O Desafio da Educação Brasileira: Fazer das Salas de Aula Espaços de Liberdade, e Não de Prisão

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Alberto Martins Cesário, professor e escritor - Foto: Reprodução

Alberto Martins Cesário, professor e escritor

Hoje em nossa conversa semanal, gostaria de expressar em palavras e emoções, uma reflexão sobre a jornada de um professor que, apesar de todos os desafios impostos pela realidade educacional brasileira, segue acreditando que a educação é a chave para a transformação. O trabalho não é fácil, mas é na superação diária que encontramos nossa força para continuar lutando.

Por muito tempo, me vi imerso na rotina escolar, cercado por alunos que, mais do que buscar conhecimento, desejavam encontrar um espaço de liberdade. Não é à toa que essa frase que também é o título deste texto – “O verdadeiro desafio da educação brasileira é fazer das salas de aula um espaço de liberdade, e não de prisão” – ressoou em minha mente. Como professor, aprendi ao longo de mais de uma década em sala de aula que o papel do educador não se resume a transmitir conteúdo, mas a construir um ambiente onde a liberdade para pensar, questionar e até mesmo errar seja parte fundamental do processo de aprendizagem. Porém, ao mesmo tempo, a realidade da educação no Brasil nos impõe desafios constantes que tornam esse objetivo muitas vezes distante, quase um sonho.

Neste texto, quero compartilhar com vocês, leitores deste jornal, o que significa ser professor nos dias de hoje. Um professor que já viu quase tudo: alunos que não tinham onde estudar, salas de aula lotadas, falta de recursos, desinteresse e até mesmo a desvalorização da profissão. Mais do que uma profissão, ser professor é um compromisso com o futuro. E, mesmo diante de tantos desafios, o meu compromisso segue firme: criar uma sala de aula onde o aprendizado não seja encarado como uma prisão, mas como um passaporte para o mundo.

Quem já pisou em uma sala de aula pública no Brasil sabe muito bem o que é o desespero de estar diante de 30, 40 ou até mais alunos ao mesmo tempo. A impressão que se tem, muitas vezes, é que as cadeiras e as paredes são mais do que móveis e estrutura – elas se tornam uma metáfora para as limitações que o sistema educacional impõe tanto aos alunos quanto aos professores. A liberdade que o ensino deveria oferecer, muitas vezes, se perde em meio ao caos da superlotação, da falta de material didático, da falta de formação e até da pressão por resultados imediatos.

E é justamente aqui que a frase que introduz este texto se torna ainda mais potente: fazer da sala de aula um espaço de liberdade. Em um cenário onde a rigidez do currículo se choca com a realidade de nossos alunos, o desafio se torna ainda maior. Porque liberdade não é apenas uma questão de escolha, mas de possibilidade. E muitas vezes, a possibilidade de aprender não é igual para todos. As desigualdades sociais e econômicas impactam diretamente a maneira como os alunos chegam à escola e o que conseguem tirar dela.

Mas o que significa, então, “liberdade” na sala de aula? A meu ver, liberdade na educação não é apenas a ausência de regras, mas sim a criação de um ambiente onde os alunos se sintam à vontade para se expressar, questionar e até discordar. É preciso permitir que eles tenham voz, que construam o próprio conhecimento, que, em vez de engolir informações de forma passiva, sejam estimulados a refletir criticamente sobre o mundo ao seu redor.

Ser professor no Brasil, para esse que vos escreve, é um ato de coragem, e antes de mais nada, um compromisso de resistência. A resistência a um sistema que, em muitas situações, não valoriza o trabalho educacional da maneira que deveria. A resistência a um sistema que sobrecarrega o professor com tarefas burocráticas e expectativas irreais, ao mesmo tempo em que deixa os alunos expostos à violência, à desigualdade e a um ensino cada vez mais padronizado e sem profundidade.

O primeiro grande desafio do professor é a própria estrutura da escola pública que vai desde a falta de recursos materiais – como livros didáticos, computadores e até mesmo tinta para canetas de quadro branco, ou até pior, a falta de quadros nas salas de aula – até a superlotação, que impede qualquer tipo de atenção individualizada, a realidade das escolas no Brasil é um reflexo das desigualdades sociais. Um estudante que vive em um contexto de vulnerabilidade social chega à escola não apenas sem os materiais necessários, mas muitas vezes sem as condições emocionais ou psicológicas para aprender.

A sala de aula, portanto, é um campo de batalha. Não basta apenas ensinar conteúdo. O professor também se vê na função de mediador de conflitos, psicólogo, conselheiro, e muitas vezes, até de um adulto responsável. Muitos alunos chegam à escola com dificuldades que vão além do aprendizado de matemática ou português – eles trazem consigo problemas familiares, questões emocionais e, no pior dos casos, traumas profundos de violência e abandono. Como, então, garantir que esses alunos possam “voar” na sala de aula, se suas asas estão quebradas antes mesmo de entrarem na escola?

Outro desafio imenso é a desvalorização da profissão. Ser professor no Brasil não é um trabalho bem remunerado, e muitos profissionais da educação são sobrecarregados com jornadas exaustivas. São horas de planejamento, de correção de provas, de participação em reuniões, muitas vezes sem qualquer contrapartida no salário ou em reconhecimento. O desgaste emocional e físico é grande, e é difícil não se sentir, por vezes, impotente diante de tantas dificuldades. Mas o que nos mantém vivos, o que nos mantém indo para a sala de aula todos os dias, é a paixão pelo que fazemos. Porque, no fundo, sabemos que somos peças fundamentais no processo de transformação social do país.

A superação deve ser todos os dias, superar as dificuldades da profissão é um processo diário. A cada dia, temos que encontrar forças para continuar lutando. A superação está nas pequenas vitórias: quando um aluno finalmente entende um conceito complexo; quando um jovem se sente motivado a estudar porque percebe que sua educação pode mudar seu futuro; quando conseguimos, juntos, transformar um ambiente de conflito em um espaço de aprendizado e troca.

É claro que os desafios não desaparecem da noite para o dia, e que a transformação do sistema educacional brasileiro requer mudanças estruturais profundas. Mas, como professores, nossa jornada é dar o nosso melhor em cada aula. É encontrar soluções criativas, utilizar os poucos recursos que temos da melhor forma possível e, acima de tudo, continuar acreditando que a educação pode mudar vidas.

Para que isso aconteça, porém, é preciso mais do que vontade. O poder público precisa investir em educação de forma séria e contínua. É necessário garantir salários dignos para os professores, melhorar a infraestrutura das escolas, fornecer formação constante e investir em políticas públicas que atendam às necessidades dos alunos. Só assim a liberdade, a verdadeira liberdade, se tornará uma realidade nas salas de aula.

Agora, imaginem a sala de aula como um espaço de liberdade, um cenário diferente onde há uma infraestrutura adequada, com recursos suficientes, onde o professor tem tempo e condições de se dedicar ao desenvolvimento dos alunos. Nesse ambiente, a liberdade para aprender se transforma em um processo de autoconhecimento, de troca de ideias, de desafios intelectuais que podem e devem ser superados com o apoio do educador.

A liberdade na educação, na minha visão, é um exercício constante de diálogo. Ao invés de impor respostas prontas, o professor deve ser um mediador, um orientador, um facilitador. O aluno deve ser levado a pensar por si mesmo, a questionar o que lhe é apresentado, a buscar soluções para os problemas que encontra pelo caminho. E isso só é possível quando a sala de aula se transforma em um espaço de confiança mútua, onde o erro é visto como parte do processo de aprendizagem, e não como um fracasso.

Essa liberdade também passa pela possibilidade de um currículo mais flexível, que permita ao professor adaptar o conteúdo às realidades e aos interesses dos alunos. Claro, sabemos que existem as diretrizes curriculares, mas a verdadeira educação vai além disso. A educação não pode ser uma fábrica de mentes padronizadas, mas um campo fértil para a criatividade, para a busca pelo conhecimento e para a construção de um pensamento crítico.

E no final das contas, o que mais me motiva a continuar sendo professor é a certeza de que estamos, de alguma forma, ajudando a construir um país mais justo. O professor tem um papel fundamental na formação de cidadãos conscientes e críticos, capazes de questionar as injustiças e lutar por um Brasil melhor. Não estamos apenas ensinando matérias, estamos ensinando a vida, estamos formando futuros líderes, cientistas, artistas, profissionais, mas, principalmente, pessoas que saibam o valor da liberdade.

Por isso, mesmo diante de todos os obstáculos, continuo acreditando que, se conseguirmos transformar as nossas salas de aula em espaços de liberdade, estaremos contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Ser professor é, sem dúvida, um dos maiores desafios da vida, mas também é, sem dúvida, um dos maiores presentes que alguém pode receber. A educação transforma, e como educadores, somos os agentes dessa transformação. E que nunca nos falte coragem para continuar nessa missão, que, mesmo nas adversidades, é uma missão de amor.

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