Comissão presidida por Damares Alves (Republicanos-DF) vai apreciar pedido de consulta popular para decidir retorno da monarquia; último foi há 32 anos e teve vitória acachapante republicana.
A CDH (Comissão de Direitos Humanos) do Senado vai analisar uma proposta, apoiada por 29 mil assinaturas, que pede um novo plebiscito para decidir se o Brasil deve voltar a ser uma monarquia.
Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que a Constituição não permite novo plebiscito sobre o regime de governo, mas a proposta no Senado pode reacender o debate político.
A proposta será analisada pela CDH do Senado, presidida pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O projeto defende a substituição do presidencialismo por uma monarquia parlamentarista, em que um primeiro-ministro governaria e o monarca teria um papel simbólico. O texto não especifica quem ocuparia o trono se a mudança ocorresse. Mas, caso a proposta avance e seja aprovada em várias instâncias, o Brasil poderia ser regido por um rei pela primeira vez desde 1889, quando Dom Pedro 2º foi deposto.
O projeto precisa ser aprovado pelo Senado e pela Câmara, além de sancionado pelo presidente da República. Caso aprovada, a consulta popular poderia ocorrer junto às eleições de 2026.
Um plebiscito realizado em 1993 foi a última vez que os brasileiros decidiram sobre o regime de governo do país. A consulta popular ocorreu em 21 de abril de 1993, permitindo que os eleitores escolhessem entre monarquia ou República e entre presidencialismo ou parlamentarismo. Com ampla vantagem, a República foi mantida com 66% dos votos, enquanto a monarquia recebeu somente 10%. Além disso, o presidencialismo foi escolhido por 55% dos eleitores, contra 24% que preferiam o parlamentarismo.
Derrotados, setores monarquistas questionaram o resultado, alegando falta de instrução da população sobre o sistema monárquico e desequilíbrio na propaganda eleitoral, que teria favorecido a República. Alguns também criticaram a escolha da data do plebiscito, realizada no feriado de Tiradentes, considerado um símbolo da luta republicana no Brasil. Desde então, o tema continuou a ser debatido em círculos monarquistas, mas nunca voltou a ter respaldo político significativo.
A Constituição permite um novo plebiscito?
Parte dos especialistas ouvidos pelo UOL afirma que a Constituição não permite uma nova consulta popular sobre o regime de governo. Para o advogado Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, o plebiscito de 1993 foi definitivo e consolidou o modelo republicano como um pilar da Constituição de 1988. “A definição por um modelo republicano de Estado se tornou um elemento do projeto ideológico da Constituição que não pode ser alterado”, afirmou.
O professor de direito constitucional Lenio Streck, da Unisinos, diz que a oportunidade de mudança foi perdida em 1993. Ele considera inviável a reabertura desse debate e avalia que a Constituição “não tem espaço para uma reversão do regime de governo”. “O plebiscito já ocorreu. Não há como encaixá-lo no desenho institucional”, completou.
Já o advogado constitucionalista Ilmar Muniz reconhece que o Congresso pode convocar um plebiscito, mas afirma que isso não seria suficiente para mudar o regime. “A Constituição não impede a realização de um plebiscito, mas o resultado não teria força automática”, explica. Para ele, seria necessária uma Emenda Constitucional, o que exigiria grande apoio político e enfrentaria resistência no STF (Supremo Tribunal Federal).
O professor Antonio Carlos de Freitas Jr., da Fundação Santo André, diz que a Constituição não impede um novo plebiscito. “A Constituição não veda expressamente a realização de um novo plebiscito, mas, para que ele tenha validade, seria necessária uma Emenda Constitucional que autorizasse sua realização.”
Caso a monarquia fosse aprovada, a mudança enfrentaria barreiras constitucionais e políticas. O Brasil é definido como uma República Federativa no artigo 1º da Constituição, e muitos especialistas defendem que esse modelo não pode ser alterado. Além disso, há a cláusula pétrea do artigo 60, §4º, que impede mudanças na forma federativa do Estado.
Para Streck, qualquer tentativa de mudar o regime exigiria a criação de uma nova Constituição. Ele afirma que “não há possibilidade jurídica de implementar uma monarquia parlamentarista no Brasil” no ordenamento atual. Muniz destaca que “o maior desafio seria reorganizar toda a estrutura política e jurídica do país”, incluindo a definição dos papéis do rei e do primeiro-ministro.
Quem seria o rei?
A falta de um monarca legítimo reconhecido pelo Estado é outro problema apontado pelo advogado e professor da China Foreign Affairs University, Emanuel Pessoa. Segundo ele, há disputas na Casa Imperial sobre quem teria direito ao trono, o que tornaria o processo ainda mais complexo. “Seria extremamente complicado decidir quem seria o rei do Brasil.”
Além disso, a ideia de um “poder Moderador” (em que o rei pode intervir em crises institucionais) é vista como inconstitucional pela maioria dos especialistas. Para Pedro Serrano, “a separação dos poderes é cláusula pétrea da Constituição”, o que inviabilizaria esse mecanismo.
Streck diz ainda que o poder Moderador “já foi superado pela história”. Para ele, o conceito de um monarca acima dos demais poderes seria uma violação do princípio democrático e não se encaixaria no sistema atual. “A tripartição de poderes da Constituição de 1988 impede qualquer tentativa de recriação do modelo imperial”, afirma.
*Com informações do UOL