Sala de aula, a última trincheira da paz

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor 

Enquanto o mundo acelera na direção do ódio instantâneo, a sala de aula insiste em caminhar devagar, costurando diálogos, remendando feridas e lembrando que a paz começa ali. 

Todo ano, quando me perguntam o que significa “educação contra o ódio”, eu respiro fundo, aquele fundo de quem segura o espirro e a paciência ao mesmo tempo, e respondo com a pedagogia possível. Porque muita gente acha que combater o ódio é distribuir cartazes coloridos, fazer roda de conversa com música da moda e citar frases motivacionais de internet. Como se a paz fosse um filtro do Instagram e não um ofício diário, cheio de borrões, nós e tentativas reescritas no quadro. 

Na prática, “educação contra o ódio” é quando um aluno de onze anos pergunta se pode contar “uma piada sobre loira”, e você vira uma estátua por três segundos, calculando se começa pela história do racismo estrutural, pela misoginia, ou pela pergunta clássica “por que isso é engraçado pra você?”. Ser professor, hoje, é fazer malabarismo com fósforos acesos e ainda sorrir para a foto da reunião pedagógica. 

As redes sociais não ajudam, meu aluno sabe decorar 42 memes por minuto, mas tem dificuldade de lembrar o nome do poeta lido na semana passada, professores nos dias de hoje estão competindo com vídeos de trinta segundos, dancinhas, “pegadinhas sociais” que naturalizam humilhação, e algoritmos que alimentam preconceitos como quem alimenta pombos na praça.  

O ódio virou entretenimento embalado, editado, com trilha sonora e monetização. E nós, professores, tentamos puxar o estudante de volta para o mundo onde as coisas têm profundidade, contexto e responsabilidade, às vezes conseguimos, mas muitas vezes, parecemos um navegador tentando remar contra uma maré de notificações. 

E, sinceramente? Falta política pública para isso. Falta formação que nos ensine a mediar conflitos raciais em uma sociedade que ainda confunde “consciência negra” com feriado prolongado, acredito que falta coragem institucional para admitir que o racismo não é só contra afrodescendentes, ele se reinventa, muda de roupa, ganha outros alvos, e continua rondando os corredores como um fantasma que insiste em não ser visto. Falta, sobretudo, alguém que diga que o professor, não está sozinho. Porque, no fim das contas, estamos. Ou quase isso. 

Às vezes sinto que ensino com um balde furado, encho de conteúdo, reflexão, empatia e o mundo esvazia tudo pela torneira da superficialidade.  

Você passa semanas discutindo desigualdade, e no dia 20 de novembro alguém pergunta “Profe, vai ter ponto facultativo?” A data vira descanso, não reflexão, post para Instagram, não compromisso, hashtag, não responsabilidade. 

Mas e aqui entra a parte bonita da história, há sempre um instante que salva o dia, como a aluna que volta do recreio e diz que explicou para o amigo por que uma “brincadeira” não era brincadeira, ou o menino que te mostra um vídeo racista e pergunta se pode denunciar, a turma que decide não repetir um estereótipo.  

São pequenas brasas de humanidade numa fogueira que insiste em apagar. 

Eu coleciono esses instantes como quem guarda pedrinhas no bolso, lembranças que me fazem voltar para a sala de aula mesmo quando o país parece caminhar para trás em câmera lenta, porque, no fundo, ainda acredito que a escola é a última trincheira possível, o lugar onde a paz ganha forma de palavra, gesto ou silêncio respeitoso. Onde a gente aprende que viver junto é mais difícil que fazer prova de matemática, mas também muito mais bonito. 

E talvez a pergunta que fique enquanto fecho a porta da sala e apago a luz seja esta: “como continuar ensinando a paz num mundo que ainda acha que o ódio dá mais audiência…?”