Café, coragem e giz

200
Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor

Era uma vez um giz pela metade, um ventilador que fazia mais barulho do que vento, e um quadro branco que já tinha visto dias melhores. Esse podia ser o início de uma fábula, mas é só mais um capítulo da rotina de quem dá aula no Brasil. Hoje, caros leitores, vou contar uma história real, daquelas que a gente vive com o coração na mão, mas com esperança nas costas — porque se a gente não acreditar, quem vai?

Vamos falar sobre o impacto das condições de trabalho na qualidade da educação no Ensino Fundamental e na Educação Infantil. E calma, minha gente, não vai ser só reclamação, não. Vai ter crítica, vai ter choro entalado, mas também vai ter abraço apertado e palavras de quem acredita que ainda dá pra mudar esse enredo.

Pra começar, você já tentou dar conta de várias crianças de 2 a 3 anos de idade, em uma sala sem ar-condicionado, com um quadro de funcionários que fazem de tudo para dar conta do recado, e com a impressão de que você está caminhando mas sem sair do lugar. Pois é. Bem-vindo à realidade de muitos professores e educadores da Educação Infantil.

As condições de trabalho dos professores são, muitas vezes, precárias. E isso não é figura de linguagem, não. Estou falando de salas com muita criança, material pedagógico insuficiente, formação continuada inexistente, salários que mais parecem piada de mau gosto e, pra completar, uma burocracia que faz a gente pensar que virou escrivão, e não educador.

Aí, alguém solta: “Mas o que importa é o amor pela profissão!”. Ah, essa frase é utopia… amor é essencial sim, mas somente ele não paga o aluguel, não compra remédio para crise de ansiedade e não segura as pontas de quem precisa escolher entre dar aula ou cuidar da própria saúde mental.

Ensinar exige estrutura. Ensinar com qualidade exige respeito. E respeito, meus amigos, começa com condições dignas de trabalho. Uma escola precisa ser um local que tudo funciona, e não estou falando apenas da infraestrutura, precisa de uma equipe de apoio, biblioteca funcional, espaço para brincar ou criar, precisa ser escola no sentido literal da palavra.

E sabe o que é mais cruel? É que, mesmo assim, a gente segue. Segue reinventando papelão em brinquedo, segue fazendo vaquinha pra comprar tinta, segue usando WhatsApp como sala de aula improvisada. Porque a gente é assim: onde falta recurso, a gente dá um jeito. Mas não deveria ser assim.

A qualidade da educação tem tudo a ver com o bem-estar de quem ensina. O professor cansado, doente, pressionado, não consegue fazer mágica. E, veja bem, o problema não é o professor — é o sistema que empurra esse professor pra beira do abismo e ainda exige espetáculo.

Na Educação Infantil, então, o negócio é ainda mais delicado. A primeira infância é fase de descobertas, de formação de vínculos, de construção de mundo. Mas como construir algo sólido com paredes rachadas e materiais escassos? A criança sente. Ela percebe. E isso molda a relação dela com o aprender.

No Ensino Fundamental, a situação não melhora muito. Tem professor que carrega turnos diferentes, com turmas em níveis totalmente distintos, e é cobrado como se estivesse em uma escola modelo da Finlândia ou algo assim. Tudo isso ganhando menos que o salário mínimo por hora trabalhada, se a gente fizer a conta certa.

Mas olha, antes que alguém diga que hoje escrevo somente para criticar, e pintar tudo de cinza, deixa eu te contar algo: apesar de tudo, eu ainda acredito. Acredito no poder de um bom dia com sorriso. Acredito na criança que descobre a leitura e não quer mais largar o livro. Acredito na professora, no professor que, mesmo chorando no banheiro no recreio, volta pra sala e transforma o dia de um aluno com um simples “você consegue”.

Acredito na escola como lugar de resistência, de reinvenção. E acredito que, se a gente se unir, dá pra virar esse jogo. Não com varinha mágica, mas com luta, com organização, com voz.

Então, meu povo, vamos parar de romantizar o sofrimento docente. Que comecemos a cobrar dos governantes políticas públicas de verdade. Vamos abrir nossa boca para dizer, com todas as letras, que não dá pra exigir qualidade sem oferecer dignidade.

A gente precisa de mais do que mensagens, palmas e tapinhas nas costas na Semana do Professor. A gente precisa de estrutura, de salário justo, de tempo para planejar, de formação continuada de verdade. Precisa de respeito ao tempo da infância, de políticas que valorizem o brincar, o acolher, o ensinar.

E, acima de tudo, a gente precisa lembrar por que começou. Não pra aceitar tudo calado, mas pra lembrar que vale a pena lutar. Porque cada vez que um professor é respeitado, uma criança aprende com mais dignidade. Cada vez que uma professora tem apoio, um futuro se abre com mais esperança.

Aos meus colegas de sala de aula: respirem. Vocês não estão sozinhos. Cada grito é ecoado por milhares. E cada gesto, mesmo quando ninguém vê, faz diferença. Vamos seguir. Com força, com fé, com muita indignação criativa. Porque mudar o mundo é verbo que se conjuga na sala de aula.

E se me perguntarem por que ainda escrevo, por que ainda ensino, por que ainda insisto… eu respondo com a firmeza de quem já viu muitos impossíveis se tornarem realidade: é porque ainda acredito. Acredito em você, em mim, e em tudo o que podemos ser, juntos.

Até semana que vem, se Deus quiser!