Por Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Entre slogans bonitos e salas de aula exaustivas, o professor segue formando o futuro enquanto aprende, na prática, o que significa ser tratado como peça substituível. Nesta crônica de fim de ano, um convite incômodo, repensar o que chamamos de valorização da educação e quem realmente paga o preço por essa contradição diária dentro da escola.
Há frases que viram slogan, outras viram adesivo de carro. “A educação transforma o mundo” é uma delas. Está em discursos, em campanhas, em banners pendurados na entrada da escola ao lado do aviso “proibido correr no corredor”, mas o curioso é que, quanto mais a frase aparece, mais o professor some. É um apagão geral no orçamento, nas decisões, no cuidado. Fica só o slogan, bonito, limpo, sem giz na mão.
Sou professor há tempo suficiente para ter visto o quadro negro virar lousa branca, a lousa branca virar tela digital e a tela digital virar inimiga íntima. Já vi modismos pedagógicos irem e voltarem como ondas, sempre prometendo salvar a educação em dez passos e um aplicativo, mas nunca vi tanta pressa em tratar quem sustenta a escola como peça substituível, dessas que a gente troca sem ler o manual.
Chamam isso de “valorização”.
Valorização virou palavra elástica, cabe um aplauso no Dia do Professor, uma postagem com filtro sépia e a frase “vocês são heróis”. Herói, aliás, é sempre alguém que não recebe salário digno, aguenta tudo calado, não adoece… bom, mas isso é assunto para outro texto. O mito da valorização real da educação começa aí, na confusão entre reconhecimento simbólico e respeito concreto.
Valorizar não é dizer “obrigado” enquanto se corta formação continuada, se ignora o planejamento e se transforma o professor em malabarista de conteúdos, emoções e planilhas.
O impacto disso chega rápido à sala de aula, pois quando o educador é tratado como descartável, a aula também passa a ser. O conhecimento vira produto de consumo rápido se não agradar em trinta segundos, troca-se de canal. O professor concorre com vídeos de quinze segundos, danças coreografadas e opiniões embaladas em frases prontas, já disse isso em outros textos, não é uma disputa justa. Enquanto o algoritmo promete dopamina instantânea, o professor oferece algo antiquado, pensamento, silêncio, dúvida. E dúvida não viraliza.
Vejo isso todos os dias, enquanto explico frações, um aluno me pergunta onde ele vai usar isso na vida. Outro, mais sincero, pergunta se pode pesquisar no celular porque é mais rápido. E eu penso, rápido para quê? Para chegar onde sem entender o caminho? A frustração mora nesse intervalo entre o tempo da aprendizagem e a pressa do mundo, e ninguém ensinou o professor a mediar essa guerra invisível entre profundidade e superficialidade. Não há política pública que prepare o educador para competir com um universo que grita o tempo todo e chama isso de entretenimento.
Falta política, falta escuta, falta projeto e sobra cobrança. Espera-se que o professor resolva sozinho o que a sociedade inteira empurrou para dentro da escola, conflitos emocionais, lacunas sociais, ausência de limites, excesso de telas, falta de sentido.
É o professor buscando soluções na madrugada, entre um café requentado e um planejamento que nunca termina, uma sensação de estar remando contra uma maré que normalizou o absurdo, formar o futuro sem cuidar de quem ensina.
E isso se torna ainda mais cruel nos anos iniciais, onde a base de tudo é construída e, paradoxalmente, a valorização é menor. É ali que se aprende a ler o mundo antes das palavras, a esperar a vez, a ouvir o outro, mas o professor dessa etapa ainda é visto como alguém que “só cuida”, como se cuidar não fosse o ato mais complexo da educação.
Apesar disso, e talvez por causa disso, há pequenos milagres diários, aquele aluno que finalmente entende e sorri como quem acende uma luz, a criança que escreve a primeira frase sozinha e olha para o professor como quem diz “eu consegui”, um bilhete tímido deixado sobre a mesa: “gosto quando o senhor explica”. São vitórias miúdas, quase invisíveis, mas suficientes para lembrar que a sala de aula ainda é um lugar de resistência e esperança.
No último texto do ano, confesso, seguimos cansados, tentando um reset nestas férias merecidas, e sabendo que não estamos vencidos.
Seguimos dando aula como quem planta árvore sabendo que talvez não sente à sombra, acreditando que a educação não se faz com descartáveis, mas com gente inteira, cuidada, respeitada.
A pergunta que fica, e que talvez precise ecoar no próximo ano, é bem simples e incômoda… que futuro esperamos formar se continuamos tratando quem o constrói como se pudesse ser facilmente substituído?
Nos vemos em 2026, pois continuarei escrevendo porque, acredito que escrever é resistir, pensar é transformar e agir é necessário…





