Anistia e redução de pena empacam no Congresso, mas foco é a prisão domiciliar para Bolsonaro 

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Bolsonaro e Tarcísio: conversas sobre anistia e planos para 2026 - Foto: Wilton Junior/Estadão

Nos bastidores, ministros do STF analisavam a conveniência da prisão domiciliar para Bolsonaro antes mesmo do resultado do julgamento, que o condenou a 27 anos e três meses de reclusão.


Aliados de Jair Bolsonaro (PL) sabem que não vão conseguir aprovar no Congresso um projeto de anistia ampla, geral e irrestrita aos condenados por tentativa de golpe, mas insistem em empunhar essa bandeira. Não sem motivo: o pano de fundo do movimento é criar um clima de “comoção”, com as idas e vindas do ex-presidente ao hospital, para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a lhe conceder o benefício da prisão domiciliar.

Se já era difícil dar sinal verde para a anistia antes do desgaste verificado com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem na Câmara, tudo ficou ainda mais complicado depois dos protestos de 21 de setembro. Sob cerco das ruas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado enterrou a proposta, que havia passado pelo crivo de deputados e acabou ganhando o carimbo de “PEC da Bandidagem” por proteger parlamentares e presidentes de partidos de investigações criminais.

Nos bastidores, ministros do STF analisavam a conveniência da prisão domiciliar para Bolsonaro antes mesmo do resultado do julgamento, que o condenou a 27 anos e três meses de reclusão.

A hipótese do cumprimento da pena em casa era discutida por magistrados tendo como referência a situação do ex-presidente Fernando Collor. Em maio, o ministro do STF Alexandre de Moraes autorizou a “prisão domiciliar humanitária” para Collor, condenado a 8 anos e dez meses de reclusão por envolvimento em esquema de corrupção na BR Distribuidora. Moraes aceitou o argumento da defesa de que Collor sofre de doenças graves. O precedente serve para que advogados de Bolsonaro tentem conseguir o benefício para o ex-presidente, sob a alegação de que seu estado de saúde é preocupante.

Não se trata de uma tarefa simples. A portas fechadas, dois ministros do STF disseram ao Estadão que isso pode até ocorrer, mas não já. A intenção é que Bolsonaro receba o carimbo de presidiário e pague “muita penitência” antes de deixar a cela.

A ofensiva dos Estados Unidos na direção de Moraes e de sua mulher, Viviane – punidos com bloqueios financeiros impostos pelo governo Donald Trump, por meio da Lei Magnitsky –, além do cancelamento de vistos a magistrados, jogam contra o ex-presidente. 

Até mesmo na avaliação de amigos da família, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) está atrapalhando o pai com suas articulações nos Estados Unidos, onde mora desde fevereiro. 

Relator do projeto de anistia, o deputado Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP) constatou que não há ambiente político para a votação de um texto assim no Congresso. Conhecido como Paulinho da Força, o deputado ainda tenta emplacar uma proposta que prevê redução de penas para Bolsonaro e outros condenados do 8 de Janeiro, mas enxerga muitos obstáculos no caminho. 

“Antes de qualquer coisa é preciso pacificar a relação com o Senado”, afirmou Paulinho da Força ao Estadão. Desde que parlamentares da Casa de Salão Azul derrubaram a PEC da Blindagem, o clima entre os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), azedou. 

Na tentativa de virar a página da crise, a Câmara aprovou nesta quarta-feira, 1.º, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O projeto seguiu para o Senado, onde também deve passar rapidamente. 

Alcolumbre já avisou, porém, que não pautará nenhum projeto para conceder anistia a Bolsonaro. Questionado sobre a redução de penas para os condenados do 8 de Janeiro, o presidente do Senado respondeu que pretende apresentar uma proposta sobre isso, mas não agora, para não contaminar a agenda. 

A leitura política na Praça dos Três Poderes é a de que Alcolumbre adotou essa estratégia para engavetar a discussão sobre o indulto. “Mas nós não vamos abrir mão da anistia”, insistiu o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ). 

O deputado disse que Motta garantiu a ele a votação do projeto na próxima semana. “É tudo ou nada”, ameaçou Sóstenes. “Não queremos anistia pela metade e por isso não aceitamos redução de pena. Se Davi Alcolumbre não pautar isso, ele que arque com as consequências.” 

Na lista das ameaças está a obstrução das votações no Congresso. Apesar do tom dos bolsonaristas, o PL não tem maioria para aprovar um projeto de anistia. Para completar, uma ala expressiva do Centrão rejeita a proposta de indulto. 

“Ninguém vai se expor para votar isso aqui na Câmara depois do que aconteceu”, observou o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), integrante do Centrão, numa referência ao desgaste provocado pela PEC da Blindagem. 

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, admitiu que não há acordo para aprovar a anistia. “Alcolumbre é um problema para nós. Ele não defende o Congresso; defende só o STF”, criticou Valdemar. “Mas precisamos ajudar Hugo Motta a ficar livre dessa história, votar o projeto e mandar para o Senado.” 

Deputados do Centrão argumentam que, nas reuniões reservadas, dirigentes do PL abrem o jogo. Na prática, o partido não é contra a redução de penas, mas mantém o discurso da anistia ampla e aposta na confusão para negociar a prisão domiciliar para Bolsonaro. 

Ministros do STF observam, no entanto, que Bolsonaro perdeu a interlocução com a Corte após o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ter desferido ataques a Moraes – a quem classificou como “ditador” e “tirano” – e Valdemar seguir na mesma toada. Atualmente, o político mais próximo do STF, no grupo bolsonarista, é o senador Ciro Nogueira (PP-PI). 

Tarcísio não compareceu nem mesmo à posse do ministro Edson Fachin na presidência do STF, na segunda-feira, 29. O governador alegou que só não o fez porque Moraes marcou sua visita a Bolsonaro para aquele mesmo dia, em Brasília, e ele passou a tarde com o ex-presidente. 

A interlocutores, Tarcísio também negou que tenha elevado o tom contra Moraes apenas para ganhar a benção de Bolsonaro à sua intenção de desafiar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa de 2026 pelo Palácio do Planalto. “Sou candidato à reeleição em São Paulo”, repetiu. 

Mesmo no grupo de Tarcísio, porém, há quem diga que essa “garantia” não passa de uma tática acertada pelo governador com seus marqueteiros para deixar de ser “vidraça” no confronto com Lula. 

*Com informações do Estadão