Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Outro dia, no meio de uma roda de conversa com alunos do 5º ano, nesta ocasião estávamos estudando a diferença de informação e opinião, uma mãozinha tímida se ergueu no fundo da sala e me perguntou: “Professor, por que as pessoas brigam tanto por causa de opinião?”. Respirei fundo, como quem engole um café quente de uma vez só, e pensei, como explicar para uma criança que o mundo está com os ouvidos tampados e o dedo apontando para tudo e todos em tom de acusação?
Porque, minha gente, vamos combinar, ofender hoje virou esporte olímpico. Tá todo mundo pronto pra ganhar medalha de ouro em grosseria, arremesso de indireta e salto triplo sobre a empatia. É só abrir os comentários das redes sociais que você vê o circo pegando fogo mais rápido que palha seca em tarde de agosto. Ninguém quer mais escutar. Todo mundo quer vencer uma discussão, como se fosse guerra. E educar nesse cenário? Ah, minha amiga, meu amigo… é quase como plantar flor em asfalto quente.
Mas a gente planta, porque ser professor, nesse Brasil é um ato de resistência poética.
A arte de ouvir antes de rebater é algo que não se vê mais hoje em dia, em sala de aula, a gente vê de tudo. Aquele que grita antes de pensar, o que escuta só para responder, o que espera sua vez de falar como quem segura respiração embaixo d’água e a verdade é que, se a gente não educa para o diálogo desde cedo criaremos adultos que gritam mais do que pensam e que digitam mais rápido do que sentem.
O desafio de ensinar a argumentar está em ensinar também a escutar, a construir pontos de vista sem destruir pontes. Argumentar exige reflexão, exige tempo, exige humildade. E, vamos ser sinceros, esses ingredientes andam em falta na prateleira da sociedade atual.
Mas na escola, eles ainda brotam, tímidos, como semente em terreno difícil é por isso que devemos regar com muita paciência.
Sempre escutei que a criança aprende com o exemplo, mas percebo que o exemplo anda muito cansado.
Quando uma criança vê adulto gritando em plenário, em noticiário, na rua mesmo ou em casa, ela aprende, aprende errado, mas aprende. Quando ela escuta o adulto dizendo “não tenho paciência para quem discorda de mim”, ela grava essa frase como mantra e segue repetindo, como quem aprende um refrão de música ruim.
E aí, quando o coleguinha erra ou pensa diferente, não tem conversa, tem dedo na cara, apelido ofensivo e nada de parar para ouvir.
Educar para o diálogo é reeducar a nós mesmos, saber baixar o tom quando tudo dentro da gente quer subir e não perder a paciência quando já perdemos o sono, o salário e até a dignidade diante de tantas políticas públicas miúdas que não cabem no sonho grande de formar gente com pensamento crítico.
Ai a escola vira uma trincheira, nossas salas de aula têm se transformado em trincheiras emocionais. Professor entra armado de lápis, caneta, coragem e uma mochila cheia de histórias mal contadas da política educacional tendo que administrar o conteúdo da disciplina e o conteúdo emocional de uma geração que cresceu ouvindo “fulano foi cancelado”, como quem torce pra que o outro perca, e não para que cresça.
Viramos quase terapeuta de relações, ensinando que respeitar não é concordar, que ouvir não é se curvar, que discordar com gentileza é o verdadeiro ato revolucionário num tempo de ofensas fáceis.
Tem dia que dá vontade de escrever na lousa: “Quem não souber discordar com classe, vai pra recuperação da empatia”.
Argumentar é um ato que cansa e ofender se tornou um atalho, mas nem todo atalho leva a um bom lugar.
Sabe por que é mais fácil ofender do que argumentar? Porque argumentar obriga a pensar, faz a pessoa sair da bolha e considerar o outro. Ofender é instintivo, primitivo, quase automático, um grito de quem não quer conversar, só vencer.
E eu fico me perguntando, vencer o quê, exatamente? O ego? A insegurança? A vaidade?
Na escola, a gente precisa ensinar que o argumento bem colocado é mais bonito do que a ofensa mais engraçadinha. Que a inteligência emocional vale mais que uma resposta rápida. Que a razão, muitas vezes, esta em quem cala para não machucar.
Então, o professor se torna o educador de almas inflamadas. Eu aprendi com um grande professor que “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” (Provérbios 15:1)
Esse versículo poderia estar pendurado em cada sala de aula, de ponta a ponta. Porque educar para o diálogo é lembrar todos os dias que palavras constroem ou destroem. E que, numa época em que o grito virou hábito, a fala mansa é revolucionária.
Tem professor que consegue calar uma turma com um olhar, outros conquistam pelo respeito e com uma escuta atenta, isso porque o educador que ensina o poder da palavra, ensina também o poder do silêncio, mostra a importância da pausa antes da resposta, ensinando que respeito não se exige, se constrói.
E no final do dia voltamos para casa com os ouvidos cheios de “mas fulano me xingou”, “ciclano falou mal da minha mãe” e “ninguém me entende, professor”. Neste momento respiramos, escreve um texto, e lembramos que ainda vale a pena. Que um aluno que aprende a dialogar é uma semente contra a violência verbal que anda tomando conta do mundo. Que cada frase bem dita é um escudo contra o ódio gratuito e mesmo sem reconhecimento, mesmo sem salário digno, mesmo com dor nas costas e falta de apoio institucional, a gente segue educando. Porque ensinar é, no fundo, um voto de fé na humanidade.
E por falar em fé, eu volto ao versículo de Provérbios e deixo aqui, com todo carinho, como oração-profissão de quem escolheu formar mentes e corações:
“A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.”
(Provérbios 15:1)
Que nossas palavras eduquem, que nossos silêncios curem e que nossos alunos aprendam, desde cedo, que é no diálogo e não na gritaria que o mundo encontra sua chance de paz.
Até a próxima semana.