
Natural de Votuporanga, o estilista André Betio une técnica, memória afetiva e poesia visual em criações que já vestiram algumas das maiores celebridades do país


@caroline_leidiane
Há trajetórias que se constroem como jardins: silenciosas à distância, mas intensas quando observadas de perto. No caso de André Betio, a paisagem do interior paulista não apenas moldou a infância, como segue desenhando, pétala por pétala, o universo criativo que hoje o projeta nacionalmente no cenário da alta-moda e das noivas.
A calma do campo, o tempo que se dilata sobre os cafezais, a exuberância dos jardins familiares e a alegria dos pomares seguem dialogando com suas criações, como se cada vestido carregasse uma respiração própria — algo que brota da terra, da memória e do gesto.
Esse desenvolvimento orgânico, sensível às formas fluidas e naturais, atravessa a maneira como o estilista entende o ato de vestir. Em seu ateliê no bairro Pacaembu, na capital paulista, instalado em uma casa dos anos 1940 onde cidade e natureza se entrelaçam, Betio cultiva uma prática que transborda a própria encenação da moda: transformar o tradicional vestido de noiva em um corpo vivo, que desvela beleza em camadas de sentido. Mas esse percurso, como ele relembra, nasceu muito antes, entre linhas, retalhos e imaginação.
Ao falar sobre como a moda se tornou sua escolha profissional, Betio retorna ao início, quando ainda criança reconheceu na criação seu território natural.
“Acredito que tudo começa com o acolhimento. Tive uma família que sempre respeitou quem eu era e aquilo que eu gostava, e isso foi fundamental. Desde muito cedo, eu já sabia que meu universo passava pela criação”, afirma.
Ele recorda o convívio com a avó paterna, que vendia roupas para sustentar cinco filhos, e com a tia costureira, com quem passava horas entre retalhos, agulhas e linhas.
“A moda entrou na minha vida de forma muito natural”, conta, lembrando dos vestidos imaginários feitos para bonecas e dos primeiros pontos ensinados pela avó materna, em máquina de pedal.
Essas raízes se aprofundaram no interior paulista em um tempo de descobertas, teatro e observação do mundo. Em Votuporanga, o jovem André encontrou não apenas casas de costura que o acolheram, mas também o palco.
“Dos 12 aos 17, vivi intensamente o universo das noivas nas casas de costura da cidade e, paralelamente o teatro; primeiro como ator e depois como figurinista em um grupo da Unifev, orientado pelo professor Eduardo Catanozi. Viajamos pelo Brasil, conheci muitas formas de organizar criação de figurino. Foi lindo!”, relembra.
A mudança para São Paulo ampliou as perspectivas. No Senac, cursou Design de Moda e bacharelado em Estilo, além disso, se dedicou à modelagem, consolidando um olhar técnico que se somaria ao impulso criativo.
“Sempre me interessei por todo o processo de execução do vestir e, ao longo dos anos, aprofundei meus estudos em técnicas e métodos, muitos deles centenários”, afirma o estilista.
A trajetória em marcas como Samuel Cirnansck, Daslu e Sandro Barros completou esse mergulho profissional, até o momento em que fundou sua própria marca, estruturada a partir de seus valores e de um pensamento estratégico singular.
Ainda hoje, a estética de André é guiada pelo que floresceu naquela infância livre interiorana.
“A vivência tranquila e profundamente conectada à natureza que Votuporanga me proporcionou foi determinante para minha formação criativa”, conta.
Ele descreve as imagens que moldaram seu olhar:
“As flores que eu associava a vestidos vaporosos, o pomar cheio de cores e texturas, o cafezal e seus processos lentos até se transformar em pó.”
Essas referências são matrizes que continuam presentes em suas criações, agora transformadas em camadas, texturas, detalhes e modelagens estruturados à mão, alinhados ao ritmo de cada peça sob medida.
“Respeitar o tempo necessário para criar uma peça sob medida vem desse contato com o natural. A inspiração na natureza é um fio condutor constante no meu trabalho”, expõe.
O equilíbrio entre delicadeza e ousadia, essencial em sua obra, reverbera tanto no universo das noivas quanto no figurino de grandes artistas. Betio explica essa interseção a partir de um princípio simples: a escuta.
“Cada peça sob medida representa um momento único na vida de quem a veste (…) Funcionalidade, contexto e expressão caminham juntos”, diz.
Ele menciona que, embora uma noiva e uma artista como Ivete Sangalo compartilhem o desejo de potencializar quem são, as técnicas, materiais e caminhos criativos mudam para atender as necessidades específicas de cada uma — sempre mantendo o compromisso de exclusividade e identidade.
A experiência com artistas, aliás, é um dos consonantes que ampliam seu repertório criativo. Assinar o figurino usado pela cantora Liniker, no Grammy Latino 2025, foi mais que um marco: reafirmou a potência simbólica de seus encontros.
“Crio figurinos para a Liniker desde seu primeiro álbum”, conta.
André reconhece que sua própria história ressoa nesse caminho.
“Fui uma criança gay que teve o privilégio de ser acolhida pela família, algo que deveria ser o básico: amor e respeito”, exprime.
Esse amparo o inspira a olhar com atenção para artistas da comunidade LGBTQIA+ e a criar de forma sensível e plural.
Hoje, entre as lembranças da infância e os grandes palcos da alta-moda nacional, André Betio segue criando peças exclusivas que desabrocham com delicadeza e robustez.
“Meu foco está nas noivas e em suas famílias, vivendo esse momento com atenção e cuidado. Planejo tudo no ateliê a curto e médio prazo, mas com os pés muito firmes no agora”, declara.
Apesar de se manter aterrado ao presente, 2026 já desenha com força no horizonte.
“Em março, lançaremos a segunda remessa da coleção de peças a pronta-entrega para noivas, mantendo o sob medida para quem deseja viver o processo completo de criação — que envolve de seis a oito encontros comigo, do conceito à construção final da peça”, anuncia.
Paralelamente, a nova colaboração com a marca Francesca FRNC evidencia uma faceta mais contemporânea de sua linha festa, expandindo caminhos sem perder o vínculo com seu método autoral.
Entre camadas de seda, técnicas centenárias e gestos que dialogam com o tempo cíclico da natureza, André Betio reafirma seu lugar como um estilista que não apenas cria vestidos, mas cultiva experiências. Seu trabalho germina da contemplação e da memória, movido pelo desejo de transformar o clássico em um território de criação fértil — um espaço onde cada noiva encontra sua própria forma de florescer, no ritmo suave de um desabrochar.




