer não. Precisa aprender a estabelecer limites, mesmo que o sistema diga o contrário.
Segundo, precisamos cobrar políticas públicas sérias. Não dá mais para naturalizar o adoecimento do professor. Chega de tratar burnout como frescura. Chega de romantizar a precarização.
Terceiro, precisamos criar redes de apoio entre colegas. A escola não pode ser um campo de competição, mas um espaço de acolhimento. Que tal criar rodas de conversa, pausas para o café, escutas reais?
E, por fim, é preciso redescobrir o prazer de ensinar. Lembrar dos porquês. Resgatar a paixão, mas sem se esquecer de si.
Acreditem se quiser, mas a força que move o Brasil, vem do professor, sim, a educação está doente. Mas os professores, mesmo cansados, continuam sendo a força que move o Brasil. Eles são a ponte entre o caos e a esperança. São os olhos atentos que enxergam além da falta. São o coração pulsante de um país que ainda pode sonhar.
Eles não desistem. Nunca. E talvez por isso, a gente ainda não tenha afundado de vez.
Você que está lendo esse texto agora, exausto, talvez no intervalo do recreio, ou na van a caminho da escola, ou em casa depois de um dia puxado… respira. Se permita. Se acolha.
Você é importante. Você é necessário. Você transforma mundos mesmo quando sente que está se desfazendo.
Não se esqueça de si por causa do outro. Cuide de você com o mesmo zelo com que cuida da sala de aula. Você também merece descanso, merece cuidado, merece amor.
E lembre-se sempre: você não está só. Somos milhares. Milhões. Somos resistência coletiva.
Eu penso que o mundo sempre será grato a quem ensina, mas quase nunca saberá agradecer. Por isso, que o seu aplauso venha de dentro. Que sua força não dependa do reconhecimento externo. E que você jamais esqueça: quem educa, também precisa ser cuidado.
Até o próximo texto, com o coração cansado, mas esperançoso. Porque quem é professor nunca desiste… apenas respira fundo e recomeça.