O padre e a moça do vestido de viscose (Ficção)

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Por Antoninho Rapassi

Havia um povoado localizado entre montanhas cobertas por cafezais. Este ouro verde era também pontilhado por esbeltas árvores, com predomínio dos ipês de flores amarelas embelezando a bucólica paisagem.

Das mãos do homem vieram as modestas construções urbanas de casario baixo repetitivo com seus telhados cerâmicos, onde uma corrompida cor branca, com o tempo matizou-se em cinza.  Quebrando a monotonia horizontal das telhas-vãs lá estavam antigas e humildes chaminés inoperantes, retratando os velhos tempos, em que moradores aproveitavam os amplos espaços dos quintais para garantir a criação, o plantio e a colheita dos produtos básicos da alimentação.

Se o casario acima descrito fazia lembrar as típicas construções do povo açoriano, havia também as inevitáveis silhuetas da fé religiosa que ajudavam a compor a beleza da paisagem.

Aqui, ali e acolá a nossa visão era sequestrada para a total admiração das altas, pontiagudas e solitárias torres que espetavam a imensidão do céu, causando com essa cena religiosa uma indizível sensação de bem-estar.

No vilarejo a vida transcorria idêntica a todas as cidades desse vasto mundo de Deus. Sem tirar, nem pôr. A vida espiritual era zelada pelos santos padres que apregoavam as virtudes e as misérias de uma vida sintetizada pelo maniqueísmo. E o vilarejo era bem servido pelos abnegados servos de Deus.

Frei Damião, Padre Celestino, Padre Aveleda e Cônego Murtinho compunham o núcleo piedoso da Diocese. Eram eles que conduziam as almas nem sempre santas dos fiéis, que habitavam o vilarejo que se ufanava pelo Internato dirigido pelo padre Aveleda, apelidado de Aristarco, aquele rígido diretor e mentor pedagógico do “Ateneu”, imortalizado no romance de Raul Pompéia.

E era de dar gosto ver e sentir a dedicação de todos os prelados, cada um a seu modo como se imiscuíam na intimidade do povo católico, ora estimulando-os na prática do bem e da caridade, ora aparando arestas e condenando a luxúria e outros envolvimentos que se indispunham com a sagrada fé religiosa.

Jandira Quitéria de Jesus talvez fosse ao mesmo tempo, a mais linda e formosa jovem frequentadora da Irmandade das Filhas de Maria, como era também tímida e crédula na mais elevada beatitude.

Certa manhã ensolarada do mês de abril notava-se algo de cativante em sua impaciência. Vestida com esmero sobraçava calmamente um precioso volume agasalhado num xale de lã tricotado a mão. Jandira foi à procura do Frei Damião e com ele se encontrou nas dependências da Casa Paroquial. Recebida com manifestada alegria pelo rotundo sacerdote, ela foi informando que seu objetivo era o de iniciar procedimentos para o batizado de sua filha Berenice, em data a ser definida pelo próprio Frei Damião.

Grande foi o regozijo do religioso ao saber das intenções da encantadora mamãe em realizar o sagrado evento do batismo, livrando a inocente criaturinha Berenice da condição de pagã e oferece-la à proteção da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana.

Num olhar persecutório de antigo predador, o sacerdote olhou e avaliou as redondezas dos glúteos da Jandira, que estavam realçados pelo vestido de viscose que coleava nas sinuosidades. Frei Damião lembrou-se da serpente bíblica que induziu Adão e Eva ao pecado original. Abominou, mais uma vez, a lei do celibato monástico tantas vezes desrespeitado por ele próprio. E tantas vezes fraquejado na comiseração, concedeu-se o alívio do perdão.

E agora ele estava ali, diante de uma paroquiana atraente condenado “a olhar com os olhos e a lamber com a testa”. Inconformado, Frei Damião abriu um armário e dele retirou um formulário que passou a preencher com mãos trêmulas e voz um pouco surda, todas as respostas dadas pela Jandira até o momento do impasse criado pela pergunta: “quem é o pai da criança?”

Jandira gaguejou. Pensativa e possivelmente envergonhada, tartamudeou alguns sons e nada disse. O bom e paciente vigário de Cristo, disse enfaticamente: “sem o nome do pai da criança, não posso fazer o batismo!”

Alguns minutos cruciais se passaram. O silêncio mortificava a pobre mãe que, de cabeça baixa e com seus olhos voltados para as largas tábuas do assoalho reluzente, mantinha atônito o reverendíssimo sacerdote. O inocente bebê continuava mergulhado em sono profundo, naquele clima pesado e constrangedor. Foi então que Jandira num assomo de ousada coragem levantou a cabeça e, olhando fixamente na cabeça tonsurada disse pausadamente a Frei Damião: “o pai da minha filha é o Padre Celestino.”

“O Paadree Celestinooo? Aquele santo?” estupefato falou Frei Damião, elevando sua voz e quase se levantando da poltrona. E curioso, logo acrescentou: “ele tirou a batina?”

“Não!” respondeu Jandira com cândida ingenuidade. E acrescentou:

“Ele segurou com os dentes!”