Por Jefferson Camargo –
Carnaval e futebol no Brasil se confundiram durante décadas. Era escola de samba que nascia do time de futebol do bairro e vice-versa, pois a cadência do samba era a do futebol jogado nas várzeas e nas praias desse imenso rincão tapuia. E assim se refletia nos campos oficiais.
Leio agora pesquisa na Internet que diz ser o carnaval de rua e dos salões dominado pelos sons sertanejos e funk.
Não me surpreende doutor, pois se o amigo espiar o futebol brasileiro em campo verá uma combinação perfeita de sertanejo e funk, uma batida primária, tosca e repetitiva, sem aquela síncope intermediária, intuitiva, inexplicável, que fazia os americanos, depois da Guerra, em plena Política da Boa Vizinhança, tocarem o samba feito rumba.
Mesmo porque, na velocidade dos tempos atuais, os sambas exibidos nos sambódromos são mais marchas do que sambas.
Sucede que, no futebol, a velocidade, embora possa prejudicar em alguns casos, não exclui a síncope imprevisível, a invenção durante o gesto rápido, a percepção do inimaginável. é o que faz um Neymar, um Vinícius Jr., um Douglas Costa, deixarem uma esteira de adversários zonzos às suas investidas imparáveis.
Assim como o faziam no seus respectivos tempos um Pelé, um Canhoteiro, um Garrincha e tantos outros.
Da mesma forma, que sempre houve lugar, no passado e no presente, para a pausa que refresca, aquele passe que areja partindo do jogador cerebral de meio de campo, que mais do que ver o jogo o antevê, desvendando espaços onde só há congestionamento.
Bem, este carinha é que falta em nossos campos, desgraçadamente, embora tivéssemos no passado uma legião imensa desses jogadores, alguns, como Zizinho, Didi, Ademir da Guia, Gérson, inexcedíveis. Era a combinação exata do diretor de harmonia e do Mestre Sala.
Eram tantos que fico pensando em Bibe, meia-armador do Ipiranga dos anos 50, de breve passagem pelo São Paulo e Ponte, que passou a vida à sombra de tantos outros mais brilhantes. Hoje, Bibe, cujo estilo lembrava Zidane (quem duvidar, pergunte ao Rubens Minelli, que jogou com ele), seria hoje titular absoluto da Seleção Brasileira com um pé nas costas, assim como o Dr. Rúbis, Válter Marciano, Aílton Lira, Pita, sei lá quantos mais.
Ganso era um dos últimos remanescentes dessa rara estirpe, cuja carreira foi estagnada por sérias contusões e más escolhas. Maicon segue sendo um desses no Grêmio, sem, porém, o devido apoio da imensa maioria da crônica esportiva encaixotada no conceito dos dois volantes marcadores, abrindo um espaço para aqueles que se projetam ao ataque com ímpeto e sem ciência, aríetes desprovidos das finezas da função, tipo Paulinho, Arão etc.
De fato, esse espécime foi extinto dos nossos campos assim como os Ranchos de Carnaval desapareceram das avenidas dos Carnavais atuais.
O Rancho, pra quem não sabe, era um agrupamento de passistas e músicos variados, em cujo conjunto musical entravam instrumentos como bandolim, flauta, trunpete saxofone, quando não violinos, além dos surdos, violões e cavaquinhos, e que marchavam, cantando, numa cadência lenta e ritmada sob sons harmoniosos e melódicos de tocar a alma do povo que o assistia atrás das cordas estendidas frente às calçadas.
Era o compasso entre o frenesi das Escolas de Samba e o senso harmônico e melódico do Rancho que dava equilíbrio e encanto aos Carnavais. E é o que está faltando, tanto nas avenidas como nos campos do futebol brasileiro.