Alberto Martins Cesário, professor e escritor
Na sala de aula, é quase como se houvesse dois mundos coexistindo, dois universos paralelos em guerra silenciosa. De um lado, com suas páginas amareladas de livros que ainda esperam pacientemente ser lidos e do outro, que pulsa na tela do celular, uma sucessão de imagens efêmeras, memórias curtas, likes e algoritmos que entendem mais de atenção do que os próprios alunos.
A cada dia, o professor se vê tentando ser um mediador entre essas realidades, um malabarista que equilibra a velha educação com as demandas de um novo mundo, em que as palavras têm um número de caracteres limitados, e os sentimentos, uma duração de 15 segundos.
Lembro de um dia especialmente difícil. Era uma terça-feira, uma daquelas que se arrastam sem apelo. No quadro, ainda podia ver as marcas das minhas tentativas de chamar a atenção dos alunos. Ao redor, no entanto, o som que dominava era o de conversas paralelas sobre jogos, memes e modinhas das redes sociais. Não era o som de minha aula sendo absorvida e sim o som das telas dos smartphones, um chamado imbatível, para eles, TikTok era mais interessante que qualquer conteúdo da aula. O que poderia ser mais tentador que um vídeo de 30 segundos sobre o último desafio viral? Bom, para eles era mais divertido que decifrar os significados de um texto literário que, ao menos, tentaria ensinar algo sobre a vida real.
Ali, na carteira de trás da sala, um de meus alunos mais inteligentes, mas também o mais distante, respondeu uma pergunta que fiz só para ver quem prestava atenção, e com um sorriso maroto ele disse a seguinte frase, “Google, professor. Está tudo lá.” E ele tinha razão. Estava tudo lá, não exatamente o que eu estava tentando ensinar, mas a resposta mais rápida e rasa possível. O Google, aquele oráculo digital que, ironicamente, tem resposta para tudo, mas não para nada que realmente importa.
Foi quando me dei conta do abismo em que estamos. Tentando ensinar a humanidade num mundo em que a informação é tão acessível quanto fugaz, onde tudo é tão superficial que, por vezes, até o desejo de aprender se dissolve no calor da tela.
Mas o que acontece quando a informação é mais rápida que o tempo necessário para compreender algo profundamente? O que acontece quando, mais do que aprender, o objetivo é “acertar logo”? Ou, pior ainda, quando o simples “meme” passa a ser mais compartilhado do que o pensamento crítico?
Percebem o impacto da tecnologia no interesse dos alunos, se antes eu enfrentava a distração de um aluno perdido em suas próprias divagações, hoje a batalha é contra o poder magnético da internet. Eu falo, explico, compartilho, mas as mentes estão ali, divididas, cada notificação do celular é uma fuga da realidade da sala de aula e as crianças não conseguem mais concentrar por mais de 10 minutos seguidos. E os professores, como eu, nos vemos tentando competir contra algo muito maior do que nossos planos de aula, estamos lutando contra um ecossistema de distrações que parece ter saído de um filme de ficção científica.
As redes sociais, com sua velocidade inebriante, formam uma geração que, muitas vezes, sabe mais sobre os trends do momento do que sobre os eventos históricos que moldaram o mundo. Mas, como ensinar algo profundo quando a atenção deles é constantemente sequestrada por uma dança viral no Instagram ou uma piada sem graça no TikTok?
No fundo, o que me chateia não é que os alunos tenham acesso a mais informações, isso é bom, o problema é que, muitas vezes, não sabem o que fazer com elas, e essas informações se tornam um amontoado de dados soltos, sem contexto, sem reflexão, sem alma.
Como é frustrante de ensinar em tempos de instantaneidade, o que me irrita, de verdade, não é o fato de que a tecnologia está presente, mas é perceber que estamos todos vivendo em um mundo onde o conhecimento é consumido como fast food. Não há tempo para digerir, muito menos há paciência para o processo. Tudo precisa ser consumido de forma rápida, prazerosa e, se possível, compartilhada.
Eu fico ali, no centro da sala, pensando em como posso acender uma fagulha de curiosidade nos olhos dos alunos e quando vejo um brilho de atenção, tento me agarrar a ele como se fosse a última estrela visível no céu, mas, logo o brilho se apaga. Uma notificação, um novo meme e foco se evapora.
Quantas vezes, me pego falando no vazio, tentando convencer alguém que a matemática é importante, ou que a literatura pode ser a chave para a compreensão do mundo. E o que vejo são cabeças abaixadas, dedos deslizando nas telas, mentes dispersas. E a questão é por que a sala de aula, o lugar que deveria ser o templo do saber, virou o campo de batalha contra distrações infinitas? Será que estamos mais preocupados em passar conteúdo do em formar seres humanos capazes de entender o mundo e a si mesmos?
Hoje, mais do que nunca, há a necessidade de uma alfabetização emocional nesse mundo digital, um ponto crucial para ser pensado, a alfabetização emocional. Um conceito que, ao meu ver, deveria ser tão (ou mais) importante que a alfabetização digital. Porque, se ensinar a escrever e ler já é desafiador, ensinar a lidar com as próprias emoções em um mundo tão caótico e desprovido de empatia parece ser uma missão impossível.
As redes sociais nos mostraram que é muito mais fácil criar uma imagem perfeita do que lidar com a imperfeição do cotidiano. E o reflexo disso se vê na sala de aula com alunos que não sabem lidar com a frustração de um erro, com a tristeza de uma perda, com a ansiedade de uma avaliação.
Eu vejo isso todos os dias. Alunos que se desesperam porque não consegue a resposta certa na hora certa, porque a pressão do “ser perfeito” na internet se reflete diretamente nas expectativas que ele tem de si mesmo. E ai eu me questiono sobre como ensinar um jovem a refletir sobre o que sente, quando ele está tão imerso num mundo que valoriza a aparência, a performance, a rapidez…
Mas, no meio desse caos, temos momentos de vitória e sempre há algo que nos faz continuar. São momentos, quase sempre silencioso, como aquela vez em que uma aluna, muito tímida, leu em voz alta um poema e, pela primeira vez, senti a verdadeira conexão entre ela e as palavras. Ou quando, depois de semanas sem conseguir prender a atenção do “alecrim dourado”, ele finalmente se interessou por uma discussão sobre ética, talvez porque percebeu que aquele tema dizia algo sobre ele, algo real, algo mais profundo que qualquer like no Instagram.
Esses momentos, raros e preciosos, são as chamas que mantêm acesa a minha paixão pela educação. Porque, no fundo, ensino não é só passar conhecimento. É ensinar a pensar, a sentir, a questionar.
No final das contas, a pergunta que fica é, podemos realmente ensinar algo mais profundo em tempos de instantaneidade? Será que, ao focarmos demais na alfabetização digital, esquecemos da importância da alfabetização emocional? Como encontrar um equilíbrio entre o conhecimento imediato da internet e a sabedoria que exige tempo e reflexão?
Eu continuo acreditando que a sala de aula pode ser um espaço de resistência. Que a verdadeira alfabetização vai além do digital, vai da cabeça ao coração e é isso, talvez, o que precisamos ensinar agora, não apenas a decifrar códigos, mas a viver com sentido e empatia no meio do caos digital.
Porque, se os nossos alunos não souberem mais do que fazer com suas emoções, como vão saber o que fazer com o futuro?
E assim, termino esse texto com um convite à reflexão:
Será que estamos preparando nossos alunos para serem bons consumidores de informação, ou estamos os preparando para serem humanos em um mundo onde, cada vez mais, a verdadeira sabedoria se perde na velocidade das telas?