Bruno Arena, atual inquilino e proprietário do Cinema declarou em vídeo, publicado nas redes sociais nesta semana: “Quero parabenizar o COMDEPHAACT
pela abertura do processo de tombamento da fachada e do volume deste prédio. O
projeto ainda está em procedimento para tombamento, mas é louvavel a preocupação do
órgão pela preservação desta fachada histórica. A gente vê fotos antigas e essa fachada
já existia quando as torres da Catedral ainda estavam sendo construidas, muito louvável esta iniciativa.”
Entre as justificativas do projeto consta que o objeto do tombamento corresponde a
um edifício constituído de um salão próprio para cinema, com galeria para
comércio. O Cine Votuporanga está ativado, em uso, e é um grande atrativo para a
cidade. Quando cerca de um terço da população Votuporanguense da época sentou-
se nas poltronas de madeira, confeccionadas de forma artesanal, na noite de 09 de
Novembro de 1940, para assistir a exibição do filme norte-americano “Ben Hur” no
então, Cine Paramount, com capacidade para 420 lugares, em um vilarejo com
cerca de 1500 habitantes, dois grandes feitos se deram: a concretização de um sonho
do português Manoel Ramalho Matta (artesão das poltronas e proprietário do
cinema), e o nascimento da importância regional da cidade de Votuporanga.
Após mais de uma década de funcionamento do cinema, em 1959, o sr. Ramalho
Matta, que até então atuava em convênio com a empresa “Irmãos Curti / Filmes
Cinematográficos” de São José do Rio Preto/SP, entregou a ela o controle total do
cinema, acarretando na mudança de nome, de Paramount para Cine Votuporanga.
Como Cine Votuporanga, o edifício do cinema acolheu centenas de casais, famílias,
e histórias individuais e coletivas por mais de 50 anos, até ser vendido para novos
administradores que lançaram o Novo Cine Votuporanga, no ano de 2021.
Uma importante referência desta história é o Sr. Valter Nascimento, gerente do
antigo cinema até o final da década de 1980, de saudosa memória.
História
Instalado em um prédio de 1952 que mantém a mesma arquitetura de sua
inauguração, é o único cinema de rua da cidade que possui sessões diárias de
lançamentos nacionais e internacionais. Em seus relatos, Manoel Ramalho Matta
explicava que o cinema era “um exagero para a época”, e sua vocação de
grandiosidade continuou, mesmo com o constante prejuízo financeiro que o cinema
lhe proporcionou.
No ano de 1945, Votuporanga, já com cerca de 10 mil habitantes, iniciou a
construção do Cine Votuporanga com capacidade para 1200 lugares, no prédio
situado na Rua Fernando Costa, esquina com a Rua Amazonas. Como o cinema era
quase o único entretenimento popular e não havia sequer “cinema em casa”, através
da televisão, este realizava sessões diárias de casa cheia durante toda a semana, com
uma sessão à noite de segunda a sexta-feira, no sábado à noite duas sessões e no
domingo três sessões de manhã, à tarde e à noite. Chamava-se Cine Paramount. O
prefixo musical que anunciava o início de cada sessão cinematográfica era a
música em disco rotação 78 RPM, “Brasil de Chopp”.
Na década de 1940 a força elétrica desse cinema era própria. Haviam enormes
motores a óleo instalados naquele quintal, em local coberto de telhas e sob
amoreiras. Os mecânicos mantenedores eram Orácio Boch e seus irmãos, Fábio
Boch e Júlio Boch, que também eram os técnicos operadores da aparelhagem e
máquinas que focalizavam os filmes em preto e branco na tela de pano. O filme
colorido e o cinemascope vieram na década seguinte. Além da exibição dos velhos
filmes, o Cine Paramount, com suas poltronas removíveis, era utilizado também para
salão de baile e para apresentações teatrais célebres e de autores polêmicos, como
por exemplo, Oduvaldo Viana Filho. Nas décadas de 1940 e 1950 foram gerentes do
Cine Paramount os sobrinhos do Sr. Manoel Ramalho Mata – os jovens Basílio,
Mário e Telo – este farmacêutico. O porteiro foi sempre o sr. Francisco Zelioli, já
falecido. Em 03 de junho de 2021, o “Novo Cine Votuporanga” foi
reinaugurado conservando as características externas do prédio, mas internamente
recriando todo o espaço que, além da modernização da sala de cinema, também
comporta lanchonete e área para apresentações culturais. (Diário Oficial do
Município – Votuporanga, Sexta-feira, 05 de agosto de 2022 Ano VII, Edição nº
1691).
Valor arquitetônico e urbanístico
O edifício que acolhe o Cine Votuporanga apresenta valor arquitetônico ao
representar um exemplar da arquitetura art deco em Votuporanga.
O art deco é um estilo arquitetônico que ganhou força no Brasil a partir dos anos 30
e se expandiu para o interior paulista, definindo o estilo arquitetônico de
residências, comércios e edifícios públicos, em um período que se vivenciou a
revisão da arte, da arquitetura, da literatura, da pintura e da música, inaugurado com
o Movimento Moderno de 1922. Um estilo ancorado na composição estética de
linhas geométricas e elegantes, com verticalidade e escalonamento dos volumes da
fachada, na simplicidade, simetria e na repetição de elementos e ornamentos
discretos.
O edifício do Cine Votuporanga, erguido no início dos anos 50, além de trazer
traços específicos do estilo art deco, que marcou um período da produção da
Arquitetura nas cidades paulistas, compõe um conjunto arquitetônico e urbanístico
que configura o centro histórico de Votuporanga. O gabarito de altura do edifício
permite que ele se relacione perfeitamente com a escala da rua. Moradores e
transeuntes, ao percorrerem a região central, conseguem visualizar e identificar o
edifício em sua totalidade, tendo-o como um marco referencial na localização na
cidade. Como exposto por Kevin Lynch, este edifício, como se apresenta,
compreende um elemento fundamental para a construção da imagem da cidade e
para a identidade desta cidade para aqueles que nela vivem e visitam.
O Complexo formado pela Catedral, pela praça central, pelo Cinema e edificações
do entorno da praça, tem como característica o gabarito mais baixo dos edifícios
(com até 2 pavimentos), e recuos e distanciamentos entre praça e edifícios, que
permitem a vivência do lugar de maneira prazerosa, sem sufocamento visual, sendo
um conjunto edificado em harmonia, que permite o ventilar e iluminar natural para
quem o vivencia.
Como espaço aprazível de se viver, o conjunto da praça, Catedral e cinema, faz
parte da vida de toda a sociedade votuporanguense. Representa o lugar de memória
das inúmeras atividades ali vividas desde o início dos anos 50. São gerações que se
acumulam tendo o cinema e todo o complexo como um marco na memória coletiva
que dá segurança aos cidadãos em função do sentido de pertencimento, de
reconhecimento de Votuporanga como seu lugar.
Dessa maneira, a preservação de um bem que configura um patrimônio
arquitetônico e cultural para a sociedade votuporanguense é de grande importância e
urgência, pois significa o respeitar e cuidar da história compartilhada por todos nós,
conclui o projeto.
Fachada frontal do imóvel antes da reforma