Do caos a harmonia: A jornada da criação no mundo da educação infantil 

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor 

A sala de aula é uma festa onde cada aluno é uma dança diferente, e o professor, o maestro. Essa frase ressoou em minha mente ao longo dos primeiros dias que passei com as crianças do Maternal 1. Nunca imaginei que um dia chegaria a ensinar educação infantil, muito menos a lidar com crianças de 3 anos de idade. Após anos de experiência no Ensino Fundamental, com alunos do 5º ano, me vi, de forma um tanto surpreendente, assumindo esse novo desafio. 

Estava empolgado, claro, mas também um pouco apreensivo. Afinal, minha praia sempre foi trabalhar com crianças maiores, aquelas que já conseguem articular ideias, trocar pensamentos mais elaborados, e — devo admitir — seguir direções mais concretas. Mas agora, com o Maternal 1, a situação era completamente diferente. Não só o conteúdo era outro, mas a própria dinâmica de ensino, o ritmo, os estímulos… tudo isso estava para ser novo para mim. 

Poderia dizer que meu primeiro dia de aula com as crianças pequenas foi como o início de uma jornada de criação. Eu me sentia como alguém que está começando do zero, como se tivesse que reinventar a roda, ou, em um sentido mais poético, recriar aquele pedacinho de mundo em cinco dias, não como o Gênesis, mas sim com o olhar de um educador curioso e um tanto desafiado. Eram cinco dias para criar um ambiente, testar estratégias e ver o que dava certo ou não. 

No primeiro dia, o caos inicial e a criação da ordem, esse foi, sem dúvida, o mais tumultuado. O cenário era como o princípio da criação: um mundo vazio, com muitas ideias e esperanças, mas também um campo fértil de caos. A sala estava cheia de risos e gritos, mas também de lágrimas, inseguranças e perguntas sem respostas. Eu olhava para aquelas carinhas curiosas e ao mesmo tempo assustadas, e pensava: “Como vou dar conta de tudo isso?” A bagunça era algo que eu não estava acostumado a ver, mas percebi logo que isso fazia parte do processo de adaptação. Cada criança estava começando a dar seus primeiros passos no ambiente escolar, e esse processo não poderia ser apressado. 

Eu fui o primeiro a perceber que ali não existia uma “aula” tradicional, com livros e quadros. No Maternal 1, as crianças aprendem brincando, descobrindo o mundo à medida que interagem com ele. Eu, como o maestro dessa orquestra de risos, choros, olhares e movimentos, teria que orquestrar cada detalhe, com a sensibilidade de quem entende que, nesse estágio, cada pequena ação tem um enorme significado. As cores, as músicas, as texturas, as palavras que eu escolhia, tudo isso estava em constante construção. Naquele primeiro dia, tive que aprender a ler as emoções delas, interpretar os silêncios e, acima de tudo, estar presente de forma genuína. 

No segundo dia, a terra começa a ganhar forma, o caos ainda estava presente, mas um pouco mais controlado. Eu já sabia, ao menos, o que esperar. Algumas crianças estavam mais tranquilas, já se sentindo um pouco mais seguras no ambiente. As primeiras amizades começaram a surgir, e os rostos das crianças estavam mais sorridentes. Como um artista que começa a esboçar suas primeiras linhas, eu, professor, comecei a ver um pouco de estrutura se formar na sala. Algumas dinâmicas começaram a funcionar melhor, como as músicas, que fizeram as crianças interagirem de maneira mais natural. 

Percebi então que o segredo estava em não forçar as coisas. Acredito que muitas vezes, em nossa pressa de formar bons cidadãos, podemos ser rígidos e exigir mais do que a criança pode dar. Aqui, no Maternal 1, a missão era bem diferente: era ajudar cada criança a se encontrar, a se expressar, a explorar. Era como dar forma ao caos inicial e permitir que o processo se desenrolasse com suavidade. 

Nesse segundo dia, também tive a percepção de que, em vez de tentar controlar o tempo e as situações, eu precisava me adaptar à dinâmica deles. O tempo deles não é o mesmo tempo de um aluno do 5º ano. Eles têm uma compreensão do mundo muito mais instintiva e sensorial, o que significa que cada atividade precisava ser repensada, suavizada, talvez até mesmo reinventada. No início, eu sentia uma grande insegurança quanto ao meu papel, mas aos poucos comecei a entender que, ali, o meu papel não era ser um “dono da aula” como estou acostumado com os maiores, mas sim um guia, um facilitador da exploração e da diversão. 

No terceiro dia, comecei a perceber que as coisas realmente estavam começando a fazer sentido. Era como o momento da separação das águas, quando as ideias começaram a se separar e a se formar de forma mais clara. O método de ensino começou a tomar uma direção mais definida, mas sempre dentro do caos criativo da infância. Eu vi que, mesmo quando as coisas pareciam desmoronar, havia uma razão para aquele pequeno caos. No meio da confusão, havia aprendizado, descobertas e momentos de grande conexão. 

Um ponto que começou a ficar claro para mim foi a importância de ter uma rotina estruturada. No Maternal 1, tudo é sobre a repetição e a segurança que ela proporciona às crianças. Ao mesmo tempo, no meio da repetição, também era essencial ter momentos de surpresa, de novidade, de quebra de expectativa, para que as crianças pudessem se sentir estimuladas. Esse equilíbrio delicado de rotina e surpresa foi algo que fui ajustando aos poucos. 

Chegando ao quarto dia, o ritmo da sala já estava mais fluido, era hora de observar o crescimento e as primeiras flores. As crianças começaram a se relacionar de maneira mais espontânea umas com as outras. As brincadeiras de faz-de-conta e os jogos de construção com blocos começaram a surgir, e eu vi a magia acontecendo. O que eu não sabia no início era que, para essas crianças, cada pequena interação tinha um peso imenso. Cada troca de olhar, cada toque, cada gesto de amizade ou de frustração tinha uma profundidade que eu não poderia subestimar. 

E assim, o dia se passou como se as crianças estivessem plantando as primeiras sementes do aprendizado. Eu era o jardineiro, semeando paciência, atenção, afeto e escuta. Elas, com seus pequenos gestos e palavras, estavam criando o seu próprio jardim, e eu estava ali para dar as ferramentas necessárias para o florescimento. 

O quinto dia – o mundo já não estava tão caótico, eu já estava pouca coisa mais confortável. As crianças pareciam mais integradas ao ambiente, e o clima na sala estava mais harmônico. Cada um de nós, aluno e professor, já sabia mais ou menos o que esperar do outro. A comunicação começava a fluir, as risadas eram mais frequentes, e eu pude perceber que aquele mundo caótico do início havia dado lugar a algo mais coeso e estruturado, mas sem perder a leveza e a alegria. 

Eu pude olhar para o trabalho que realizamos até ali e começar a refletir sobre o que estava sendo realmente importante. O Maternal 1 não é um lugar para pressionar, para exigir, ou para correr contra o tempo. É um lugar de descoberta, de experimentar o novo, de sentir e perceber as pequenas mudanças e os primeiros aprendizados. E quando percebi que cada uma das crianças estava florescendo à sua maneira, a sensação de realização foi imensa. Aquela criação que começou com um vazio estava, aos poucos, se tornando um espaço vibrante e cheio de vida. 

Era bom, mas era apenas o começo, no sexto dia, observei o que havia acontecido até então e, com um olhar de quem já passou por muitos processos de criação, pude ver que tudo estava tomando forma. O trabalho foi bom, mas ainda não estava perfeito. Eu sabia que havia muito a ser feito. O aprendizado da educação infantil não ocorre de forma linear, e eu ainda tinha muito a aprender sobre esse mundo tão cheio de nuances. 

O sexto dia foi o dia de reflexão. Como no processo de criação, percebi que a obra ainda estava em andamento, mas que a fundação estava sólida, e isso me dava segurança. No fundo, sabia que meu papel ali não seria simples, mas, por enquanto, eu estava disposto a fazer o melhor que eu pudesse. 

E no sétimo dia o descanso para a alma e o reflexo do progresso. Sabe, mesmo depois de tudo, o sentimento que tenho neste momento que escrevo para vocês é de acolhimento e também de descanso. Eu sei que aquele primeiro ciclo tinha encerrado, mas não como uma tarefa concluída. É um descanso merecido, mas também um momento de preparação para o próximo ciclo. As crianças já estavam mais seguras, mais confiantes, e eu estava também mais seguro de meu papel, ali, no final daquela semana, era perceber que o verdadeiro valor da experiência na educação infantil é uma dança de paciência, adaptação, e acima de tudo, de amor. 

A primeira semana foi apenas o começo. O próximo passo será continuar a jornada, com mais aprendizado, mais entrega, e mais surpresas. Como qualquer bom maestro, estarei pronto para reger essa orquestra cheia de vida e diversidade, sabendo que, embora o caminho seja longo, o verdadeiro valor está na jornada em si. E assim, sigo com o coração leve, pronto para a próxima semana.