De aumento de temperatura a represas secando com a falta de chuvas. Veja como a região de Rio Preto já sente os impactos das mudanças climáticas, com a estiagem prolongada, recorde de temperaturas e número de incêndios sendo o maior dos últimos anos
Da Redação
Em reportagem desenvolvida pelo Jornal Diário da Região de São José do Rio Preto, por meio do jornalista Rone Carvalho, foi detectado que as cidades da região estão com temperaturas próximas de 45 graus, com o sol comparado ao do deserto, e uma umidade relativa do ar quase zero, além das estiagens cada vez mais prolongadas. Esse é o cenário alarmante apresentado pelo Jornal que ouviu especialistas ouvidos pelo Diário para a região noroeste do Estado de São Paulo, caso ações para mitigar os efeitos humanos no clima não sejam adotadas nos próximos meses.
Diz o Diário da Região que na terra da cana-de-açúcar e da pecuária, até plantações acostumadas ao calor podem sofrer com as mudanças climáticas, provocando perdas para agricultores, aumento no preço da energia elétrica e até do arroz e feijão, isso sem falar da disputa por água entre bichos e humanos e apontam mais dados.
No ano passado, o Noroeste Paulista registrou a maior temperatura do século. A estação meteorológica da Unesp de Ilha Solteira, que faz a medição da temperatura desde a década de 1990, apontou que em outubro os termômetros marcaram 44,6 graus, temperatura nunca antes registrada na região desde que a aferição começou a ser realizada.
Morador do Sítio Mandacaru, entre Indiaporã e Guarani d’Oeste, Osvaldo Garcia viu pela primeira vez em cinco décadas a represa da propriedade rural onde mora secar. “Ela secou no ano passado, agora está pura terra. Não dá para acreditar, na época os pássaros comeram todos os peixes do fundo da represa que não existe mais”.
No decorrer da última década cresceu o número de dias sem chuvas na região, como se as nuvens carregadas de água fugissem. O Brasil vive a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Em 2018, Ilha Solteira ficou 165 dias sem um pingo de água dos céus, de acordo com o Canal do Clima da Unesp. Em Populina, no ano passado, não choveu por 182 dias. Em Rio Preto, o índice pluviométrico do Semae – quantidade de chuva por metro quadrado – aponta que neste ano choveu nos sete primeiros meses do ano 442 milímetros. Ou seja, 45% a menos que 2020, quando no mesmo período choveu 805 milímetros.
Cenário que fez ao menos três cidades da região – Rio Preto, Santa Fé do Sul e Uchoa – já decretarem racionamento de água enquanto outras já adotam medidas para evitar a falta de água. “Caso ações não sejam adotadas, vamos ter recorrência de estiagem, ou seja, vai faltar mais água e em mais cidades. Os dias quentes vão ficar mais quentes, e os dias sem chuvas mais recorrentes. E quando vierem as estações das chuvas, chegarão concentradas, ou seja, muita chuva em um curto espaço de tempo”, explica o climatologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino.
Eventos extremos também serão mais recorrentes. Assim, temperaturas negativas, como o -3,7°C em Santa Salete em julho deste ano poderão ser mais corriqueiros. Da mesma forma que os 44,6°C registrados em Ilha Solteira no ano passado.
A desregulação das condições climáticas acontece ao mesmo tempo que a região de Rio Preto bate recorde de queimadas. Dados do Corpo de Bombeiros mostram que o número de incêndios em 2020 foi o maior dos últimos cinco anos, quando os dados de queimadas começaram a ser computados pela corporação. Neste ano, os números dos sete primeiros meses já são 56% maiores que o mesmo período do ano passado.
Da mesma forma, a cobertura vegetal nativa é cada vez mais rara de ser encontrada. Segundo o Inventário Florestal do Estado de São Paulo, atualmente, a região de Rio Preto concentra apenas 11,5% da cobertura existente. A própria Estação Ecológica de Rio Preto – último resquício preservado de Mata Atlântica próximo da cidade – sofre anualmente com os incêndios.
Isso contribui para o aumento da temperatura e pode levar à extinção de espécies, principalmente, anfíbios, como sapos, rãs e pererecas endêmicas. “O mecanismo dessa mudança climática são emissões dos gases de efeito estufa, cada país contribui de uma forma diferente; como o Brasil não é industrializado, essa contribuição vem do desmatamento. Ou seja, as queimadas contribuem muito”, afirmou o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores brasileiros do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças (IPCC), Lincoln Alves.
Segundo a especialista em ecologia do Departamento de Ciências Biológicas da Unesp de Rio Preto, Maria Stela Maioli Castilho Noll, além do gás carbônico, um outro gás que contribui para o aumento do efeito estufa é o gás metano. “Este gás é emitido em grandes quantidades pelos rebanhos bovinos, devido ao seu sistema digestório com bactérias que produzem o metano. Como o Brasil possui um dos maiores rebanhos do mundo, também é um dos maiores contribuintes para e emissão deste gás”.
O QUE NÓS PODEMOS FAZER?
Reduza a geração de resíduos
Comece adotando a coleta seletiva, que contribui para a preservação do meio ambiente e para práticas cotidianas mais sustentáveis.
Reduzir o consumo contribui tanto para as suas finanças, quanto para o meio ambiente
Troque o carro pela bicicleta
Troque o carro pela bicicleta para ir trabalhar. Outra forma é adotar a carona colaborativa, evitando mais carros nas ruas.
O que podemos fazer para mudar a realidade?
Divulgado na última semana o Relatório do IPCC, assinado por 234 autores de 65 países, aponta que a crise climática deve ser agravada. Ou seja, eventos extremos como secas e frios intenso devem ser agravados ainda mais. Mas o que podemos fazer para minimizar esses impactos climáticos?
O pesquisador do Inpe e um dos autores brasileiros do relatório, Lincoln Alves, diz que não é possível mais reverteu as mudanças climáticas, mas sim minimizar elas. “Primeiro, a gente precisa de alguma maneira se reconhecer como parte do problema, a gente terceiriza para os poderes públicos, mas nós somos responsáveis de algum grau por isso”, destacou o especialista.
Para o climatologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Aquino, as questões ambientais andam junto com a desigualdade. “Considerando que a mudança climática é real, temos que entender que a mudança cabe também a nós. No Brasil, temos o problema do desperdício de alimento, isso está ligado também a desigualdade, por isso da importância do não desperdício, porque para a produção de um alimento ou embalagem é necessário, recurso esse que já estamos sentindo falta em algumas regiões do país”.
Já a pesquisadora e professora de biologia da Unirp, Valéria Stranghetti, ressaltou a importância de cidades mais sustentáveis e da emissão de menos gases na atmosfera. “Outro fator é emissão de gases de efeito estufa, temos que ter consciência da carona colaborativa. A gente vê muita gente sozinha no carro. As cidades precisam trabalhar cada vez mais pela mobilidade urbana”, considerou.
O pesquisador da Embrapa em Informática Agropecuária, Eduardo Delgado Assad, que estuda há três décadas sobre como as mudanças climáticas impactam no campo ressalta que os agricultores precisam “acordar” para a nova realidade climática do planeta. “Temos recebidos muitos agricultores de cana que estão bastante preocupado com a seca. Nesse caso, os agricultores precisam aprofundar as raízes da cana. O que não se pode negar é que as mudanças climáticas estão acontecendo”.
O pesquisador da Embrapa também ressalta que o efeito das mudanças climáticas podem provocar preços mais altos para os consumidores. “O que estamos vendo é um aumento de temperatura todos os anos. Além disso, não está chovendo mais como antes, as chuvas estão mal distribuídas. E menos produção gera encarecimento do produto para o consumidor final”.
PRINCIPAIS REFLEXOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA REGIÃO
Estiagem cada vez mais longas e maiores chances de racionamento de água nas cidades da região de Rio Preto, com represas e nascentes de rios secando
Novos recordes de temperatura, sejam no inverno ou verão
Com geadas mais frequentes, produtores rurais acostumados com o calor correm o risco de perder plantações.
Com temperaturas acima da média no verão, plantações até de cana-de-açúcar acostumadas com o clima quente do noroeste do Estado de São Paulo devem sentir os impactos dos recordes de temperatura.
PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO DO CLIMA DO IPCC
Aumento de temperatura provocada pelo ser humano desde 1850-1900 até 2010-2019: de 0,8°C a 1,21°C
Os anos de 2016 a 2020 foram o período de cinco anos mais quentes de 1850 a 2020
De 2021 a 2040, um aumento de temperatura de 1,5°C é, no mínimo, provável de acontecer em qualquer cenário de emissões.
Nos próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar deve aumentar 2 a 3 metros, se o aumento da temperatura ficar contido em 1,5°C. Se o aquecimento global ficar contido a 2°C, o nível deve aumentar de 2 a 6 metros. No caso de 5°C de aumento de temperatura, o mar subirá de 19 a 22 metros
NÚMERO DE QUEIMADAS EM RIO PRETO
2016: 3.292
2017: 3.512
2018: 3.276
2019: 3.452
2020: 4.680
Janeiro a julho
2020: 2.256
2021: 3.526
COBERTURA VEGETAL
Turvo/ Grande – 1.623.295 hectares
Cobertura vegetal nativa – 186.339 hectares
11,5% da cobertura existente
São José dos Dourados – 654.899 hectares
Cobertura vegetal nativa – 79.958 hectares
12.2% da cobertura existente
Total Noroeste Paulista – 2.278.194 hectares
Cobertura vegetal nativa – 266.297 hectares
Fontes: Corpo de Bombeiros, Inventário Florestal do Estado de São Paulo, Unesp Ilha Solteira, Cetesb e Ciiagro.
Diário da Região (RONE CARVALHO)