Pedagogia do joelho dobrado

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor

Estamos voltando depois de um recesso abençoado e com gostinho de quero mais, portanto o texto de hoje não poderia ser sobre outro assunto, senão esse retorno as aulas.

Durante o recesso passei por vários lugares, e em um deles me deparei com essa mensagem colada em uma parede: “E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.” (Gálatas 6:9)

As vezes a vida nos surpreende, mas diante das surpresas da vida devemos continuar em frente, e mesmo quando caímos devemos continuar, se não puder ir de pé, continue de joelhos mesmo, afinal o deserto não é lugar de morada, mas de travessia.

O chão da sala de aula é, muitas vezes, um deserto, quem já pisou em uma sala de aula com quinze, vinte, às vezes trinta ou mais pares de olhos famintos por atenção, amor, compreensão e, talvez por último, algum conhecimento de matemática ou língua portuguesa, sabe do que estou falando. Ser professor no Brasil não é profissão, é trabalho, renúncia, é cruz. E, como toda cruz, tem o seu Gólgota, mas também carrega a promessa da ressurreição.

Mas o caminho até lá é um verdadeiro deserto, dos mais áridos. Aquele tipo de chão que não dá trégua. Onde cada passo é um esforço, cada gesto exige uma força que às vezes você nem sabe de onde está tirando.

E então vem aquele momento em que você não aguenta mais ficar de pé. Pilhas de provas para corrigir em cima da geladeira, porque a mesa da cozinha está ocupada com os planos de aula da semana seguinte.
O filho pede atenção, o parceiro reclama da ausência, a conta de luz venceu, e o salário mal deu pra comprar o básico da cesta, mesmo assim, amanhã, você tem que chegar na escola com um sorriso no rosto e a energia de quem passou um fim de semana no paraíso.

Mentira! Quem falou isso para você, não sabe o que diz. Você não tem que mascarar emoções, se não estiver bem, como irá fazer bem ao próximo?
E aí aquela frase ecoa em sua cabeça: “Quando não puder ir de pé, vá de joelho mesmo.”

Ir de joelho não é se humilhar, é reconhecer a própria humanidade, para nós professores, é muito mais do que resistência, é entrega. É ajoelhar-se ao lado do aluno e olhar nos olhos dele como quem diz: “Eu não desisti de você.” Mesmo quando ele grita, finge que não escuta, ou diz que odeia a escola, mesmo quando ele joga seu esforço pela janela com um “não tô nem aí”.

Ajoelhar-se é se colocar no chão simbólico da empatia, e lembrar que aquele aluno que te desafia pode estar lutando batalhas muito maiores do que um simples dever de casa esquecido.

Ficar na posição de joelhos pode ser também aquele momento que você se tranca no banheiro da sala dos professores e deixa a lágrima cair. Porque sim, educador chora, muitas vezes escondido, chora engolindo o grito, chora de exaustão. Mas chora por amor, porque ama tanto, que dói.

Afinal, ir de joelho é orar, mesmo quando você não tem mais forças para palavras bonitas e diz: “Senhor, eu não consigo mais. Me ajuda.”

E Ele ajuda, porque o deserto não é lugar de morada é a travessia, deserto é aquele tempo da escassez de reconhecimento, de recursos, de tempo, de energia, é o tempo em que os aplausos somem e só sobra o eco do seu próprio cansaço.

Mas o deserto também é lugar de milagre, se você parar para pensar, foi no deserto que o povo de Israel foi alimentado com maná, no deserto que Jesus resistiu às tentações e é lá que muitos encontraram o sentido da sua missão.

Professor que entende que está no deserto, entende também que está a caminho e não é hora de montar a tenda ali e desistir. Não é para aceitar que “é assim mesmo” e deixar o sonho morrer.

Para nos professores, o deserto é o espaço da resistência silenciosa e todo professor já viveu (ou está vivendo) esse deserto.

E quando não tem como ir de pé, o joelho dobra, o espírito se levanta, pois é nesses momentos de maior dor que descobrimos uma força que não vem de nós. Porque quando tudo falta, percebemos o valor do que realmente importa.

Na escola, quando você dobra o joelho, às vezes simbolicamente, às vezes literalmente, você se reconecta com o seu chamado, um verdadeiro ato de coragem, se rendendo àquilo que você não pode controlar, e ainda assim continua.

O aluno que você tenta alcançar há meses, e parece não mudar, o gestor que cobra sem entender a realidade da sua sala, a comunidade escolar que exige muito e oferece pouco, o cansaço que não passa, a ansiedade que chega antes do despertador.

Tudo isso continua lá.

Mas quando você dobra o joelho, você acessa um lugar sagrado, onde a profissão dá lugar a missão e a fé. Uma fé de que sua presença ali transforma vidas. Mesmo quando você não vê e mesmo quando ninguém agradece.

São tantas histórias de luta e superação que o chão da sala de aula tem para contar que ele acaba se tornando um lugar sagrado, e o mais incrível é que todas essas histórias nos levam a buscar no silêncio da travessia o reencontro, descobrindo que nosso valor não está na opinião dos outros, mas na verdade daquilo que acreditamos.

Essas histórias, como tantas outras, mostram que ir de joelho não é fraqueza, pelo contrário, é força disfarçada de rendição.

Eu sei que nossa luta é grande, mas não é solitária. Muitos professores acreditam que estão sozinhos e essa é uma das maiores mentiras do deserto.

Há um exército de educadores caminhando ao seu lado mesmo que você não os veja, sua sala de aula não é um planeta isolado.

Mesmo que ninguém da equipe pedagógica entenda o que você vive ali dentro, você não está só. E além disso, há um Deus que caminha com você nesse deserto, Ele não te abandona, Ele te sustenta quando suas forças se esgotam, enxuga suas lágrimas, mesmo quando você não as deixa cair.

Existem tantas teorias sobre nosso trabalho, mas nenhuma explica a pedagogia do joelho dobrado, uma pedagogia que não está nos livros didáticos, você não encontra nos cursos de formação e muito menos no currículo obrigatório.

Essa pedagogia é das minhas vivencias, uma teoria que busco compreender em dezessete anos de vivencias em sala de aula.

Descobri que a pedagogia do joelho dobrado é aquela que ensina pela escuta, pelo afeto, pela paciência, ela acredita no aluno mesmo quando ninguém mais acredita, uma pedagogia que ora antes de entrar na sala, pedindo sabedoria, celebra pequenas vitórias, fica feliz quando o aluno consegue escrever uma frase sozinho ou conseguiu ficar na sala a aula inteira, o que pediu desculpas depois de tanto tempo sem reconhecer erro.

Uma pedagogia silenciosa, mas transformadora, discreta, mas revolucionaria, dolorida, mas resgata tudo aquilo que vem se perdendo nessa atualidade que vivemos hoje.

É uma ferramenta que sustenta o chão da educação no nosso país.

Professores, a travessia no deserto acaba, mas a nossa missão continua e se hoje você está atravessando um deserto, não pense que é o fim, é apenas uma parte do caminho.

Não é fácil a travessia, mas é ali, no deserto, que sempre acontece algo novo. Neste lugar árido água brota da rocha, o alimento vem quando a força acaba, encontramos direcionamento guiados com nuvem de dia e fogo à noite.

E você, professor, é essa coluna de fogo para muitos alunos, o brilho que ilumina os caminhos mesmo quando o seu próprio está escuro.

Não desista, pois o deserto não é morada, é só passagem. Vá de joelho, mas vá, porque o que te espera do outro lado é a terra prometida da transformação, o reencontro com o sentido, o momento em que você olha pra trás e diz, valeu a pena

E se tudo falhar, ore quando ninguém vê, quando o coração apertar, quando a esperança vacilar, ore. Porque há um Deus que conhece a tua luta.

“Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças. Subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão.” (Isaías 40:31)

Um ótimo retorno a todos.