Pagina 2 – As Quermesses dos grandes folguedos

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Antoninho Rapassi –

Naquele remoto sábado da minha juventude convidaram-me para uma festa de 15 anos. Achei 15 anos muito tempo, e então abracei a ideia de ir divertir-me na quermesse do Largo da Matriz, que se realizava bem próxima da minha casa.

Era uma festa e tanto. Começava pela alegria do encontro com amigos e colegas, ótimo prelúdio para as 5 ou 6 horas de muitas satisfações para nós que éramos dados às práticas da mais saudável convivência. A quermesse tinha lá o se quadrado, ou melhor, ela se confinava num grande espaço retangular, cercado, com mesas e cadeiras como se fosse um grande restaurante. Para animar o grande ambiente festivo, os organizadores tratavam de agregar um parque de diversões. Sob feérica iluminação e incentivada por um locutor de voz pomposa e com linguagem empolada no melhor estilo brega do personagem Alberto Roberto do Chico Anísio, o Serviço de Alto Falantes transmitia freneticamente músicas sentimentais e pequenos anúncios envolvendo as partes interessadas nos assuntos do coração, matriz de todas as emoções.

Sempre com vivo entusiasmo acompanhávamos as preliminares dos romances, que redundavam no plantio de mais uma árvore genealógica nesta floresta social. E era engraçado como tudo começava. A iniciativa partia do homem, naturalmente. Este, ao divisar a mulher a ser atacada (no bom sentido e com a melhor das intenções), dirigia-se ao locutor e pagava para que fosse ao ar a divulgação de um texto, mais ou menos assim: “jovem apaixonado, vestindo camisa xadrez, calça de brim cáqui, cabelos pretos bem penteados que lembram o cacho do Tony Curtiss, está encostado no gradil da roda-gigante ao lado da bilheteria, com a mão esquerda no bolso, oferece esta linda canção com Ângela Maria para a gentil senhorita de vestido de tafetá rosa, como prova de muito amor”. Durante os 4 minutos em que tal música era executada, o texto era lido pelo menos 2 vezes, dando tempo para que a escolhida ouvisse o anúncio e refletisse a respeito.

E o engraçado era a torcida que muitas vezes se formava para acompanhar o desfecho deste bizarro assédio, tendo havido até aplausos no momento do primeiro encontro e do primeiro aperto de mão.

Outra maneira de abordarmos uma garota no Parque de Diversões ou no interior da paroquial feira era o uso do “correio elegante”. Adquirido o cartão, nele apúnhamos uma declaração de amor, em prosa ou em versos. Um destes, muito usado e repetido dizia: “Sonhei um sonho lindo e sereno. Sonhei que estava beijando o seu lindo rosto moreno”. Nesta época ainda não tinha sido lançado no mercado aquele instrumento de escrita que decretou o fim da caligrafia bonita e que reina absoluto até hoje, conhecido pelo nome de esferográfica. Esta caneta fina, leve e de baixo preço foi o algoz das canetas tinteiro, responsáveis pelas letras bem desenhadas do passado. Era com estas canetas tinteiro que redigíamos as mensagens bucólicas do “correio elegante”, num somatório de empolgação para bem impressionar a almejada namorada.

Após rodar pelo parque íamos praticar “tiro ao prato”, com aquelas espingardinhas fajutas que conseguiam a proeza de mandar a munição em direção sempre distante do alvo, onde se encontravam as prendas que nos assanhavam. Finalmente, nós, o grupo de amigos à procura de entretenimento, ocupávamos uma mesa com a atenção voltada para tudo e para todos. Ansiosos pela chegada da cerveja bem gelada, acompanhada pela bandeja de fritas bem quentes e salgadas, os papos invariavelmente dissecavam sobre o universo das lindas representantes do sexo feminino que a cidade ostentava, estando elas ali reunidas, perfumadas e ruidosas com suas famílias, para onde convergiam os olhares gulosos dos jovens predadores, os corsários do amor, em suas primeiras navegações de conquistas.

Continua

24 de Outubro de 2019