Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, manda governo realizar o Censo. Caso vai para o plenário virtual

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Pesquisa foi cancelada após ter verba no Orçamento de 2021 reduzida de R$ 2 bi para R$ 71 milhões; Guedes diz que não foi governo que fez os cortes.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou ao governo federal “a adoção de medidas voltadas à realização do Censo”.

Ele atendeu um pedido feito pelo governo do Maranhão. Na semana passada, o Ministério da Economia informou que a realização do Censo em 2021 estava cancelada devido aos cortes de verba no Orçamento de 2021 negociado com o Congresso.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a decisão foi do Parlamento, que aprovou a peça orçamentária.

Em outro despacho, dado algumas horas depois, Marco Aurélio liberou o caso para julgamento no plenário virtual da Corte, no qual os ministros não se reúnem. Eles votam por escrito no sistema eletrônico do tribunal.

Ministros começam a votar na sexta

Os integrantes do STF poderão começar a votar na sexta-feira da semana que vem, e terão até a sexta seguinte para se manifestar.

A decisão de Marco Aurélio, que é liminar, ou seja, provisória, continua valendo. Só cairá se a maioria dos ministros do STF votar em sentido contrário.

“Defiro a liminar, para determinar a adoção de medidas voltadas à realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE, no âmbito da própria discricionariedade técnica”, decidiu Marco Aurélio.

Na aprovação do Orçamento de 2021, a pesquisa perdeu 96% de sua verba, que foi reduzida de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões. Ao final, no texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o valor ficou em R$ 53 milhões, ou seja, menos de 3% da verba inicial.

Guedes joga bola para o Congresso: ‘Não fomos nós’

Ao comentar a decisão do STF, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse nesta quarta-feira que foi o Congresso que cortou o recurso e lembrou o risco de contaminação diante da necessidade de visitas domiciliares em meio à pandemia.

“Não fomos nós que cortamos o Censo. Quem aprovou o Orçamento foi o Congresso. Quando houve o corte, no Congresso, a explicação que nos deram é que, com a pandemia, o isolamento social impediria que as pessoas fossem de casa em casa transmitindo o vírus”, disse o ministro.

Guedes ressaltou que as pesquisas são realizadas presencialmente: “Os pesquisadores vão de casa em casa fazendo perguntas, sentam, preenchem os relatórios. Então, me pareceu que essa era a explicação. Eu vou me informar a respeito”.

Ministro viu descumprimento à Constituição

Em sua decisão, Marco Aurélio avaliou que deixar de fazer o censo representa descumprir um trecho da Constituição.

Diz um trecho do texto: “A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional – artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988. Ameaçam, alfim, a própria força normativa da Lei Maior.”

O ministro do STF afirmou assim que, nesse caso, cabe ao Supremo “impor a adoção de providências a viabilizarem a pesquisa demográfica”.

Pesquisa é usada para planejar políticas públicas, como distribuição de vacinas

O Censo é a mais ampla pesquisa sobre a população brasileira e é feita mediante visita ou coleta de informações em todos os domicílios do país. É uma base de dados fundamental para a distribuição de recursos a estados e municípios, através do repasse do dinheiro arrecadado em impostos de acordo com a população de cada região.

É com base nas informações do Censo, também, que é calculada a distribuição de vacinas por municípios.

Censo é realizado a cada dez anos nos principais países do mundo

Realizado a cada dez anos nos principais países do mundo, o Censo também é fonte de informações para pesquisas de saúde e indicadores educacionais, trazendo informações sobre crianças fora da escola, por exemplo.

Em carta aberta publicada este mês, um grupo de ex-presidentes do IBGE chamou a atenção para o fato de que, sem o Censo, “o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais”.

Especialistas afirmam que, no pós-pandemia, o Censo será ainda mais importante, para compreender os efeitos da crise sanitária e econômica no país.

Presidente do IBGE se demitiu depois do corte

Após a crise sobre o Censo,  o economista Eduardo Rios Neto foi indicado pelo ministro Paulo Guedes para a presidência do IBGE. Rios Neto atuava como diretor de pesquisas do IBGE. Ele substitui Susana Guerra, que alegou motivos pessoais para deixar o comando do instituto logo após o corte das verbas do Censo no Orçamento.

O pedido de demissão de Suzana foi feito um dia depois de o Congresso ter reduzido a verba do Censo a R$ 71 milhões. Um corte de 96% das verbas para a realização do levantamento.

O que é o Censo

O Censo é a mais ampla pesquisa sobre a população brasileira do IBGE e é feita mediante visita ou coleta de informações em todos os domicílios do país. A pesquisa é realizada a cada dez anos. A última ocorreu em 2010. Por isso, o levantamento estava previsto para acontecer no ano passado. Em razão da pandemia, o Censo de 2020 havia sido adiado para 2021. Mas foi suspenso novamente, com previsão para ocorrer em 2022, em razão nos cortes no orçamento. Agora, o ministro Marco Aurélio, do STF, determinou que o governo realize a pesquisa.

Entenda para que serve o Censo

  • Impactos para o setor privado

Os prejuízos da não realização do Censo não afetam só os governos, embora as políticas públicas sejam as mais impactadas. Há tem políticas sociais na área de saúde, de redistribuição de renda, a taxa de desemprego que vão precisar das informações da pesquisa do IBGE.  O setor privado também usa muita informação estatística do Censo.

Simon Schwartzman destaca que o levantamento é ainda mais relevante em um momento de reconstrução pós-crise imposta pela pandemia.

  • Cenário eleitoral

O atraso no Censo de 2020 não foi o primeiro adiamento da história da pesquisa. Realizado a cada dez anos, o levantamento já foi postergado no início dos anos 1990 – por causa dos efeitos do plano Collor, a pesquisa foi realizada em 1991.

Embora não haja uma restrição legal, a realização do levantamento em ano eleitoral não é aconselhada pelos três ex-presidentes do IBGE ouvidos pelo GLOBO. A avaliação é de que a pesquisa poderia ser contaminada pelo debate das eleições.

  • Reação ao corte

A proposta de Orçamento deste ano reservava R$ 2 bilhões para o Censo, mas o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), limitou o gasto total a R$ 240 milhões, cortando R$ 1,76 bilhão da pesquisa.

A redução gerou reação. Oito ex-presidentes do IBGE assinaram uma carta em defesa da pesquisa. “Nosso último censo ocorreu em 2010, e, sem ele, o Brasil se junta ao Haiti, Afeganistão, Congo, Líbia e outros estados falidos ou em guerra que estão há mais de 11 anos sem informação estatística adequada para apoiar suas políticas econômicas e sociais”, diz o texto.

Como os dados impactam a vida da população

  • Distribuição de recursos

A contagem populacional atualizada feita pelo Censo permite fornecer informações precisas para a definição das cotas dos fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM). As transferências são definidas com base no número de habitantes de cada localidade.

  • Transferência de renda

O Censo traz dados que permitem delimitar o perfil populacional e calcular taxas de cobertura de políticas de transferência de renda, como é o caso do Bolsa Família. A atualização da pesquisa pode embasar as discussões para a reformulação do programa, além de trazer dados para formulação de políticas de emprego e educação.

  • Campanhas de vacinação

O detalhamento da população em risco, por idade e sexo, pode indicar onde há maior ou menor chances de contágio. Esses dados também servem para calibrar condições de recuperação no período pós-pandemia, por exemplo.

  • Planejamento urbano

As informações sobre renda, perfil migratório e demandas reprimidas da população impactam desde discussões sobre loteamentos de moradias populares, passando por transporte e equipamentos públicos, até a execução de grandes obras.

*Com informações do oglobo