O projeto “Pronto para Levar” recém contemplado na modalidade de Artes Cênicas pelo programa BOLSA CULTURA 2021 tem o apoio da Secretaria de Cultura e Turismo de Votuporanga.
A série de espetáculos Prêt-à-Porter pretende a supremacia do ator em lugar da pirotecnia cênica. Com pouquíssimos elementos cenográficos, luzes estáticas para apenas dar visibilidade à cena, os espetáculos podem ser encenados em qualquer espaço e com baixíssimo custo.
Ter talento é mais do que possuir uma aptidão ou uma habilidade, é um dom que nasce com a pessoa!
Tido como uma das mais antigas manifestações culturais da humanidade, o teatro abre espaço para que escritores e artistas se expressem por meio de interpretações de roteiros que trazem sempre questões atuais da sociedade, aqui em Votuporanga a escritora Luciene Vespa chama atenção pelo talento: “a escrita, desde muito nova, sempre foi um lugar de desabafo e de sonhos”.
Nos dias 23 e 24/10 ela brinda o público votuporanguense por meio de apresentações onlines de suas peças teatrais.
O projeto “Pronto para Levar” recém contemplado na modalidade de Artes Cênicas pelo programa BOLSA CULTURA 2021 e apoiado pela Secretaria de Cultura e Turismo de Votuporanga, faz uma alusão ao fenômeno teatral Prêt-à-Porter que tomou conta do Sesc Anchieta em São Paulo, sob a coordenação do diretor Antunes Filho, entre os anos de 1999 e 2011.
“Pronto para Levar” é composto por três peças curtas de Luciene Vespa cuja a escrita teve início no começo da pandemia de 2020, em oficina virtual que a autora fez com os dramaturgos Lucas Mayor e Marcos Gomes.
Não tem cenário sofisticado. Não tem a criação de uma iluminação que talvez pudesse enriquecer a encenação do espetáculo e a direção e sonoplastia é coletiva.
“A menor distância entre dois pontos no espaço” abre o espetáculo contando a história de um menino de oito anos e sua mãe, que contraiu o vírus da Covid 19 e por estar desempregada, pede a avó materna de seu filho, para vir buscá-lo. A cena traz a sensibilidade dos atores Gabriel Dionísio e Luciene Vespa a flor da pele.
“Roommates” é o encontro entre duas mulheres muito parecidas, mas de gerações e idades diferentes, ambas vindas do interior e que vão dividir um apartamento na cidade grande. A cena é envolta de suspense e humor, mas não deixa de expressar todo a ternura e afeto evidenciados nas encenações magistrais de Liana Poiani e Julia Pagioro.
“Encélado” pode parecer uma ficção científica sobre os últimos habitantes do planeta terra, que se encontram no bar Casablanca, situado na lua terrestre, para deixar os últimos registros de luas com possiblidades de habitação, no sistema solar, já que dentro de alguns segundos, não haverá mais o planeta terra. Mas não se trata disso. É uma história romântica, cheia de clichês e sobre os desencontros amorosos de dois amantes, muito bem interpretados pelos atores João Teixeira e Julia Pagioro, com participação especial do ator Gabriel Dionísio.
“Durante esse período pandêmico e show de horrores que nos foram impostos por governos imprudentes e assassinos onde a arte, dentre outros segmentos do mercado, e também os artistas sofreram com as mortes de seres humanos (seu material de trabalho), a clausura e impossibilidade de exercerem seus ofícios no palco, esse espetáculo pretende também, dar um respiro de esperança e provocar novamente no público votuporanguense, a vontade de sair de casa para assistir teatro, no teatro. Resistimos”, relata Luciene.
O jornal Diário de Votuporanga conversou com Luciene Vespa, acompanhem:
DV: Desde quando exatamente você se tornou escritora? Quantos trabalhos já escritos? Cite os mais importantes para você.
“Acho que não me tornei escritora ainda. Me sinto em eterna construção. Mas eu confesso que gosto e tenho facilidade para me expressar por meio da escrita, desde pequena. Encontro na escrita minha forma mais autêntica de expressão como ser humano, e como artista. Parece que a folha em branco me permite brincar de ser o “todo poderoso”, “a dona da história”. A escrita me permite ser. Me permite criar, inventar, apagar, refazer quantas vezes for preciso. Uso a escrita, hoje em dia, para o teatro. Escrevia muita poesia na adolescência, como forma de expressar sentimentos e angústias existências próprias da fase. Mas nunca publiquei essas coisas. Tenho alguns poeminhas infantis nos livros “Assim Nasce um Escritor” feitos na época do colégio. E tenho apenas uma peça teatral publicada “P(h) Atos, na coletânea “Núcleo De Dramaturgia Sesi – British Council – 4 Turma – pela Editora Sesi.”
DV: Você acha que hoje o marketing é tão importante quanto o talento para o sucesso de um escritor?
“Pergunta difícil. Marketing pode ser muito importante para dar visibilidade às primeiras obras de novos escritores e fazê-los acreditar que estão no caminho. Pode ser importante para dar lugar as obras de velhos escritores esquecidos e fazê-los crer que fizeram a escolha certa. E, se bem feito, o marketing pode ser fundamental para descobrir escritores escondidos nos subsolos Dostoievskianos, ou poetisas como Cora Coralina, escondida nos afazeres do lar, no meio do mato e quase no final de sua trajetória como artista. Mas hoje, o marketing também dá visibilidade demais e até credibilidade a escritores medíocres – não vou dizer sem talento, porque acredito que a boa escrita pode ser treinada e exercida por qualquer um que saiba usar o idioma – não se importando muito com a qualidade da obra em si. Entende? O marketing pode ser o responsável por te fazer acreditar que a obra é boa porque foi escrita por fulano de tal, e não porque é boa mesmo. Ou o contrário. A obra é ruim porque quem escreveu não tinha o reconhecimento da academia ou do público. Tudo uma questão de marketing hoje em dia.”
DV: Como é a vida de escritora?
“A minha é truncada e cheia de relevos e depressões. Escrevo quando a necessidade está batendo tanto que não poderia fazer outra coisa se não, escrever. Escrevo peças jurídicas para ganhar um troco (sou advogada de formação) e pagar meus boletos e escrevo peças teatrais para me sentir viva. E ainda, misturo a escrita (que não tem uma rotina certa) junto com a rotina doméstica de mãe solteira e dona de casa.”
DV: Em sua opinião, apareceu algum bom escritor nos últimos tempos no Brasil?
“Sim, muitos. Essa coisa de definir um escritor como bom ou ruim deixamos para os críticos literários. Eu penso que devemos ler o que ou quem a gente quiser e eu preciso ler mais. Vou citar o Itamar Vieira Junior (Torto Arado) e Ailton Krenak (Ideias para adiar o fim do mundo) que agradaram crítica e público e que ainda não li. E temos “bons” autores espalhados pelo Brasil todo e desconhecidos para mim. Confesso que estou priorizando as mulheres escritoras, tenho feito listinhas com nomes de escritoras que preciso conhecer. A Conceição Evaristo (Olhos D’Água) por exemplo, conheci no início do ano, por acaso. Ainda tem um montão de escritoras novas para eu ler e descobrir que já estão na mídia faz um tempão, como por exemplo a Luz Ribeiro (Eterno Contínuo) e a Aline Bei (O Peso do Pássaro Morto). É que não desgrudo da Lispector, da Hilst…”
DV: O que você acha da Cultura no Brasil, é valorizada?
“Se a gente pensar que cultura abrange todas as tradições e formas de conhecimentos de um determinado grupo social, incluindo a sua língua, as suas comidas típicas, as religiões, a música local, as vestimentas, dentre inúmeros outros aspectos, e sendo a arte um desses aspectos, eu penso que a arte, no Brasil, não é valorizada. Imagina só, nossos museus pegando fogo, não temos mais ministério da cultura. Não, definitivamente, não somos nenhum pouco valorizados. A arte não é bem remunerada e sequer reconhecida como um dos pilares necessários e importantes na vida do ser humano. Qual é a função social da arte, afinal? Só para simplificar, quem acha que a cigarra é a preguiçosa que não trabalhou o verão todo e agora quer comer do plantio da amiga formiga? Quem acha que a cigarra é a sonhadora da tribo, a criança que não quer crescer e arrumar um emprego sério, passar num concurso público, enquanto que a formiga, por outro lado, é quem trabalha de verdade, quem de fato contribui para o social?”
DV: Projetos futuros?
“Ler mais. Estou com minha lista em atraso. Tenho dislexia (leve) mas troco as letras de lugar na escrita e na leitura. Embaralho tudo. E daí que preciso ler e reler a mesma página várias vezes para entender o conteúdo, por conta dessas trocas todas. Descobri o audiobook recentemente e estou me dando bem com essa modalidade, porque é bastante cansativo não conseguir fluir naturalmente na leitura, como a maioria dos leitores fluem. Tenho um projetinho de leituras para o meu canal no youtube (luvespa), mas ainda em elaboração.”
Luciene acrescenta:
“Ainda estou me organizando com relação a exposição do meu trabalho enquanto artista, porque nunca me assumi como tal, até mesmo para não prejudicar a empregabilidade que buscava na área jurídica (quem acreditaria em uma advogada que também é atriz? Ah, os velhos preconceitos. Meu canal no youtube é recente e está em construção. Não tenho um facebook só para a artista (Luvespa) ou só para a advogada (Luciene Monteiro). Tudo caminhou junto e misturada até hoje. Mas estou pensando em separar as minhas áreas de atuação, embora todas estejam interligadas. Você sabia que o Leonardo Da Vince teria a maior dificuldade em se apresentar no LinkedIn? Porque com tantas habilidades e dono de múltiplos talentos, fico imaginando se ele seria levado a sério como matemático ou arquiteto ou até mesmo engenheiro que também era, além de artista e inventor dentre outras coisas. Mas a gente que precisa lapidar nossos múltiplos dons porque não chegamos aos pés da genialidade de Da Vince, somos tomados por perdidos, ou até mesmo fracassados.”
DV: Luciene você é natural de Votuporanga? Trabalha e mora aqui?
“Sou sim. Eu nasci em Votuporanga em 15 de agosto de 1972 e saí daqui muito cedo, aos 17 anos, mas sem nunca ter abandonado as minhas raízes caipiras. Atualmente, meu trabalho (que paga boletos) é virtual, consigo fazer tudo por meio da internet (home office). Eu moro parte do ano em Votuporanga e a outra parte do ano, em São Paulo.”
DV: Além de escritora você também é atriz?
“Sim. Sou uma atriz com muitas limitações (ou crenças limitantes) porque tenho uma dificuldade imensa em decorar um texto, até o meu próprio, (risos). Mas aos poucos estou melhorando. Quem sabe aos 60 anos fico fera? Eu sou rata do teatro. Gosto de estar tanto na plateia, assistindo tudo o que posso, como também em cima do palco, atrás dele (na coxia, auxiliando), e na frente (dirigindo). Gosto e me conecto com a minha essência divina por meio do teatro. Mas sou também advogada especializada em propriedade intelectual e formada em 1998, pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Ah, e sou a mãe do Miguel, minha obra fruto da arte mais gostosa que já fiz.”
Por Andrea Anciaes