Digital Influencer Ally Alexandrino relata homofobia em escola: “Pensei em suicídio”

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"Escolas deveriam ser um lugar seguro, mas se você pertencer a alguma minoria, pode ser um dos ambientes mais cruéis e não deveria ser em hipótese alguma. Educação é um direito de todos garantido por leis!", Ally Alexandrino - Foto: Reprodução

Atos de violência homofóbica e transfóbica têm sido relatados com certa frequência. Esses ataques vão da intimidação psicológica até assassinatos seletivos.


Por Andrea Anciaes

Atos de violência homofóbica e transfóbica têm sido relatados com certa frequência nos dias atuais. Esses ataques vão da intimidação psicológica até a agressão física, tortura, sequestros e até assassinatos seletivos. A violência sexual também tem sido amplamente divulgada, inclusive a chamada violência “corretiva” ou estupro “punitivo”, no qual homens estupram mulheres que assumiram ser lésbicas, sob o pretexto de tentar “curar” suas vítimas da homossexualidade.

A violência acontece em diversos lugares: na rua, parques, escolas, locais de trabalho e ambientes públicos: como bares, restaurantes, clubes, etc. O que mais impressiona é que os dados oficiais sobre violência homofóbica e transfóbica são escassos e irregulares, a maioria das cidades sequer possui um canal de denúncia para esse tipo de crime, sem contar que também não possuem sistemas adequados para monitoramento, registro e notificação de ódio homofóbico e crimes contra a comunidade LGBTQIA+.

Lamentavelmente pesquisas apontam que mesmo quando existe um meio de registro para esse tipo de crime, acabam impunes.

Recentemente o jornal Diário de Votuporanga recebeu uma denúncia de ataque homofóbico sofrido por um jovem em uma escola da rede estadual de ensino, vale lembrar que a homofobia compromete a inclusão educacional e a qualidade do ensino. Incide na relação docente-estudante. Produz desinteresse pela escola, dificulta a aprendizagem e conduz à evasão e ao abandono escolar.

Uma pesquisa realizada em 2016 pelo presidente da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o defensor público João Paulo Carvalho Dias, estima que no Brasil 82% das pessoas trans e travestis tenham abandonado os estudos ainda na Educação Básica.

Em entrevista ao jornal Diário de Votuporanga, Ally Alexandrino contou sobre o acontecimento, acompanhe:

“Bom, eu estudei nessa escola durante o 6°, 7° e metade do 8° ano. Nesse último ano, como eu já era assumido para minha família, fui pela primeira vez na parada da diversidade no ano de 2017, ocorrido em Votuporanga. Lugar onde senti que não estava sozinho e existiam mais pessoas como eu, que passavam pela mesma situação, então postei uma foto deste evento nas redes sociais e o problema que já existia, mas antes era tratado com `Mas você é? Caso contrário, não tem o porquê ligar’, ficou pior. Comecei sofrer bullying por parte dos alunos e ser excluído por grande parte da escola, inclusive funcionários. Posteriormente, sofri inclusive agressões físicas enquanto usava o banheiro.
Algumas semanas depois eu e minha família mudamos de residência e com isso, eu pude trocar de escola também, o que me deu um alívio muito grande.

Uma escola menor, em Simonsen, que me acolheu em todo tempo que fiquei lá.

No 9° ano, concorri ao prêmio de melhor aluno da cidade representando a escola. Sempre tive um bom desenvolvimento acadêmico, ajudava os colegas de sala com dificuldades e recebia elogios por ter aumentado o desempenho da turma após minha chegada, participava de muitas matérias extracurriculares e fui um aluno muito bom!

Porém, quando passei para a 1° série do ensino médio, tive que voltar para escola que estava antes, uma escola da rede estadual, onde o problema recomeçou. Desde o início das aulas, eu estava sofrendo homofobia por parte dos alunos (muitas delas em frente dos professores) e sempre que reclamava, nada acontecia. Até que um dia a grande maioria da sala começou a fazer piadinhas homofóbicas e eu não consegui aguentar; saí da sala tendo crise de ansiedade e chorando muito, não tive respaldo por parte da diretoria. ‘Se você reclama tanto dessa escola, então porque não muda de escola?`. Foi uma das coisas que ouvi enquanto reclamava das piadinhas na sala, dos professores negligentes e usando termos preconceituosos.

Com o psicológico abalado, acabei piorando meu quadro de depressão e tendo que tomar alguns remédios para não ter crises diárias (Sertralina, Fluoxetina e Clonazepan) e também comecei a faltar as aulas, você não tem motivação pra ir a um lugar onde te tratam como um lixo pelo simples fato de ser quem você é. Até que consegui vaga em outra escola, muito mais longe da minha casa, mas mudei porque não dava para continuar ali, senti que nem era mais um ser humano, perdi totalmente meu senso de valor e minha autoestima, cheguei a pensar em suicídio,” relata com tristeza.

DV: Como você está hoje e qual o sentimento que fica de tudo isso? O que você espera da justiça em relação a crimes homofóbicos e bullying?

“Hoje faço terapia pra tentar tratar os traumas que esses anos me geraram. O ódio deixa marcas demais nas pessoas, espero que as pessoas não vejam isso e sintam pena, não quero isso de forma alguma. Quero que talvez usem o que eu passei e o que diversas pessoas LGBTQIA+ passam nas escolas para talvez mudarem isso, não dá pra continuar fingindo que o problema não existe. Hoje eu tô aqui, mas o próximo “Ally” pode não aguentar tanto. Espero que tenham punições mais severas para alunos e pessoas que tenham esse tipo de comportamento e não apenas um sermão, pois as consequências que isso gera em alguém são traumas e inseguranças que ‘talvez’ com bastante tempo de terapia possamos superar. Torço para que nenhuma outra pessoa tenha que passar por tudo que sofri. Não acho que seja necessário falar o nome da escola que me fez passar por tudo isso, não é foco, tem muitas escolas assim pelo Brasil todo; não quero que isso se transforme em algo de ataque, mas sim de conscientização.

Escolas deveriam ser um lugar seguro, mas se você pertencer a alguma minoria, pode ser um dos ambientes mais cruéis e não deveria ser em hipótese alguma.

Educação é um direito de todos garantido por leis!”, finalizou. 

DV: Qual a mensagem que você deixa para outros adolescentes que estejam passando por um problema como o seu?

“E, pra todos os adolescentes que podem estar passando por isso, saibam que não estão sozinhos, não deixem negarem sua identidade, sua liberdade, sua educação e seu direito de ser quem você é!”

A sociedade brasileira vive profundas transformações que não podem ser ignoradas por nenhuma instituição democrática. Cresce no país a percepção da importância da educação como um meio  necessário para enfrentar situações de preconceitos e discriminação e garantir oportunidades efetivas de participação de todos nos diferentes espaços sociais.

É de extrema importância promover ações que forneçam aos profissionais da educação diretrizes, orientações pedagógicas e instrumentos para consolidar uma cultura de respeito à diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero. Cada vez mais a homofobia é percebida como um grave problema social, e a escola é considerada um espaço decisivo para contribuir na construção de uma consciência crítica e no desenvolvimento de práticas construídas e planejadas pelo respeito à diversidade e aos direitos humanos.

O preconceito impede que muitas pessoas possam ter um emprego, um ambiente familiar saudável e até mesmo amigos. Você já parou para pensar o quanto isso pode impactar alguém? As pessoas devem ter liberdade para serem quem são, em todos os lugares e situações! Por isso, lutar contra a homofobia, sempre que pudermos, é um passo importante. Quando as pessoas superarem o preconceito, praticarem a empatia e o respeito ao próximo independentemente de qualquer fator, talvez o mundo seja um lugar melhor, as pessoas mais evoluídas e as relações sociais um pouco mais humanas!