Numa educação governada por pressa, algoritmos e improviso, o professor descobre que resistir é transformar a sala de aula num espaço onde pensar ainda é possível.
Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor
De vez em quando alguém me encontra no corredor da escola, geralmente um colega bem-intencionado, desses que ainda acreditam no poder das frases motivacionais e diz: “Força, professor! Resistência sempre!”, assim, como quem entrega um escudo brilhante para uma batalha épica, eu agradeço, claro, porque gentileza sempre vale ouro, mas confesso a vocês que nem sempre sei o que querem dizer com “resistir”.
Parece que imaginam que a resistência do professor é um tipo de heroísmo mitológico, uma coragem cinematográfica, iluminada, com trilha sonora de superação e câmera lenta, quase vejo o pôr do sol ao fundo, eu segurando um apagador como se fosse a espada de um cavaleiro medieval.
A verdade, porém, é que a resistência cotidiana tem muito menos glamour, ela acontece quando o professor tenta explicar um conceito importante enquanto compete com notificações sonoras de celulares que pipocam como pipoca no micro-ondas, ou quando você prepara uma aula sobre leitura crítica e, de repente, um aluno anuncia uma “verdade absoluta” que encontrou em três segundos no Google, verdade esta que desmonta metade da sua explicação, não porque esteja correta, mas porque foi dita pela internet, esse novo oráculo do século XXI.
A resistência é quase sempre silenciosa, meio torta, feita à base de café requentado e uma certa teimosia pedagógica.
E aí entra outro mito, o de que estamos “lidando muito bem” com a tecnologia. Ah, se as pessoas soubessem, deveriam ver a ginástica mental que fazemos para concorrer com esse universo de vídeos de 20 segundos que prometem transformar qualquer conhecimento em “dicas rápidas”, “truques infalíveis” e “3 passos para ficar inteligente sem esforço”.
Enquanto isso, nós seguimos tentando ensinar que reflexão não cabe em tutorial e que para pensar exige pausa, para aprender, às vezes, dói e que a vida não vem com atalhos editados em vídeo vertical.
O problema é que pouca gente discute o óbvio, não fomos preparados para isso, me diga, existe política pública que nos entregue um manual para enfrentar esse mundo digital acelerado, onde tudo precisa ser imediato e divertido, ou alguma formação continuada que dê conta da avalanche de mudanças que chega à sala de aula como um tsunami silencioso.
Então fazemos o que sempre fizemos, inventamos, ajustamos, improvisamos, criamos pontes com fita adesiva e seguimos trabalhando com a sensação incômoda de estar tentando decifrar o código do mundo sozinhos, como quem monta um quebra-cabeça sem ter visto a foto da caixa.
E, no entanto, é nessa solidão pedagógica que a resistência renasce, não por heroísmo, mas por encontro. Sabe quando um aluno, aquele que passa metade da aula brigando com o próprio pensamento, levanta a mão para fazer uma pergunta que você não esperava, ou quando o outro diz que levou o caderno para casa “porque queria terminar o que não deu tempo”, aí você vira para o lado e vê olhares demorados, mais atentos, mais curiosos, e percebe que, por alguns segundos, o mundo digital lá fora perdeu a disputa.
A sala de aula, apesar de tudo, segue sendo um território precioso. Um lugar rarefeito, quase artesanal, onde as pessoas se encontram para pensar juntas, ainda que essa tentativa dure apenas alguns instantes. É ali que testemunhamos pequenas vitórias que não aparecem em relatórios nem constam em indicadores, mas que renovam a esperança de que ensinar ainda faz sentido.
Porque resistir, afinal, não é lutar contra o mundo moderno, é uma luta contra a ideia de que pensar já não importa.
E cada vez que um aluno pergunta “por quê?”, mesmo que seja para discordar, o professor respira fundo e percebe que ainda há futuro ali, talvez pequeno, provisório, frágil, mas há.
E você, leitor, que também carrega uma escola dentro de si, qual é a resistência que você exerce todos os dias, mesmo sem perceber?




