Bicho geográfico: “É melhor prevenir do que remediar”

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Larva é conhecida por criar 'mapas' no corpo humano - Foto: Reprodução
A pesquisadora científica Dra. Giane Serafim da Silva, do Laboratório Regional de Pesquisa em Parasitologia Animal de Votuporanga/Instituto Biológico/APTA/SAA fala sobre o tema.


Preocupados com o bem estar e saúde dos moradores de Votuporanga, e frente aos recentes relatos da ocorrência de casos de bicho geográfico na cidade, o jornal Diário de Votuporanga procurou a pesquisadora científica Dra. Giane Serafim da Silva, do Laboratório Regional de Pesquisa em Parasitologia Animal de Votuporanga/Instituto Biológico/APTA/SAA para falar sobre o tema, acompanhem:

Dra. Giane Serafim
DV: O que é bicho geográfico?
Dra. Giane Serafim: O bicho geográfico é o nome popular de uma zoonose denominada Larva Migrans Cutânea. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), “zoonoses são doenças transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos”.
DV: Nos explique como ocorre essa enfermidade?
Dra. Giane Serafim: De maneira resumida, o problema se inicia quando cães e gatos infectados pelo verme Ancylostoma spp defecam na areia, terra, etc. Os ovos desses vermes saem juntamente com as fezes e se desenvolvem em larvas que, ao entrarem em contato com a pele de uma pessoa, penetram, se alojam no tecido subcutâneo e, ao tentar se locomover, vão formando linhas tortuosas e vermelhas, parecendo um “mapa” na pele, o que lhe confere o nome popular de bicho geográfico.
DV: Quais são os sintomas?
Dra. Giane Serafim: Inicialmente aparece um ponto vermelho e saliente no local por onde a larva penetrou (pés, nádegas, braços, etc). Em seguida, aparece lesões avermelhadas e sensação de movimento debaixo da pele, provocando muita coceira. A coçadura pode levar a inflamação e facilitar, inclusive, o aparecimento de infecções secundárias.
DV: E porque no verão, aparecem mais relatos de casos?
Dra. Giane Serafim: Justamente porque as condições ambientais, como temperatura e umidade nesta época são mais adequadas para o desenvolvimento do verme. Inclusive, os casos de larva migrans são relatados com maior frequência em países de clima tropical e subtropical.
DV: Então os cães e gatos são os culpados?
Dra. Giane Serafim: Não, pois os animais só transmitem os os ovos se estiverem com verminose. Então, a culpa é dos humanos que não cuidam bem dos animais.
DV: E o que pode ser feito para evitar o aparecimento da enfermidade?
Dra. Giane Serafim: O velho ditado popular “É melhor prevenir do que remediar…” também vale neste caso. A melhor forma de se proteger e proteger a sua família é protegendo seu cão. Mesmo aparentando sadio, o pet pode estar com verminose. Assim, o controle dever ser realizado por meio de exames rotineiros e de vermifugação. O médico veterinário é o profissional ideal para recomendar as ações que levam às boas condições de saúde dos animais.
DV: E com relação aos locais frequentados por diferentes pessoas?
Dra. Giane Serafim: Primeiro é preciso entender que, se o animal está livre da verminose, não há problema de ele frequentar praças, campos, gramados, etc. Mas o seu tutor deve estar ciente da condição sanitária do animal. Chamamos esse fato de “posse responsável”.
O maior problema que vejo são os animais errantes, que andam pelas ruas e conseguem se adentrar em áreas públicas ou privadas como escolas, clubes, jardins e praças. Ao terem contato com a areia ou terra dos parquinhos, quadras esportivas, gramados e até areias depositadas em construções, crianças e adultos acabam se infectando.
DV: Mas o que fazer nestes casos?
Dra. Giane Serafim: Inciativas públicas e privadas como as de saneamento básico adequado, controle populacional e cuidados com cães errantes, conscientização da população e profissionais da saúde e da educação, palestras educativas junto às comunidades, dentre outras, são medidas fundamentais e necessárias para se evitar esta enfermidade.
O programa de educação tem excelentes resultados quando inseridos nas escolas, uma vez que as crianças são muito receptivas e levam as informações para casa.
Ainda, ações de conscientização de posse responsável de animais podem ser inseridos em atividades acadêmicas dos cursos de medicina veterinária, medicina, enfermagem, biologia, onde os alunos vão colocar em prática o modelo de “saúde única”.
Com relação aos gestores de clubes, escolas e parques infantis, estes devem tomar medidas possíveis de isolamento, como o cercamento das áreas de quadras e parquinhos, para impedir o acesso de cães e gatos.
Por parte da população, quando possível, se proteger, ou seja, não andar descalço e supervisionar as crianças em locais suspeitos de contaminação. Ao passear com nossos animais, devemos recolher as fezes, dando o destino adequado e, ao suspeitar da infecção, procurar orientação médica o mais breve possível.
Ovo que causa a infecção (foto registrada pela Dra. Giane Serafim)
DV: Você tem conhecimento de casos graves da doença?
Dra. Giane Serafim: Conheço casos graves apenas relatados em livros e trabalhos científicos. Inclusive, há outra enfermidade, onde larvas do verme Toxocara spp, que é muito frequente em cães e gatos, podem infectar os seres humanos, causando a doença chamada Larva Migrans Visceral. Nesta infecção, diferente do bicho geográfico, as larvas de Toxocara são ingeridas e, pela corrente sanguínea, atingem outros órgãos, como coração, fígado e pulmões, podendo causar sérias consequências. Nestes casos, as pessoas se contaminam por meio do contato com fezes dos animais contaminados, direta ou indiretamente, através de falta de higiene nas mãos e nos alimentos.  Vale frisar aqui, que eu não tenho conhecimento de relatos de Larva Migrans Visceral em Votuporanga.
DV: Gostaria de fazer mais alguma consideração?
Dra. Giane Serafim: Agradeço a oportunidade de contribuir de alguma forma para o conhecimento desse tema tão importante em saúde pública. Nós já orientamos um aluno do curso de medicina em um projeto científico em que foi pesquisada a ocorrência de larvas de vermes causadores do bicho geográfico aqui no município. Na época, o relatório foi repassado ao poder público, como forma de contribuição na elaboração de possíveis programas de políticas públicas envolvendo o assunto. Esses resultados também foram publicados na Revista Brasileira de Parasitologia Veterinária, vol. 29, número 3, de 2020, com o título “Larva migrans em Votuporanga, SP, Brasil: Onde se esconde o perigo?” e o artigo pode ser acessados em <https://doi.org/10.1590/S1984-29612020075>
Giane Serafim da Silva – graduada, mestre e doutora em Zootecnia/Produção Animal (FCAV/UNESP – Jaboticabal). Atualmente é Pesquisadora Nivel VI do Instituo Biológico/APTA/Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, atuando no Laboratório de Pesquisa em Parasitologia Animal de Votuporanga (giane.silva@sp.gov.br)
Por Andrea Anciaes