Dia do Médico: Conselho Federal de Medicina restringe uso de canabidiol; especialista aponta retrocesso

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O cannabis medicinal é um óleo extraído da planta da maconha — Foto: Reprodução

Dra. Luciana Akita, especialista em reumatologia, explica a existência de estudos que comprovam a eficácia da medicação, inclusive, em substituição a remédios à base de opioides.


Por Jorge Honorio

A presença de um médico de confiança em decisões de balizam nossa saúde é simplesmente imprescindível, por isso, estes profissionais ganharam o reconhecimento em um dia só deles, o Dia do Médico é celebrado em 18 de outubro, mais especificamente, nesta terça-feira (18.out).

Porém, apesar dos avanços na área de pesquisa médica e farmacêutica, uma nova orientação do Conselho Federal de Medicina (CFM) publicada na última sexta-feira (14), restringindo o uso de medicação de canabidiol, vem sendo apontada como retrocesso pelos profissionais.

A nova norma voltada a orientar como os médicos devem tratar o tema foi publicada oito anos depois de sua última orientação do CFM sobre o uso do canabidiol. Sem avanços e mais restritiva, a resolução CFM nº 2.324 autoriza que produtos de cannabis sejam usados apenas para tratar alguns quadros de epilepsia. O texto ainda proíbe a prescrição de “quaisquer outros derivados (da cannabis sativa) que não o canabidiol”.

Além disso, a resolução apresenta um novo artigo no qual diz que é “vedado” aos médicos prescrever o canabidiol para outras doenças, exceto se o tratamento fizer parte de estudo científico.

Em Votuporanga/SP, a médica reumatologista, especialista em dor, Dra. Luciana Akita conversou com o jornal Diário de Votuporanga e comentou sobre a alteração do Conselho: “Particularmente, fiquei chateada, pois, receito aos pacientes para tratamento de dor. E o canabidiol possui efeitos incríveis, estava liberado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]; inclusive, foi tema do Congresso de Neurologia, em Fortaleza/CE, onde uma tarde toda foi direcionada para falarmos sobre os benefícios do canabidiol para a neurologia. Então, essa nova resolução do CRM é bem ruim, principalmente, quando se tem casos de sucesso com a medicação”, apontou.

À médica foi categórica ao afirmar que a medicação pode ser usada para tratamento de diversas enfermidades e apesar da origem na maconha, não possui qualquer relação literal com dependência e outros malefícios da droga: “É um remédio fabricado em laboratório, com base científica, que no caso, receito para o tratamento de dor. O canabidiol não possui, por exemplo, o THC que faz parte da maconha e pode causar alucinações, náuseas e mal-estar, enfim, estamos falando de medicação e não de uma droga recreativa. Então, não tem risco, é muito seguro e acompanhado por um médico que irá determinar a melhor aplicabilidade do remédio”, explicou Luciana Akita.

Ao Diário, a especialista lembrou ainda que pelo mundo, há diversas doenças que já têm terapias com base na cannabis, desde transtornos do espectro autista até depressão e ansiedade.

“Essa medicação, o canabidiol, a gente não receita por qualquer motivo, ele só é prescrito, por exemplo, quando o paciente não respondia aos demais tratamentos disponíveis; e isso, tanto na reumatologia, quanto na neurologia. Então, foi uma perda muito grande para à gente, uma ignorância mesmo. Isso porque deveria se entender primeiro como a medicação funciona e para quais casos ela deve ser prescrita”, salientou a especialista.

Luciana Akita comentou ainda que entre os benefícios da medicação, por exemplo, está a substituição de outros fármacos viciantes a base de opioides: “O canabidiol ao ser usado de maneira correta, devidamente prescrita, ele apresenta resultados excelentes, por exemplo, tem pacientes que sofrem de dores muito, muito intensas, que utilizavam doses máximas de todas as medicações disponíveis, inclusive, de opioides. Hoje existe tanto vicio em opioides e o canabidiol proporcionou que a gente conseguisse tirar esses pacientes do vício em opioides que de fato é muito mais grave que o canabidiol, pelo grau de dependência.”

A especialista disse também que espera por uma revisão da nova norma: “Esse é um ponto delicado, por exemplo, estou esperando uma resposta do CFM, exatamente, com relação aos pacientes que já fazem uso da medicação para o controle da dor, que já recebem a medicação, inclusive, via judicial, porque é uma medicação cara. Eu acredito que isso vai ser revisto, porque existem muitos estudos com comprovação científica de eficácia. Então, isso está circulando intensamente no meio médico, porque todo mundo que entende da droga sabe que é uma medicação eficaz e, por isso, creio que essa não seja uma decisão permanente”, concluiu Luciana Akita.

Em nota, a relatora da Resolução, Rosylane Rocha, disse que, depois que a Anvisa publicou sua norma sobre o tema, “houve inúmeras atividades de fomento ao uso de produtos de cannabis e um aumento significativo de prescrição de canabidiol para doenças em substituição a tratamentos convencionais e cientificamente comprovados”.

O CFM diz que diversos estudos foram revisados, mas que além do sucesso em casos de síndromes convulsivas, houve “resultados negativos em diversas outras situações clínicas”.

Na avaliação de especialistas ligados ao uso do canabidiol, a nova resolução representa um empecilho extra para diversos pacientes que atualmente já estão utilizando produtos de cannabis no Brasil.

Determinação limita uso contra epilepsia

A resolução detalha que apenas os tipos de epilepsia relacionadas a Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa podem ser tratadas com CBD. Na resolução anterior (nº 2.113/2014), o texto citava apenas “epilepsias na infância e adolescência refratárias às terapias convencionais”.

O texto anterior também trazia condições para o uso, mas não trazia alerta sobre outras indicações terapêuticas.

Em tese, segundo alertam os especialistas, a nova resolução está em contradição e até inviabilizaria a receita para utilização do Metavyl, único medicamento à base de substâncias da cannabis aprovado no Brasil. Ele é utilizado para o tratamento da esclerose múltipla.

Pressão sobre os médicos

Considerando o cenário internacional, em que cada vez mais estudos mostram a eficácia da cannabis para diversas doenças e os avanços nas prescrições pelo mundo, Margarete Brito, diretora executiva da Apoio a Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (APEPI), diz que a resolução é um retrocesso.

“Hoje temos aqui na associação um grande número de idosos de Alzheimer, Parkinson, dores crônicas que utilizam. Os médicos que hoje prescrevem para essas doenças ficam intimidados com medo de perderem seus registros com essa pressão do CFM. Aqui na APEPI, temos 4 mil associados que utilizam óleos de cannabis, e 50% são idosos”, afirma.

Em nota, a Apepi aponta que há pressão sobre os profissionais de saúde

“Somos pressionados desde 2015 pelo CFM, mas graças à médicos corajosos nós avançamos e não podemos nos intimidar. É sobre vidas, qualidade de vida e esperança. O CFM nunca cassou a carteira de nenhum médico porque sabe que essas resoluções são inconstitucionais. Na hierarquia da lei, vem sempre em primeiro lugar a Constituição Federal, que garante no art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, avalia a associação.

Especialista aponta incongruência

Caroline Heinz, CEO e fundadora da Sphera Joy e FlowerMed, explicou ao g1 que a nova resolução manteve pontos que já estavam na primeira, como a proibição de prescrever cannabis in natura, e adicionou outras, como a proibição para que médicos ministrem palestras e cursos sobre uso do canabidiol e derivados.

Entretanto, ela vê incongruências em relação ao que já é praticado até mesmo pelo Ministério da Saúde: “Como ficam milhares de pacientes que estão sendo beneficiados com essa terapia? Se não pode, como a Secretaria da Saúde, o Ministério da Saúde e o SUS compram medicamentos com canabidiol para várias patologias, inclusive para autismo? É uma incongruência”, afirma Caroline Heinz.