Antoninho Rapassi
Bem no final de uma rua secundária, ladeando os trilhos da antiga Cia. Paulista de Estradas de Ferro, tinha um pé de jurubeba. Esta planta habita as cercanias das construções humanas, como saliência das calçadas, dos muros danificados e outras cavidades disponíveis. O vocábulo “ruderal” vem do latim e significa escombros. E a antiga língua-mãe ainda nos oferece outro recurso vocabular quando queremos nos referir especificamente às cavidades das rochas: trata-se do substantivo feminino “anfractuoso”. Pois bem, a tal jurubeba desafia as leis da fertilidade do solo e…surge vigorosa, espinhenta e tortuosa para nos oferecer seu fruto bacáceo, de comprovados resultados medicinais e ricos em proteínas.
Considero-me um propagandista e incentivador do consumo destes bagos esverdeados, saborosos em sendo amargos. Propago receitas na gastronomia rudimentar dos sertões, quando o ingrediente principal é a costelinha suína, cubos do lombo ou do pernil suínos, além da carne de frango trabalhada na panela com outras especiarias. A jurubeba tem personalidade marcante e deve ser usada sem parcimônia. “quod abundat non nocet” (o que abunda não prejudica) eis o lema. Se na alimentação a jurubeba é um excelente alimento, também nas libações alcoólicas ela não deve ser desprezada. Vem do nordeste brasileiro o apelo afrodisíaco da jurubeba, quando macerada com o vinho, chegando ao consumidor voraz com o nome de “Leão do Norte” para lembrar o desempenho varonil do rei dos animais. Confirmo esta versão popular, acrescentando sem medo de errar: a jurubeba é o viagra vegetal, desde que usado de forma continuada, prazerosamente continuada.
Escrevi tudo isto, aí em cima só para externar o desagrado, o meu inconformismo, o protesto e outros desabafos que tais, pelo fato de não ter encontrado aquela planta que me fazia lembrar as árvores tortas do cerrado goiano. Era ela que, ultimamente vinha abastecendo os meus potes de conserva, quando eu era mais esperto dos outros concorrentes que também eram predadores da rica frutinha esférica. Cortaram o pé de jurubeba. Ele que, para não atrapalhar a passagem das pessoas, nasceu numa brecha entre o meio fio e a calçada craquelada no cimentado antigo. Os galhos estendidos para a rua e espinhentos ofereciam, para o deleite visual, as suas delicadas flores brancas de cinco pontas estelares e o centro com pistilos de um amarelo vivo que me levavam a pensar num ourives que as traduzissem em formato de brincos e pingentes. Enfim, eram naqueles galhos espinhentos que pendiam as pencas das verdes e duras jurubebas para fazer a alegria dos epicuristas tanto na mesa como no amor.
18 de Setembro de 2019