Flertando com o passado

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Por Pérola Ferraz

“Na época da Ditadura Militar, não era assim!” “Quando os militares estavam no poder, era muito melhor!” “O Brasil cresceu muito com os militares!” “Eu gostaria que a Ditadura voltasse!”

Quantas vezes você não ouviu coisas assim? Será que essas frases fazem sentido?

O ano era 1964. O mundo ainda sentia o gosto amargo da Segunda  Guerra Mundial e carregava nos ombros o peso sombrio das atrocidades do Holocausto e do Genocídio. Vivíamos em um contexto de medo, causado pelo poderio das novas armas nucleares. Era a  Guerra Fria. Os EUA e a URSS disputavam o mundo como se estivessem jogando uma partida de futebol. Foi neste contexto que o homem chegou ao espaço, conquistou a Lua, mas, também, desenvolveu armas tão potentes que poderiam destruir o mundo em questão de minutos. Íamos dormir sem saber se o dia de amanhã existiria.

Para manter a América sob sua influência, os EUA financiaram ditaduras militares em vários países do continente americano. Por isso, a Ditadura Militar não foi exclusiva do Brasil. Países como a Argentina, Paraguai e Bolívia também passaram por governos assim, na época da Guerra Fria.

De 1964 a 1985, o Brasil viveu a Ditadura Militar, que durou 21 anos, teve 5 mandatos militares e instituiu 16 atos institucionais – mecanismos legais que se sobrepunham à Constituição. Nesse período, houve restrição à liberdade, repressão aos opositores do regime e censura. O Regime Militar foi uma  forma de governo que deflagrou um dos golpes mais duros que a democracia brasileira poderia imaginar: o AI-5.

O AI-5 foi um decreto que dava ao presidente permissão para fechar o Congresso Nacional e Assembleias Legislativas, o que ele fez assim que o ato foi assinado. Também, instituiu a censura prévia de obras artísticas, que podiam ser proibidas por motivos, como subversão da moral ou dos bons costumes e dos meios de comunicação. Reuniões políticas não autorizadas pela polícia foram proibidas, houve suspensão do habeas corpus por crimes de motivação política e dos direitos políticos de cidadãos considerados subversivos. Ao menos 1390 pessoas foram presas e 333 políticos tiveram seus direitos políticos suspensos. Tortura e assassinato de presos eram práticas comuns do período. Muitas pessoas foram perseguidas, mortas e outras ainda continuam desaparecidas. A democracia sofreu um duro golpe!

Em governos que apresentam características de governos totalitários, ocorre um sequestro da História. Atualmente, percebemos, não somente um sequestro da História, mas também um romantismo em relação ao passado. Isso pode ser muito perigoso! Principalmente quando as falas dos governantes não condizem com os direitos previstos na Constituição ou ferem a democracia, assim como ocorreu na época da Ditadura.

O governante ou os governantes  têm uma responsabilidade muito grande. A primeira delas é com a Constituição, pois foi, graças a ela, que eles, não somente foram eleitos, mas também tiveram a oportunidade de se candidatarem e percorrerem todos os caminhos que a democracia disponibiliza para aqueles que pretendem ser os representantes do povo. Outra responsabilidade muito importante que os governantes devem ter é com os direitos do povo, que estão previstos no Artigo 5 da nossa Constituição. Por isso, não podemos atacar a Democracia ou questioná-la, mas sim, aprimorá -la.

Precisamos compreender que, no contexto atual, é muito plausível as pessoas terem opiniões diferentes e, inclusive, não conseguirem achar uma terceira via. No entanto, inadmissíveis são esses ataques políticos, essa imbecilização causada, na maioria das vezes, por fakes news, disseminadas por grupos de whatsapp e de redes sociais que não contribuem em nada para o fortalecimento e crescimento do Brasil enquanto nação.

Flertar com o passado é muito perigoso, visto que nós nunca saberemos exatamente como ele foi. No máximo, teremos interpretações sobre o passado e estas podem ser muito perigosas, pois dependem muito de quem as fizeram e de quem as fizeram e do contexto onde elas foram produzidas.