Absorvendo o ensino: professores como esponjas de sabedoria

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor

No dia em que me tornei professor, fui presenteado com uma imagem que nunca mais me deixaria: o professor é como uma esponja. No começo, achei uma ideia estranha, talvez até um pouco simplista. No entanto, ao longo dos anos, comecei a entender. Ser professor não significa apenas despejar conhecimento sobre cabeças sedentas de sabedoria. Significa, na verdade, absorver uma infinidade de coisas, aprender com os outros, adaptar-se constantemente e, acima de tudo, sentir o peso e a leveza do aprendizado de maneira quase física.

A primeira vez que fui colocado em uma sala de aula para ensinar, mal sabia o que me esperava. Eu era jovem, idealista e, de certo modo, prepotente. Imaginava que ser professor era como ser um superstar do conhecimento. Eu teria fama, dinheiro e status (pura ilusão!!!), e os alunos seriam como páginas em branco, esperando para serem preenchidas com todo o saber que eu possuía. Mas logo percebi que o mundo da educação era muito mais intrincado, muito mais dinâmico do que eu poderia imaginar. A sala de aula não era uma lousa em branco esperando para ser rabiscada. Ela era uma colcha de retalhos, uma tapeçaria de experiências, sonhos e limitações.

Lembro-me claramente deste dia de aula. Era uma turma de quinto ano, e os olhos deles estavam curiosos, ansiosos. Eu, por outro lado, estava tenso, nervoso, com medo de não dar conta. O plano era simples: começar com o básico. A aula que eu iria ministrar era sobre ângulos. Pensei que poderia iniciar falando dos tipos de ângulos e seus graus, dar dicas como usar o transferidor, etc. Imaginei que seria o suficiente para captar a atenção deles. Mas, como se eu tivesse jogado uma pedra em um lago profundo, as ondas da realidade logo começaram a se espalhar. Uma aluna levantou a mão e, com uma curiosidade quase infantil, perguntou: “Professor, mas por que o ângulo reto parece um “L” ? Não seria mais fácil se ele fosse como a letra “I”?. A pergunta, tão simples, me pegou de surpresa. Eu tinha a resposta pronta, claro, mas o questionamento dela foi como um choque de luz. Eu tinha começado a aula com o que eu achava que era o mais importante, mas ela trouxe uma perspectiva completamente diferente. O que era óbvio para mim não fazia sentido para ela. E então, percebi: a educação não é sobre o que eu sei, mas sobre o que eles querem saber.

A sala de aula, ao longo dos anos, tornou-se um verdadeiro mosaico. Cada aluno é uma peça única, com suas próprias cores, formas e texturas. Alguns são como fragmentos de vidro brilhante, outros como pedaços de cerâmica desgastada, mas todos têm seu lugar. O meu trabalho, como professor, não era apenas ensinar conteúdo, mas entender o desenho daquele mosaico e ajudar a construir, peça por peça, o entendimento coletivo.

Foi nesse momento que compreendi que o ensino não era sobre transmitir informações, mas sobre criar conexões. E essas conexões surgiam de lugares e maneiras que eu jamais poderia planejar.

Com o tempo, aprendi uma lição fundamental: o segredo para ser um bom professor é saber se adaptar. Isso não significa apenas ter um plano B, mas um alfabeto inteiro de estratégias. Cada aluno é um mundo à parte, e o que funciona para um pode não funcionar para outro. Foi assim que aprendi a verdadeira arte de absorver, e me lembro de uma experiência que exemplifica bem isso.

Tinha um aluno, que tinha dislexia. Não era difícil notar que ele tinha dificuldades com leitura e escrita, mas o que mais me impressionava era o jeito como ele se iluminava quando o assunto era sobre matemática. Ele tinha uma mente ágil para números, uma capacidade de pensar logicamente que desafiava qualquer um. No entanto, ao lidar com textos ou cálculos mais complexos, o mundo dele parecia se desfazer. Eu sabia que precisava encontrar uma maneira de tornar o aprendizado acessível para ele, mas eu também sabia que não poderia tratá-lo como se fosse diferente dos outros, porque ele era muito mais do que um rótulo. Ele era, acima de tudo, curioso e inteligente.

O que aprendi com ele, e com tantos outros alunos ao longo dos anos, é que o papel do professor é, de certa maneira, o de um camaleão. Você precisa mudar sua cor, seu formato, seu tom de voz, sua abordagem – mas sempre com o mesmo objetivo: fazer com que o aluno entenda. Às vezes, isso significa simplificar. Outras vezes, significa dar um passo adiante e desafiar. E, muitas vezes, significa apenas ouvir.

Houve um dia que eu decidi que não falaria nada durante uma aula inteira. Sim, você leu certo. Eu queria ver o que aconteceria se, durante cinquenta minutos, eu simplesmente não desse respostas, não orientasse, não impusesse o conhecimento. O resultado foi revelador. Os alunos começaram a se organizar sozinhos. Eles começaram a questionar uns aos outros, a buscar respostas entre eles mesmos. Alguns estavam mais hesitantes, mas outros se mostraram líderes naturais. Quando finalmente comecei a falar, percebi que o que eles mais queriam era o meu apoio, mas não no sentido de eu lhes dar a resposta certa. O que eles realmente precisavam era de alguém para validar seus próprios raciocínios, alguém que os estimulam a pensar por conta própria.

Foi um aprendizado para mim. Às vezes, é preciso dar um passo atrás, permitir que o aluno seja o protagonista. Essa lição de humildade, de saber o momento de apenas observar e absorver, foi uma das mais valiosas que a profissão me ensinou.

Há momentos também que ensinar é uma verdadeira comédia. Existem momentos no ensino que são absolutamente engraçados, e não estou falando de uma comédia planejada, mas de situações inesperadas que surgem e que têm um poder transformador. Lembro-me de uma vez em que estava explicando o processo de fotossíntese, com todos os detalhes científicos, quando um aluno, com um sorriso maroto, me perguntou: “Professor, se as plantas estão sempre tirando ‘selfies’ de suas células para fazer fotos de seu trabalho, isso significa que elas têm redes sociais? Tipo… Insta Planta?”. A sala explodiu em risadas, e eu, sem conseguir segurar o riso, respondi: “Bem, se elas tivessem, acho que teriam um grande número de seguidores, já que elas são experts em fazer ‘uploads’ de oxigênio, não é?”.

Às vezes, é o humor que ajuda a criar o ambiente perfeito para o aprendizado. Como professor, eu aprendi que nem tudo precisa ser sério e rígido. O humor, quando usado com sabedoria, é uma das melhores ferramentas para quebrar barreiras e conectar conceitos que podem parecer complicados. Ele humaniza o ensino, tornando-o mais próximo e, ao mesmo tempo, mais eficiente. Afinal, aprender também pode ser divertido, e o riso é uma forma poderosa de manter as mentes abertas e atentas.

Mas o que realmente torna o ensino algo inesquecível são os pequenos momentos de vitória. Aqueles momentos em que um aluno finalmente entende um conceito, ou, melhor ainda, quando ele começa a entender o mundo ao seu redor de uma maneira que nunca imaginou. Esses momentos são a verdadeira recompensa de um professor.

Essas vitórias não são grandes, não são ovacionadas. Mas elas estão ali, escondidas em cada um dos alunos que, de alguma forma, nos transformam. Eles nos ensinam tanto quanto nós os ensinamos. Cada gota de aprendizado que eu tento passar para eles acaba se misturando às minhas próprias descobertas. E é isso que faz do ensino um ciclo eterno de troca.

Para concluir, ser professor é absorver, adaptar, ouvir, rir, e, acima de tudo, crescer junto com os alunos. A sala de aula é um lugar de constante transformação, onde tanto o professor quanto o aluno são esponjas, absorvendo e crescendo a cada desafio. E, ao fim de cada dia, você percebe que, mesmo que o mundo pareça um lugar difícil, cada pequeno gesto de compreensão, cada passo de evolução, faz tudo valer a pena.

Eu continuo sendo esponja, sempre pronto para absorver, para aprender, para ensinar e, principalmente, para seguir em frente. Afinal, o que seria de nós se não fosse essa capacidade de aprender uns com os outros?

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