Enfermidade não é sinônimo de falta de qualidade de vida

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O médico paliativista é o profissional que cuida de pacientes com doenças que ameaçam a existência. Nesta entrevista, a especialista dra. Ana Paula responde a questões sobre o tema e esclarece que as medidas paliativas são feitas em conjunto com outros profissionais

 @leidiane_vicente

Apesar das numerosas buscas no Google sobre temas que envolvam a saúde, não há nada mais confiável que o médico. É só este profissional que é capacitado para diagnosticar, tratar e curar pessoas doentes ou prevenir patologias. Portanto, é ele quem solicita exames, prescreve medicamentos e em alguns casos realiza procedimentos cirúrgicos.

Em entrevista especial ao jornal Diário de Votuporanga, a médica clínica e paliativista dra. Ana Paula Simielli E Lino Fernandes conta tudo sobre cuidados paliativos, desde a função do médico especialista até como funciona o tratamento para além da medicalização. Em primeira mão, ela também fala sobre um futuro próximo, onde os pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde) poderão requerer este tipo de assistência.

Diário de Votuporanga: O que faz um médico paliativista?

Dra. Ana Paula Simielli E Lino Fernandes: O médico paliativista cuida de pacientes com doenças ameaçadoras da vida, com o objetivo de levar alívio de sofrimento e qualidade de vida para os pacientes e seus familiares.  Este especialista não atua sozinho, ele necessita de uma equipe multidisciplinar para poder atender e dar uma melhor assistência. Entendemos que o sofrimento é multidimensional (físico, emocional, espiritual e social), o que pode ser melhor abordado e tratado em equipe. Fazem parte da equipe: fisioterapeuta, assistente social, terapeuta ocupacional, enfermeiro, psicólogo, capelão, fonoaudiólogo e nutricionista. Podendo ter outros profissionais também se necessário.

DV: Quais são as doenças que exigem cuidados paliativos?

Dra. Ana Paula: Todas as doenças que ameacem a vida do paciente, por exemplo as cardíacas, pulmonares, oncológicas, renais, neurológicas, hepáticas, infecciosas, hematológicas e reumatológicas. Em geral, doenças crônicas, com as quais os pacientes irão conviver ao longo da vida, podendo ter impacto na sua qualidade de vida conforme a evolução e sintomas por elas ocasionados.

DV: Além do paciente paliativo, os cuidados também são direcionados para mais pessoas?

Dra. Ana Paula: Diante de um diagnóstico de doença, sabemos que além do paciente, os familiares também são afetados, portando é primordial que a assistência seja também aos familiares e cuidadores.

DV: Quando um paciente pode pedir cuidados paliativos?

Dra. Ana Paula: Quando tiver uma doença grave, progressiva, ameaçadora da vida, em qualquer fase de doença, independentemente da idade e diagnóstico.

DV: Quanto tempo dura o tratamento paliativo?

Dra. Ana Paula: O tratamento pode durar o tempo necessário para o paciente e seus familiares, podendo se estender após o óbito, com assistência ao luto.

DV: Quais são as medidas medicamentosas para pacientes em tratamento paliativo?

Dra. Ana Paula: As medidas farmacológicas dependerão dos sintomas apresentados. Sabemos que os sintomas mais prevalentes encontrados em paciente em acompanhamento com equipe de cuidados paliativos são dor e dispneia (falta de ar). Comumente, usamos medicações opioides, como a morfina. O seu uso também é um desafio para os especialistas, diante do estigma e preconceitos com ela. É uma medicação segura quando usada corretamente, que não tem impacto na sobrevida do paciente, algo muito bem estabelecido em estudos científicos.

DV: Além da medicação, quais outros recursos são utilizados no tratamento paliativo?

Dra. Ana Paula: Apoio psicológico, espiritual, fisioterapia, fonoaudiologia, técnicas de economia de energia e alívio de dor, acupuntura, cromoterapia entre muitas outras.

DV: De que maneira um paciente que vai começar o tratamento paliativo deve ser abordado pelo médico paliativista?

Dra. Ana Paula: A abordagem inicial do médico paliativista visa conhecer o paciente em todas as suas esferas, entendendo seus desejos, princípios e assim, progressivamente, ir construindo em conjunto um planejamento de cuidados, respeitando todas essas características individuais.

DV: Com os cuidados paliativos, é possível que o paciente viva com mais qualidade de vida?

Dra. Ana Paula: O objetivo dos cuidados paliativos é que o paciente viva o maior tempo possível com qualidade.

Alguns dos princípios da especialidade são:

– Reafirmar a vida e entender a morte como um processo natural;

– Dar suporte para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível até a sua morte.

DV: Fale sobre a Política Nacional de Cuidados Paliativos do SUS.

Dra. Ana Paula: Em maio de 2024, foi publicado no Diário Oficial da União uma política pública a qual tem a intenção de ampliar a assistência e acesso a equipes de cuidados paliativos para todos os brasileiros, melhorando a qualidade de vida e morte. Sabemos que o Brasil é um dos piores países do mundo para se morrer. Estatística que desejamos eliminar, e isso se torna mais próximo após a política.  Temos um longo caminho a percorrer para alcançar e ter as melhorias desejadas, mas esse é um primeiro passo, nos trazendo esperança e confiança que é possível.

DV: Como é a especialização para médicos que querem se tornar paliativista?

Dra. Ana Paula: No Brasil, a especialização pode ser feita através de programas de residência médica, pós graduação e estágios reconhecidos pelo MEC.

DV: Quais características é preciso que um médico tenha para que ele possa se tornar um paliativista?

Dra. Ana Paula: Gostar de trabalhar em equipe, de cuidar, de ouvir, ter uma boa comunicação, ter desenvoltura para intermediar conflitos (seja com a equipe ou com pacientes e familiares), saber respeitar a autonomia e vontade do paciente, mesmo que ela seja diferente dos princípios próprios.